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Cuícas Imortais: Os Mestres da Percussão do Samba agora em um tributo literário

Foto: Arte digital / Divulgação


APRESENTAÇÃO

A cuíca, um tambor de fricção bastante usado na percussão do samba, se desenvolveu no Brasil a partir de tambores centro-africanos de Angola e do Congo. Há referências sobre instrumentos bastante parecidos, oriundos de regiões onde viviam os kimbundos, ambundos e kiocos. Entre nós, o tambor dos bantos foi chamado, além de cuíca, de fungador,
tambor-onça, angona-puíta etc. Nos primórdios do samba, as cuícas, muitas vezes construídas artesanalmente a partir de barricas e pequenos tonéis de madeira, exerciam funções ligadas à marcação do ritmo, explorando sonoridades mais graves. Aos poucos, porém, o instrumento foi se transformando, ganhando características sonoras mais agudas, batucando e repicando sonoridades peculiares em rodas, terreiros, escolas de samba e shows.

É esse instrumento marcante na história da percussão brasileira que conduz as histórias contadas neste livro por J. Muniz Jr. e Paulinho Bicolor. Os autores, com conhecimento de causa curtido no couro das rodas de samba, abordam nas páginas que seguem a trajetória de grandes nomes da história do instrumento. A partir da figura seminal de João Mina, batuqueiro do bairro carioca do Estácio de Sá, que introduziu o instrumento nas escolas de samba, temos um passeio que mistura dados biográficos, modos de tocar, inovações, contribuições e heranças deixadas por nomes como Manoel Quirino, Bide, Generoso, Ministrinho e tantos outros.

Ao relembrar as trajetórias dos grandes construtores dos modos brasileiros de tocar cuíca, os autores prestam ainda um serviço inestimável à historiografia do samba, chamando para a grande roda do tempo — pelo nome — aqueles que, a partir das gramáticas do tambor, ousaram preencher o vazio com sonoridades inusitadas.

Luiz Antonio Simas

RESENHA

Foto: Arte digital / Divulgação

Cuícas imortais: de João Mina à Boca de ouro, de J. Muniz Jr e Paulinho Bicolor é Um tributo aos lendários cuiqueiros que se destacaram no século XX pelo extraordinário desempenho artístico com seus instrumentos mágicos, pois a cuica é o canto e o encanto do samba. A cuíca é um instrumento musical importante na cultura brasileira, com origens africanas e que se tornou parte fundamental do samba e de outras manifestações afro-brasileiras.  livro "Cuícas Imortais" apresenta a história e os perfis biográficos dos músicos que contribuíram para a transformação e permanência desse instrumento ao longo do tempo. Além disso, destaca a cuíca como um instrumento de sociabilidade que cria laços afetivos entre as pessoas. O Instituto Cultural Glória ao Samba enaltece a importância desses músicos e espera que mais obras sejam produzidas para homenagear outros ritmistas do samba.

O prefácio do livro "A Cuíca Ronca entre o Sagrado e o Profano" destaca a importância da cuíca na percussão do samba e sua origem a partir de tambores centro-africanos. O instrumento, inicialmente utilizado para marcar o ritmo com sonoridades graves, evoluiu para produzir sons agudos e distintos. Os autores do livro, J. Muniz e Paulinho Bicolor, exploram a trajetória de grandes nomes da história da cuíca, destacando suas contribuições e inovações. A cuíca é descrita como um instrumento misterioso, capaz de evocar memórias ancestrais e ritmos distintos. O livro é recomendado como uma contribuição valiosa para a historiografia do samba, ressaltando a importância da cuíca na música brasileira.


Arte digital / Divulgação


A obra se inicia narrando a história de João Mina, um dos pioneiros da cuíca no samba, é repleta de mistérios e contradições. Apesar de ser considerado por alguns como o inventor do instrumento, sua real importância e contribuição para a música popular ainda são motivo de debate. No entanto, sua participação na história do samba e sua parceria com grandes nomes como Noel Rosa são fatos incontestáveis. Sua trajetória exemplifica a complexidade e riqueza cultural por trás dos instrumentos musicais e das manifestações artísticas.

Foto: Morula / Divulgação

Desde os primórdios do samba, a presença feminina sempre foi marcante, mesmo muitas vezes sendo subjugada em canções machistas. Mulheres como Tia Ciata são lembradas por seu papel de liderança no samba, mas pouco se fala sobre a participação feminina em atividades consideradas masculinas, como a função de ritmista. Dalila e Dila, retratadas em uma fotografia de 1932, são exemplos disso, destacando-se como mestras da cuíca e do tamborim. A importância dessas mulheres no samba é ressaltada, questionando quantos outros talentos femininos foram ignorados ao longo da história. Dalila, retratada como uma das primeiras ritmistas do samba, merece destaque por sua contribuição para a cultura popular brasileira.

A revista O Cruzeiro publicou uma reportagem em 1935 sobre a visita dos bailarinos russos Clotilde e Alexandre Sakharoff ao terreiro da escola de samba Lyra do Amor, no Rio de Janeiro. Eles se encantaram com o samba e com a cuíca de Manoel Quirino, um cuiqueiro renomado da época. A reportagem destaca a técnica antiga de fabricação e afinação da cuíca, que envolvia tachinhas, arruelas e arame, além do uso do fogo para ajuste do couro. A execução da cuíca também era diferente, com apenas uma mão, o que limitava as frequências sonoras. Nos anos seguintes, houve modernizações na fabricação e afinação da cuíca, permitindo maior variedade de sons e tornando o instrumento mais versátil musicalmente.

O autor também destaca a história de Deovirgilio Florentino de Carvalho, um operário e oficial de caldeireiro, inventou um novo tipo de cuíca chamado de "cuíca-tuba" em 1933. Ele adaptou a caixa acústica da cuíca com uma campânula de tuba na esperança de amplificar o som do instrumento. Apesar de sua inovação, a prática de adicionar campânulas na cuíca já era comum entre os cuiqueiros, e Deovirgilio pode ter sido inspirado por uma reportagem de 1931 que descrevia a cuíca comparando-a com a tuba. Naquela época, a cuíca tinha um padrão sonoro mais grave e era usada principalmente para sustentar o ritmo, tendo uma função semelhante à tuba na música popular.

Aclamado, Paulo Campos foi um pioneiro cuiqueiro aclamado como Rei da Cuíca em espetáculos artísticos, atuando também na escola de samba Alma Suburbana. Ele realizou uma modificação em sua cuíca, adicionando chaves de afinação, proporcionando maior controle sobre as frequências sonoras do instrumento. Essa inovação foi vista como um gesto de civilização da cuíca, promovendo seu avanço. Apesar de não ter sido seguido por outros cuiqueiros, o experimento de Paulo Campos revela um intenso processo de transformação na história da cuíca, com impacto histórico, musicológico e sociológico na sociedade brasileira.

Relembrado, Alcebíades Maia Barcelos, conhecido como Bide, foi um dos principais fundadores do bloco Deixa Falar, que inspirou as primeiras escolas de samba. Além de compositor, deixou importantes contribuições na história do samba, especialmente em relação à cuíca. Formou parcerias musicais importantes e foi um dos primeiros sambistas a se profissionalizar. Sua atuação como cuiqueiro foi documentada em registros históricos e ele também contracenou em um filme com a cantora Aurora Miranda. Apesar do prestígio, passou por dificuldades antes de falecer em 1975, sem a devida reverência ao seu legado.

O autor ainda cita que Oliveira da Cuíca foi um renomado músico carioca que se destacou como um dos primeiros e mais habilidosos tocadores de cuíca do Brasil. Ele cresceu em um ambiente boêmio no bairro do Estácio, onde sua mãe administrava um bordel. Ao lado de João Mina, ele formou o naipe de cuícas da escola de samba Deixa Falar. Oliveira também foi pioneiro na técnica de execução da cuíca e contribuiu para o desenvolvimento e popularização do instrumento. Além de atuar em escolas de samba e no show business carioca, ele se apresentou internacionalmente e foi elogiado por sua técnica inovadora. Apesar de sua breve carreira, Oliveira deixou um legado significativo na música brasileira, sendo reconhecido como o Rei da Cuíca e um dos principais músicos de acompanhamento da época. Sua morte prematura em 1938 foi lamentada pela imprensa e seus amigos, sendo erroneamente confundida com a de outro músico.

Pedro Moreira, conhecido como "Pedro da Cuíca", era um músico prestigiado que tocava cuíca em diversos eventos e programas radiofônicos nas décadas de 1930 e 1940. Ele fazia parte do conjunto regional de Nelson Miranda e também do grupo da rádio Mayrink Veiga, dirigido por Pixinguinha. Pedro inovou no instrumento, utilizando uma cuíca com uma pele de gato e aplicações de metal cromado, que proporcionava uma sonoridade magnífica. Ele era reconhecido por sua habilidade e virtuosismo ao tocar, destacando-se como solista em diversas apresentações. Pedro também teve a oportunidade de acompanhar renomados músicos em uma audição para o Dr. Carleton Sprague Smith, diretor da Seção Musical da Biblioteca Pública de Nova York, que elogiou as sonoridades únicas que Pedro conseguia extrair da cuíca.

A obra também relata a história do popular Chico da Cuíca, conhecido por seu talento como tocador de cuíca e sua vida boêmia no Rio de Janeiro nas décadas de 1930 e 1940. Ele era reconhecido por seu prestígio profissional e participou de importantes espetáculos musicais. No entanto, também enfrentou momentos difíceis, como uma briga que resultou em ferimentos graves. Chico faleceu em 1948, em circunstâncias trágicas, e seu corpo ficou insepulto por falta de recursos da família. A história de Chico da Cuíca reflete a dura realidade dos artistas populares da época, que enfrentavam dificuldades mesmo diante de seu talento e fama.

Generoso Bueno da Silva foi considerado o melhor cuiqueiro do Brasil na época em que alegrava as noites da cidade de Santos. Ele aprendeu a tocar cuíca através de um cuiqueiro carioca e se destacou como músico profissional em eventos sofisticados. No entanto, com o fechamento dos cassinos e a chegada de novos estilos musicais, Generoso passou por dificuldades e se afastou da vida artística. Mesmo assim, foi reverenciado em um concurso em 1970, mas percebeu que não poderia mais voltar ao passado glorioso. Ele viveu na penumbra até seu falecimento em 1990, sendo lembrado como uma figura importante na difusão artística da cuíca na região.

José Santiago da Silva, conhecido como Ministrinho, foi um dos muitos netos da famosa Tia Ciata, matriarca do samba. Cresceu em um ambiente bamba e culturalmente rico, influenciado pela ancestralidade africana. Com talento para a cuíca, tornou-se um dos cuiqueiros mais célebres da história, modernizando o instrumento. Viveu uma vida boêmia, marcada por jogos e sedução, mas também se destacou como músico de acompanhamento e protagonista, sendo requisitado em shows e gravações. Viajou pelo Brasil e pelo mundo, participando até mesmo de produções cinematográficas. Nos últimos anos, enfrentou dificuldades financeiras e precisou se sustentar com um emprego no cais do porto. Sua última atuação artística foi anunciada em uma boate no Rio de Janeiro. Ministrinho dedicou sua vida à cuíca e teve uma de suas antigas cuícas exposta no Museu da Imagem e do Som, infelizmente perdida em um incêndio em 1981. Sua trajetória honra o samba brasileiro.

Boca de Ouro foi um músico lendário dedicado à cuíca, com uma trajetória intensa e fascinante. Sua vida foi marcada por mistérios, desde seu apelido até sua origem, que permanece desconhecida. Com uma incrível musicalidade, Boca se destacou como um dos melhores cuiqueiros de sua época, conquistando fama no Brasil e internacionalmente. No entanto, sua vida pessoal foi marcada por acontecimentos trágicos e rumores, como seu envolvimento com a bebida e sua morte misteriosa, que até hoje suscita dúvidas.

O livro "Cuícas Imortais" é uma obra que celebra a importância da cuíca na cultura brasileira, destacando os músicos que contribuíram para sua história e evolução. A narrativa envolvente e detalhada traz à tona personagens fascinantes e suas trajetórias marcantes, revelando a complexidade e riqueza por trás desse instrumento tão emblemático. A pesquisa profunda e o respeito à memória dos cuiqueiros tornam o livro uma leitura indispensável para quem deseja entender melhor a influência da cuíca no samba e na música brasileira como um todo. A abordagem sensível e informativa dos autores J. Muniz e Paulinho Bicolor enaltece a importância cultural da cuíca, tornando o livro uma obra fundamental para quem aprecia e valoriza a riqueza da nossa música.

Resenha: Contos céticos, de Adriana Lunardi

Foto: Arte digital / Divulgação

 

APRESENTAÇÃO

A escrita de Adriana Lunardi traz uma astúcia que nos coloca, sempre de repente, na companhia das belezas imperfeitas que decorrem da tragédia cotidiana – a¬li, de onde não se pode fugir, o deleite e desespero de coexistir; ali, quando há sempre um eu, um outro.

Desconfiados e a seu lado, acompanhamos um estrangeiro na praia, criamos personagens, perdemos o ar por completo em uma pandemia, e a visão, na velhice. Em seus nove contos e uma nota do destino, conhecemos crianças erráticas, idosos mais erráticos ainda, escritores vaidosos e autoflagelados, e vislumbramos o que chamam de ‘loucura que acomete gênios e artistas’, mas sequer chegamos perto de tocá-la – é impossível. Olhamos no olho do mistério porque, em Contos céticos, não há quarta parede diante do luto, das últimas imagens que se tem de alguém. Tudo pode ser maculado. Uma criança, a literatura, Paris.

Mas o que torna Contos céticos uma coletânea excepcional são as imagens extraordinárias que Lunardi é capaz de criar a partir de elementos triviais da existência. Sua narrativa fascinante não vem apenas de uma habilidade magistral, mas de sua uma profunda intimidade com a palavra. O fio condutor que atravessa os contos deste livro não se estica e não se pretende linear, prefere antes partir-se e buscar o remendo, fazer nós e novelos; sua natureza, no entanto, é inequívoca, e diz: estou aqui para fazer literatura.


RESENHA


Adriana Lunardi, aclamada escritora e ganhadora de diversos prêmios, nos presenteia com Contos céticos, uma celebração da literatura e suas diversas formas. Seus nove contos e uma nota do destino nos levam a um universo de imperfeições belas que surgem da tragédia do cotidiano, explorando a delícia e o desespero de coexistir. Em meio a crianças caprichosas, idosos mais ainda, escritores arrogantes e autocentrados, Lunardi nos presenteia com imagens extraordinárias criadas a partir de elementos banais, desafiando a manipulação por glossários, medicamentos ou truques. Em sua narrativa, a autora utiliza a dúvida e a ironia para explorar uma realidade que não pode ser deturpada. Adriana Lunardi nos confronta com nossa própria ridicularidade, revelando a beleza que reside em nós quando as luzes se apagam. Sua obra deixa uma marca indelével, como bem observou Adriana Lisboa, com "um quê de ternura, um arrepio de poema".


Contos Céticos é uma coletânea excepcional que se destaca pelas imagens extraordinárias criadas pela autora a partir de elementos simples do cotidiano. Sua narrativa envolvente é fruto não apenas de habilidade excepcional, mas também de uma profunda conexão com a palavra. Os contos deste livro não seguem uma linha reta, preferem se emaranhar e encontrar soluções criativas; no entanto, sua essência é clara: estão ali para fazer literatura. Todas as personagens dos contos carregam um olhar cético e desencantado, questionando o que é dado como certo. O livro representa uma redescoberta de sua própria escrita, com uma valorização da ficção como uma aposta estética em sua jornada literária, o que torna a missão de leitura algo excepcionalmente encantador, ao passo, de que, somos confrontados com nuances descritivas que nos levam a questionar nossa capacidade de interpretação, repleto de contos que mergulham de forma profunda na nossa identidade. 


Silêncio, exílio se desenrola em fragmentos que se entrelaçam de forma singular. A protagonista narra seus encontros com um estrangeiro misterioso em uma praia, enquanto reflete sobre suas fantasias, medos e inseguranças.


A autora utiliza uma linguagem poética e ao mesmo tempo perturbadora, criando uma atmosfera de suspense e inquietude ao redor da relação entre a protagonista e o estrangeiro. A presença constante do mar e a descrição detalhada das ondas e da paisagem marinha contribuem para a tensão crescente ao longo do conto. A protagonista revela a sua fascinação pelo inesperado, o absurdo e o terror do dia a dia, e seu relacionamento com o estrangeiro parece ser marcado por um misto de curiosidade e medo. A personagem também parece lutar contra suas próprias inseguranças e fobias, enquanto tenta decifrar os sinais que se apresentam diante dela.


A narrativa é rica em simbolismos e metáforas, que exploram temas como a vulnerabilidade humana, a dualidade entre o amor e o medo, e a complexidade das relações interpessoais. O conto evoca uma atmosfera onírica e perturbadora, onde a realidade e a fantasia se misturam de maneira intrigante. A protagonista parece confrontar seus próprios medos e alcançar uma espécie de redenção, ao perceber que a tragédia que imaginara não passava de sua própria projeção. 


Script girl é uma narrativa densa e introspectiva que explora a solidão e o isolamento em meio a uma crise global, como a pandemia. A protagonista reflete sobre seus relacionamentos e o amor, projetando suas fantasias e expectativas em figuras masculinas do seu cotidiano. A autora cria personagens complexos e ambíguos, como Tom, Tibério, César e Gus, que representam diferentes aspectos da jornada emocional da protagonista. Cada um deles desperta emoções e questionamentos na narradora, revelando suas próprias inquietações e desejos.


A escrita poética de Lunardi aborda temas profundos como a busca por significado, a solidão e a efemeridade dos relacionamentos. A dualidade entre realidade e fantasia, vida vivida e vida imaginada, cria uma atmosfera melancólica e contemplativa. Apesar disso, o conto pode parecer fragmentado e hermético, com passagens e reflexões que não se conectam claramente. A densidade da narrativa e as referências literárias e cinematográficas podem desafiar alguns leitores.


Bodas de Pó nos apresenta um encontro entre um casal divorciado, Frederico e a narradora, que se reúnem para discutir a situação de saúde dele e o rumo de suas vidas. O texto é permeado por silêncios carregados de significados, revelando mágoas e arrependimentos não expressos verbalmente. A narrativa é marcada pela presença de lembranças e reflexões sobre o passado do relacionamento dos personagens, as dificuldades enfrentadas e as escolhas feitas ao longo do tempo. A autora aborda de maneira sensível a complexidade das relações humanas, mostrando como as divergências e conflitos podem perdurar mesmo após o fim de um casamento.


A ambientação do conto em uma cafeteria cria uma atmosfera íntima e melancólica, onde as emoções dos personagens parecem se entrelaçar com as conversas ao redor e a movimentação do ambiente. A garçonete, figura secundária, também é explorada de forma simbólica, representando uma espécie de refúgio e serenidade em contraste com a turbulência emocional dos protagonistas. A autora utiliza uma linguagem poética e metafórica para explorar as emoções dos personagens, dando destaque aos gestos e silêncios que revelam mais do que as palavras. O conto nos leva a refletir sobre a efemeridade da vida e dos relacionamentos, a solidão e a inevitabilidade do tempo que nos separa daqueles que um dia foram importantes em nossas vidas.


Animal extinto aborda temas como memória, identidade e desconexão em um mundo futurista onde implantes e próteses neuronais se tornaram comuns. A narrativa segue um protagonista que passa por um processo de remoção de implantes ilegais em seu cérebro e é confrontado com lembranças e sensações que o levam a questionar sua própria existência. O conto apresenta uma atmosfera distópica e tecnológica, onde os personagens lidam com dilemas éticos e emocionais relacionados à sua própria humanidade. A relação entre o protagonista e seu irmão, que sofre de uma condição neurológica, adiciona uma camada emocional à história.


A escrita de Lunardi é poética e melancólica, transmitindo a sensação de estranhamento e desolação do protagonista diante de sua própria desconexão com o mundo. A cena final, com a aparição de um animal extinto, simboliza a perda e a busca pela identidade perdida.


Biografia e correspondência, nos apresenta uma narrativa envolvente que mergulha nas nuances do comportamento humano e nas complexidades das relações interpessoais. Através de uma descrição minuciosa do ambiente de uma livraria e das ações dos personagens, somos levados a refletir sobre a natureza humana e suas motivações. A protagonista, Inês, é retratada de forma intrigante, como uma mulher perspicaz e calculista, que observa atentamente o comportamento das pessoas ao seu redor. Sua postura reservada e sua capacidade de antecipar as ações dos outros revelam uma personalidade enigmática e misteriosa.


O conto aborda temas como solidão, descontentamento e busca por significado, através dos diálogos internos de Inês e de suas interações com os demais personagens. A descrição detalhada das cenas e dos pensamentos da protagonista cria uma atmosfera densa e intrigante, que nos convida a penetrar nas camadas mais profundas da psique humana. A colisão causada por Inês com a moça de lenço é o clímax do conto, um momento crucial que revela a natureza sombria e manipuladora da protagonista. A forma como ela manipula a situação e se aproveita da vulnerabilidade da outra pessoa para atingir seus objetivos nos faz questionar até que ponto somos capazes de ir em busca de nossos próprios interesses.


Toda história em Paris é uma autobiografia, acompanha a narrativa de uma entrevistadora profissional que se vê diante de uma autora em crise, Miranda Sodré, que confessa ter plagiado um livro. Através de um diálogo tenso e cheio de nuances, a entrevistadora busca compreender os motivos por trás da confissão de Miranda e desvendar a verdade por trás do plágio. O conto traz à tona questões sobre autenticidade, fama, pressão social e a complexidade das relações humanas. A autora, através de diálogos bem construídos e uma narrativa envolvente, conduz o leitor por um caminho de descobertas e revelações, fazendo questionamentos sobre a natureza da criatividade, da culpa e da busca pela verdade.


A personagem de Miranda é apresentada de forma multifacetada, demonstrando suas fraquezas, seus medos e suas contradições. A autenticidade de seus sentimentos se choca com a máscara que ela mantém perante o mundo, levando a um desfecho surpreendente e impactante, um conto que instiga reflexões sobre a natureza humana, a busca pela autenticidade e as consequências de nossas escolhas. Com uma narrativa sensível e perspicaz, a autora consegue capturar a complexidade das relações interpessoais e nos levar a questionar o que realmente nos move e define nossa trajetória.


Enquadramento aborda a relação entre duas irmãs enquanto lidam com a chegada de um novo bebê na família. A narrativa é conduzida pela protagonista, que narra a dinâmica complexa entre ela e sua irmã mais nova, Kazuo, em meio a mudanças no ambiente familiar.


A autora utiliza uma composição detalhada do ambiente, como a divisão do quarto entre as camas das duas irmãs e a dinâmica de poder sobre os espaços compartilhados, para explorar os sentimentos de inveja, rivalidade e amor entre as personagens. Através da criação de um mundo imaginário, as irmãs constroem uma narrativa fictícia com personagens e histórias que refletem suas próprias vivências e emoções. O conto aborda questões relacionadas à infância, como a adaptação a mudanças familiares, a rivalidade entre irmãos e a busca por identidade e reconhecimento. A autora mescla elementos lúdicos e emotivos, criando uma atmosfera delicada e envolvente que cativa o leitor com uma narrativa  habilmente construída, com um ritmo fluido e uma linguagem poética que captura a inocência e a complexidade das relações familiares. O desfecho inesperado traz um choque de realidade que desestabiliza a fantasia criada pelas irmãs, resultando em uma reflexão sobre a fragilidade e a efemeridade da infância. É um conto sensível e envolvente que explora temas universais como o amor, a rivalidade e a passagem do tempo, revelando nuances emocionais e psicológicas das personagens. Através de uma narrativa intimista e cuidadosamente elaborada, a autora consegue transmitir os conflitos e as delicadezas das relações familiares de forma tocante e profunda.


Bildungsroman, é uma narrativa angustiante e envolvente que nos leva a refletir sobre questões familiares, o crescimento e a descoberta de si mesmo. A protagonista, uma criança de apenas oito anos, é pega em flagrante realizando mais uma fuga, o que acaba gerando um desconforto e uma tensão palpável dentro de sua casa. A narradora faz jus ao título do conto, que remete ao gênero literário que retrata a formação e o amadurecimento de um personagem. A personagem principal, ainda tão jovem, já se vê diante das consequências de seus atos e de suas escolhas, sendo levada a enfrentar a dura realidade do seu comportamento indisciplinado.


A relação conturbada com seu pai e a sensação de não ser compreendida pelos adultos ao seu redor são elementos marcantes na trama. A menina é colocada de castigo em um ambiente abandonado da casa, onde se vê sozinha e obrigada a lidar com seus pensamentos e sentimentos. Ao longo da história, a protagonista encontra uma forma de se expressar e de se encontrar através da escrita. Ela começa a listar objetos e palavras no espaço ao seu redor, demonstrando sua criatividade e sua necessidade de se fazer presente e ser notada. A escrita envolvente nos conduz por um fluxo de pensamentos tão intensos e profundos quanto os da própria personagem. A sensação de isolamento e a busca por identidade são temas recorrentes que fazem o leitor refletir sobre sua própria jornada de crescimento e amadurecimento, o que faz a escrita de Lunardi um exercício de reflexão acerca da complexidade da infância e da formação da identidade.


Condições do tempo nos apresenta a história de um protagonista que retorna à casa de um antigo amor, Guilherme, após um longo período de ausência. A narrativa é rica em detalhes e reflexões sobre a passagem do tempo, as relações humanas e as escolhas que moldam nossa existência. O protagonista é confrontado com suas memórias e arrependimentos ao revisitar a casa e os momentos compartilhados com Guilherme. A presença do cão Lucius, o jardim bem cuidado, a arte de Guilherme e a atmosfera da festa realizada na casa são elementos que o levam a refletir sobre sua própria vida e as consequências de suas ações passadas.


A narrativa é habilmente construída, alternando entre passado e presente, sonho e realidade, revelando camadas profundas de emoção e arrependimento. A relação entre o protagonista e Guilherme é complexa e carregada de significados, mostrando o peso das escolhas e a dificuldade de lidar com as consequências.  É um conto profundo e emocionante que nos faz refletir sobre as escolhas que fazemos e as consequências que enfrentamos ao longo de nossas vidas. A complexidade dos personagens e a narrativa habilidosa tornam a leitura envolvente e cativante, deixando uma marca duradoura na mente do leitor.

Resenha: Introdução ao estudo do léxico: Brincando com as palavras, de Rodrigo llari

Foto: Arte digital / Divulgação

 

APRESENTAÇÃO

Em um livro lúdico - e valendo-se da experiência e da qualidade de trabalho desenvolvido como um dos maiores linguístas brasileiros da atualidade - Rodolfo Ilari apresenta-nos uma grande obra sobre as possibilidades de estudo das palavras no português do brasileiro. Mais do que isso: Ilari nos faz percorrer o caminho do jogo, perceber nas construções mais cotidianas (como a piada entre amigos ou o jogos de adivinha) os mecanismos de que o falante se utiliza na construção da linguagem. Homônimos, sinônimos, antônimos, ambiguidades e anglicismos são alguns dos assuntos abordados nesta obra fundamental para alunos de Letras, professores de Português e demais interessados em compreender nossa língua mais a fundo.


RESENHA


O livro "Introdução ao estudo do léxico - brincando com as palavras" de Rodolfo Ilari aborda a importância das palavras na construção de mensagens linguísticas com foco no significado. O autor, conhecido por sua expertise na linguagem, conduz os leitores a uma reflexão sobre a linguagem, visando preparar futuros professores para ensinarem de forma crítica e independente. Ilari destaca-se pela profundidade de seus conhecimentos, versatilidade na ciência da linguagem e preocupação com o ensino de língua e formação de professores. O livro é um guia essencial para quem busca compreender e ensinar a linguagem de forma eficaz.


Em 'ambiguidade', o autor aborda a ambiguidade na linguagem, que consiste na característica das sentenças que apresentam mais de um sentido. São mostrados diversos fatores linguísticos que podem gerar ambiguidades, como a possibilidade de uma sentença ter duas análises sintáticas diferentes, um pronome com dois antecedentes, uma palavra com dois sentidos diferentes, um mesmo operador aplicado de duas maneiras diferentes, entre outros. Além disso, a ambiguidade também pode decorrer da dificuldade em discernir se as palavras foram utilizadas de forma literal ou indireta. O texto propõe um teste para identificar a ambiguidade em sentenças e apresenta exemplos de manchetes de jornais ambíguas. A atividade proposta é relatar um caso de interpretação equivocada de uma informação ou ordem, e é sugerida uma série de exercícios para analisar a ambiguidade em manchetes de jornais.


Em 'anglicismo', aborda o fenômeno dos anglicismos no português do Brasil, que são palavras e construções gramaticais que foram incorporadas do inglês ao longo do tempo. Essa incorporação acompanha a assimilação de artefatos, tecnologias e hábitos que esses termos nomeiam. Muitas palavras foram recebidas do inglês nos séculos XIX e XX, especialmente ligadas ao vestuário, comércio, esporte, cinema e tecnologia. Um exemplo é a informática, que trouxe uma grande quantidade de anglicismos para o português do Brasil. O texto também apresenta exercícios para identificar e compreender o significado de anglicismos em diversas áreas, como política, esporte e produção. Além disso, explora a origem e curiosidades de palavras inglesas incorporadas à língua portuguesa.


No capítulo 'antonímia',  o autor explica que antonímia é a exploração de palavras e frases que podem ser colocadas em oposição, com o objetivo de enriquecer a reflexão e a expressão. Antônimos são palavras que se referem a realidades opostas, como ações, qualidades, relações, entre outros. Essas oposições podem ter fundamentos diferentes, como diferentes posições numa mesma escala, início e fim de um mesmo processo ou diferentes papéis numa mesma ação. A antonímia pode ser encontrada em substantivos, adjetivos, verbos, advérbios, preposições, entre outros. Além disso, textos podem construir oposições entre palavras e expressões que não consideramos como antônimas. Atividades e exercícios são propostos para explorar esse recurso na linguagem.


O capítulo 'arcaísmo', somos levados à compreensão de que são expressões que caíram em desuso na língua, refletindo um estado mais antigo. Podem ser encontrados em diversos domínios da língua, como no vocabulário, morfologia e sintaxe. O uso de arcaísmos é mais comum na literatura e em autores que fazem do arcaísmo um recurso de estilo. Palavras e construções se tornam arcaicas devido a objetos, técnicas e hábitos em desuso, ou pela perda de ligação com outras palavras de origem comum. Exemplos de arcaísmos incluem expressões como "senhor" em substituição a "senhora", ou a palavra "dulcidão" em vez de "doçura". Além disso, foi apresentado um trecho de uma carta do século XVIII como exemplo de arcaísmos e foram propostos exercícios para identificar e compreender o uso de arcaísmos.


Foto: Arte digital / Divulgação


No capítulo 'campos lexicais', o autor esclarece que campos lexicais são conjuntos de palavras que nomeiam experiências semelhantes, como cores ou animais. A organização desses campos pode ser feita por meio da análise componencial, que quebra a significação das palavras em unidades menores, ou pela análise por protótipos, identificando indivíduos representativos da categoria. Exercícios propostos envolvem a aplicação desses conceitos, como associar marcas a produtos, distinguir palavras com traços específicos, e criar gráficos ou diagramas com palavras relacionadas. Além disso, é discutida a relação entre antigos fabricantes e marcas após fusões de empresas.


Em '(In-) compatibilidades entre partes de uma sentença',  aborda as incompatibilidades entre as partes de uma sentença, tanto no aspecto linguístico quanto no prático. São apresentados exemplos de combinações de palavras que causam estranheza ou não fazem sentido, devido às restrições de seleção lingüística. Além disso, são propostos exercícios práticos para identificar e compreender essas incompatibilidades, como completar frases corretamente, identificar coletivos, interpretar anúncios imobiliários e analisar diálogos que apresentam equívocos de entendimento. Através dessas atividades, mostra-se a importância de compreender as restrições de seleção nas sentenças para uma comunicação eficaz.


Em  'definições',  aborda a importância de formular definições claras e corretas, destacando os defeitos mais comuns encontrados nesse tipo de texto. Ele mostra exemplos de definições bem formuladas e ressalta que uma boa definição ajuda a aumentar o vocabulário, eliminar ambiguidades e tornar preciso o uso de palavras vagas. São apresentadas características do que uma boa definição não deve ser, como uma simples enumeração de exemplos, definições circulares, obscuras, amplas, estreitas, figuradas, negativas e atividade de resolução de exercícios sobre definições.


Em 'Distribuição: os constituintes da oração',  aborda a distribuição dos constituintes da oração, destacando a importância da combinação de palavras de acordo com esquemas sintáticos conhecidos intuitivamente pelos falantes da língua. São apresentadas noções como oração bem formada, distribuição e constituinte, ilustradas com exemplos. São propostos exercícios para prática e análise da distribuição dos constituintes em frases, bem como sugestões de atividades e testes para aplicação prática dos conceitos apresentados.


Em 'estrangeirismos', explica que estrangeirismos são palavras ou expressões de outras línguas que são incorporadas ao português ao longo da sua história. Essa influência linguística enriquece a língua, mas também gera polêmicas e debates sobre a preservação do idioma. O uso de estrangeirismos é visto como uma forma de enriquecimento, mas também pode ser considerado um vício de linguagem. Além disso, existem projetos de lei, como o Projeto de Lei No 1676/99, que buscam regular o uso de palavras estrangeiras no Brasil. Argumentos contrários ao uso excessivo de estrangeirismos incluem a proteção da integridade da língua e a valorização do idioma nacional.


Em 'etimologia', o autor esclarece que etimologia é o estudo da origem das palavras e pode ser científica ou popular. A etimologia científica investiga a origem das palavras de forma histórica, mostrando a continuidade entre a forma e o sentido atual das palavras e suas formas mais antigas. Já a etimologia popular é uma prática não científica onde as pessoas modificam as palavras para explicar sua significação. A língua portuguesa no Brasil possui palavras de várias origens, como latina, grega, germânica, árabe, indígena e africana, além de palavras emprestadas de outras línguas ao longo dos séculos. A formação de novas palavras a partir de palavras pré-existentes na língua é um mecanismo importante na evolução da língua. Diversos exercícios são propostos para explorar a etimologia e a formação de palavras.


Em 'flexão nominal',  aborda a flexão nominal, que engloba variações de gênero, número e grau em substantivos e adjetivos. São apresentados exemplos de flexões e atividades para refletir sobre o tema, como a formação do feminino de palavras, o uso de adjetivos no comparativo e superlativo, e a intensificação de adjetivos. Também é discutida a diferença entre o uso genérico e específico do singular em manchetes de jornais.


Em 'Formação de palavras novas e sentidos novos na língua',  discute os principais processos de formação de palavras na língua portuguesa, como a sufixação, a prefixação e a composição. Ele também destaca a criação de novos sentidos para palavras já existentes. São apresentados exemplos de palavras formadas por esses processos, assim como atividades e exercícios para explorar a criação de novas palavras e significados na língua. Além disso, são mencionados neologismos que surgiram nos últimos anos.


Em 'Homonímia',  trata da homonímia, que são palavras que se pronunciam da mesma maneira, mas têm significados distintos. Exemplos dados incluem palavras que pertencem a classes gramaticais diferentes e palavras que se escrevem de maneiras diferentes. Apesar de causar ambiguidade, o contexto geralmente elimina as dúvidas causadas pela homonímia. O texto também apresenta atividades para identificar palavras de duplo sentido e explorar piadas e brincadeiras que utilizam a homonímia. Por fim, inclui um exercício que exemplifica como a interpretação de uma pergunta pode variar de acordo com o sentido de uma palavra.


Em 'Motivação icônica',  discute a motivação icônica na linguagem, que se baseia na relação entre forma e sentido. São apresentados exemplos de como essa motivação é utilizada na comunicação, como na onomatopeia, na ordem do texto e na proximidade das formas. Um experimento realizado por um psicolinguista é descrito para exemplificar como a linguagem pode ser intrinsecamente motivada. São propostos exercícios para explorar a motivação icônica na linguagem, como identificar nomes de pássaros que imitam a voz do próprio pássaro e analisar a representação de diferentes ruídos e sons na linguagem. O texto também discute a distinção entre onomatopeia primária e secundária, citando exemplos de como a linguagem pode ser icônica e simbólica em diferentes idiomas.


Em 'Nexos entre orações',  discute a possibilidade de estabelecer nexos entre orações para compreender melhor o papel das conjunções. Tradicionalmente, orações são descritas na sintaxe do período como coordenação e subordinação. São apresentados exemplos de conversão de orações em elementos substantivos, adjetivos e adjuntos. Além disso, são propostos exercícios práticos para identificar e analisar o uso de conjunções em diferentes contextos.


Em 'números',  aborda a importância dos números na nossa vida cotidiana, especialmente na linguagem. Os diferentes tipos de numerais são discutidos, assim como suas aplicações em diversas construções linguísticas. São propostos exercícios práticos para explorar a relação entre números e palavras, como analisar expressões que contêm numerais, realizar conversões de unidades de medida e refletir sobre o uso de numerais em diferentes contextos. O texto também destaca a presença de antigos numerais em formações linguísticas atuais e aborda a importância de interpretar corretamente informações numéricas em notícias e manchetes.


Em 'As palavras-pro', aborda o uso dos pronomes na língua portuguesa, questionando a ideia tradicional de que os pronomes "substituem" os nomes. Além disso, apresenta exemplos de diferentes usos dos pronomes, como identificar os participantes de um diálogo e funcionar como variáveis matemáticas. O texto também propõe atividades, como analisar diálogos e redigir regulamentos de jogos, que envolvem o uso correto dos pronomes na língua portuguesa.


Em 'Reconhecimento de formas de um mesmo paradigma flexional',  aborda a importância do reconhecimento de formas de um mesmo paradigma flexional, como verbos, substantivos e adjetivos, para fortalecer a noção de paradigma de conjugação. São apresentados exemplos de como identificar essas formas e exercícios para praticar esse reconhecimento, além de reflexões sobre a irregularidade da flexão, a utilização de adjetivos e verbos e a relação entre diferentes formas verbais. Diversos exemplos e atividades são propostos ao longo do texto para exemplificar e aprofundar o tema.


Em 'Polissemia',  aborda o conceito de polissemia, que se refere aos diferentes sentidos que uma mesma palavra pode assumir, tornando-a apta a ser utilizada em diferentes contextos. A polissemia é contrastada com a homonímia, pois para que haja polissemia é preciso que haja uma única palavra, enquanto a homonímia envolve mais de uma palavra. Além das palavras, a polissemia também afeta construções gramaticais. O texto apresenta exemplos de diferentes sentidos da palavra "velar" e propõe exercícios para explorar a diversidade de significados das palavras em diferentes contextos.


Em 'Predicados de predicados; predicados de eventos',  aborda a ideia de predicados de predicados e predicados de eventos, apresentando exemplos e diferentes formas de modificação dos predicados em uma frase. São discutidos também os diferentes tipos de advérbios, locuções adverbiais e verbos que podem ser utilizados para modificar predicados. Por fim, são propostos exercícios relacionados à aplicação dos conceitos discutidos no texto.


Em 'Sinonímia',  aborda a distinção entre substantivos contáveis e não-contáveis e explora o uso eficaz de ambos. Substantivos contáveis designam objetos discretos que podem ser contados no plural, enquanto os não-contáveis designam porções de substância que não são contáveis no plural. São fornecidos exercícios práticos para compreender essa distinção, como identificar palavras contáveis e não-contáveis em textos, completar frases com palavras adequadas do par, entre outros.


Em 'Sufixos', o autor esclarece que sufixos são unidades significativas adicionadas à direita de um radical para formar novas palavras. Existem diversos sufixos na língua portuguesa, como -ismo, -ista, -ando, -ento, -ável, -udo, entre outros. Eles podem ter mais de um sentido e são utilizados para formar palavras de classes específicas. Um exemplo é o sufixo -izar, que forma verbos transitivos a partir de substantivos e adjetivos. Alguns sufixos, como -ismo, -ista, -ável, podem indicar uma opinião negativa em certas palavras. Os sufixos não são aplicados aleatoriamente e cada um se aplica a palavras de uma classe determinada, criando palavras também de classes específicas.


Em 'termos genéricos e termos específicos',  discute a diferença entre termos genéricos e termos específicos, mostrando que os termos genéricos são mais abrangentes, enquanto os termos específicos são mais precisos. Ele exemplifica essa ideia com o uso de hipônimos e menciona a importância de usar termos específicos para fornecer mais informações sobre um objeto. Em seguida, propõe exercícios para praticar a distinção entre termos genéricos e específicos. Além disso, apresenta situações cotidianas em que o uso de termos genéricos pode gerar problemas de comunicação. Por fim, inclui uma anedota e uma questão de vestibular que abordam o tema.


Em 'Variação diastrática e de registro',  aborda a variação diastrática e de registro na linguagem, destacando a convivência de diferentes variedades linguísticas na sociedade brasileira e a influência de fatores como a educação formal e a informalidade da situação de fala. Apresenta características do português substandard, como a tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas, redução de ditongos, trocas de letras e o uso de formas específicas. Além disso, discute a importância do registro na linguagem, que varia conforme a situação de comunicação, como o número de participantes, formalidade, assunto e veículo de comunicação. Também menciona as linguagens próprias de grupos sociais, como gírias e expressões técnicas, e propõe atividades e exercícios para reflexão sobre essas questões.


O livro "Introdução ao estudo do léxico - brincando com as palavras" de Rodolfo Ilari é uma obra completa e essencial para quem deseja compreender de forma profunda a linguagem e o significado das palavras. O autor, com sua vasta experiência na área, conduz os leitores em uma jornada reflexiva sobre diversos aspectos da linguagem, preparando futuros professores de forma crítica e independente. Os capítulos abordam temas como ambiguidade, anglicismos, antonímia, arcaísmo, campos lexicais, incompatibilidades entre partes da sentença, entre outros, proporcionando uma visão abrangente e enriquecedora sobre o léxico. Os exemplos e exercícios propostos ao longo do livro são um grande diferencial, permitindo aos leitores uma compreensão prática e aprofundada dos conceitos apresentados. Em suma, o livro é uma fonte de conhecimento indispensável para quem busca aprimorar sua compreensão e ensino da linguagem de forma eficaz.

Resenha: O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos, de Rodrigo llari e Renato Basso

Foto: Arte digital / Divulgação


APRESENTAÇÃO

O português do Brasil é falado por mais de 170 milhões de pessoas em um imenso território, mas muita gente teima em afirmar que ele não existe, ou, pior, não deveria existir. Ilari e Basso, seguindo uma tradição iniciada nos anos 20 por Mário de Andrade e Amadeu Amaral, oferecem-nos, em O português da gente, um estudo da língua que nós falamos e que pouco a pouco vai conquistando seus direitos. Este é um livro para ler, estudar e discutir, na sala de aula e fora dela.

RESENHA

ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006. p. 151-196.

O livro 'o português da gente' aborda a língua portuguesa falada no Brasil, com o objetivo de apresentar informações sobre sua história, variedades e desmistificar preconceitos. Os autores enfatizam a importância de entender a variabilidade linguística como um fato natural. O conteúdo inclui exposições temáticas, encartes sobre variedades do português e uma cronologia de eventos relevantes para o desenvolvimento da língua no Brasil. O livro não busca impor respostas, mas sim propor boas perguntas para que os leitores possam aprofundar seu conhecimento sobre o assunto. É destinado a estudantes, professores e a todos que se interessam pela língua portuguesa.

O português foi implantado no Brasil pela colonização portuguesa, que começou com o descobrimento da terra por Pedro Álvares Cabral em 1500. As origens da língua remontam ao ano 1000, com a formação da nação portuguesa e o desenvolvimento de uma língua própria. A língua portuguesa deriva do latim vulgar, que foi uma variedade falada do latim romano durante o Império Romano. Os movimentos de Reconquista na Península Ibérica também tiveram influência na diferenciação do português e na expansão da língua para o Brasil. A convivência entre árabes e cristãos também influenciou a língua, resultando em palavras de origem árabe presentes no português. Ao longo dos séculos, a língua portuguesa se desenvolveu e se diferenciou em relação às outras línguas românicas, mantendo sua identidade e riqueza linguística.


Foto: Arte digital / Divulgação



O português chegou ao Brasil no século XVI e se expandiu ao longo dos séculos através da ocupação territorial, incorporando novas regiões ao país. A formação do território nacional foi marcada por ciclos econômicos e movimentos de exploração e colonização. A expansão territorial do português resultou na formação do maior país de língua portuguesa em extensão territorial e número de falantes. O processo de ocupação foi feito por um português marcado por influências de línguas indígenas e africanas, resultando na difusão de línguas como o nheengatu. As disputas territoriais na região sul do Brasil e mudanças de mãos de cidades e regiões resultaram em situações linguísticas complexas. O Tratado de Madri dividiu a região dos rios Uruguai e Prata entre Portugal e Espanha, culminando nas Guerras Guaraníticas. Na Amazônia, a aquisição do Acre foi marcada pela construção da ferrovia Madeira-Mamoré, envolvendo trabalhadores de diversas origens linguísticas.

O autor também discute algumas características do português brasileiro, destacando diferenças em relação ao português europeu. Aponta que o português do Brasil é considerado uma "língua mais antiga" do que o português europeu, através de análises filológicas. O texto também aborda a influência de diferentes pronúncias e construções sintáticas, além de características fonéticas e fonológicas específicas do português brasileiro. Também explora as flexões dos verbos e dos nomes na língua, apontando diferenciações em relação às demais línguas românicas e a presença de algumas irregularidades linguísticas.

O capítulo que mais me chamou atenção foi Português do Brasil: a variação que vemos e a variação que esquecemos de ver,  abordando a variação linguística do português do Brasil, destacando a existência de nacionalismo na afirmação da uniformidade da língua, mas ressaltando que a variação é um fenômeno normal. São apresentadas as variações diacrônica, diatópica e diastrática da língua, enfatizando que o português brasileiro não é uniforme. São citados exemplos de variação diatópica do português brasileiro, mostrando a influência das migrações internas no país. Há também a análise de anúncios do século XIX, evidenciando as mudanças linguísticas ao longo do tempo.

Já em Linguística do português e ensino,  aborda a relação entre a linguística do português e o ensino da língua materna, destacando a importância da estandardização e da fixação de uma norma para a estabilidade da língua. Fala-se também sobre a ortografia do português ao longo da história, destacando os processos de evolução e as reformas ortográficas. Além disso, são abordados o papel dos lexicógrafos na fixação da língua, a importância dos dicionários na normatização do vocabulário e a história da lexicologia do português, com destaque para autores brasileiros. É destacada a importância da ortografia, do dicionário e do registro civil das palavras na normalização da língua portuguesa.

Em síntese, o livro aborda a evolução do português, desde sua origem em Portugal até sua chegada ao Brasil, destacando a influência de diferentes povos na formação do português brasileiro. Discute também a coexistência de duas normas linguísticas, a culta e a substandard, e questiona a abordagem da escola em relação a essa última. Destaca a importância de compreender e valorizar a diversidade linguística, além de combater o preconceito linguístico e promover a inclusão social. O livro enfatiza a importância de amar, conhecer e estudar o português brasileiro, buscando compreender sua história e sua diversidade, em vez de simplesmente impor regras e correções. O livro "O Português da Gente" é uma obra extremamente relevante e esclarecedora sobre a língua portuguesa falada no Brasil. Os autores conseguem apresentar de forma clara e acessível informações sobre a história e as variedades linguísticas do português brasileiro, desmistificando preconceitos e enfatizando a importância de compreender a variabilidade linguística como algo natural. Além disso, o livro propõe boas perguntas aos leitores, estimulando o aprofundamento do conhecimento sobre o assunto. Destinado a estudantes, professores e a todos que se interessam pela língua portuguesa, a obra é fundamental para ampliar a compreensão da riqueza linguística do país. Em suma, "O Português da Gente" é uma leitura enriquecedora e esclarecedora, que contribui significativamente para a valorização e o entendimento do português brasileiro.

Resenha: Declaração de amor, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO


Lançado pela Editora Record em 2005, Declaração de amor volta às livrarias nesta nova edição, revista e ampliada, com a seleção dos mais belos poemas de amor de Carlos Drummond de Andrade.


“Que pode uma criatura senão, / entre criaturas, amar?”, pergunta Carlos Drummond de Andrade em um poema desta coletânea, organizada por dois de seus netos, Luis Mauricio Graña Drummond e Pedro Augusto Graña Drummond, e pelo estudioso de sua obra Edmílson Caminha. Aqui, o amor não é tema abstrato, sonho, fantasia, mas atração plena de libido, de desejo, de pulsão de vida. Um dos maiores nomes da literatura mundial no século XX, o poeta não derrapa na pieguice, no melodrama, no apelo à emoção, mas cria versos que encantam o leitor pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Muitas vezes, também pela delicadeza e o senso de humor.


Lançado pela Editora Record em 2005, Declaração de amor volta às livrarias nesta nova edição, revista e ampliada, com capa dura, a que se acrescentam seis poemas do livro Poesia errante: “A essa altura da vida”, “Amor – eu digo”, “Canção de namorados”, “Nossa história de amor”, “Papinho lírico no Dia dos Namorados” e “Quero sentir”. Declarações amorosas que nos fazem concordar com Drummond, quando escreveu: “Amor é primo da morte, / e da morte vencedor, / por mais que o matem (e matam) / a cada instante de amor.”


Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Poeta, contista e cronista, considerado um dos maiores nomes da poesia brasileira do século XX, foi autor, entre outros, de Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, Claro enigma, Fazendeiro do ar e Fala, amendoeira. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1987, aos 84 anos.


RESENHA


Declaração de Amor, relançado em edição revista e ampliada, reúne os mais belos poemas de amor de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores nomes da literatura mundial do século XX. Através da cuidadosa seleção de seus netos e do estudioso Edmílson Caminha, esta coletânea oferece um panorama comovente da visão única de Drummond sobre o amor.


Longe de ser um tema abstrato ou idealizado, o amor em Declaração de Amor é pulsante, carnal e cheio de vida. Drummond não se furta de explorar a paixão em toda sua intensidade, com versos que celebram a atração física, o desejo e a pulsão vital. Ao mesmo tempo, o poeta demonstra maestria na construção de poemas que encantam pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Em alguns momentos, encontramos delicadeza e humor, enquanto em outros, a paixão se manifesta com toda sua força e intensidade.


Em "Amar", Carlos Drummond de Andrade nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza complexa e multifacetada do amor. Através de versos densos e carregados de simbolismo, o poeta explora as diversas formas que o amor pode assumir, desde a sua expressão mais pura até a sua faceta mais obscura. O poema abre com uma pergunta contundente: "Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?". Essa indagação estabelece o amor como o elemento central da existência humana, algo que nos conecta uns aos outros e define a nossa essência.



Drummond não se limita a uma definição simplista do amor. Ele explora as suas diversas nuances, desde a entrega total ("amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar?") até a contemplação platônica ("amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante"). O poeta também reconhece a faceta dolorosa do amor, marcada pela perda e pela finitude. A imagem do mar que "traz à praia" e "sepulte" é uma metáfora poderosa para a efemeridade da vida e do amor. Essa dualidade se manifesta ainda na frase "Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas". O amor, em sua imensidão, pode ser direcionado tanto para objetos que o retribuem ("coisas pérfidas ou nulas") quanto para aqueles que o ignoram ou o rejeitam.


Apesar da dor e da ingratidão, o eu lírico reconhece a necessidade humana de amar, mesmo que isso signifique doar-se a algo que não nos retribui. A "procura medrosa, paciente, de mais e mais amor" revela a busca incessante por um amor que preencha o vazio existencial.


Em "Ausência", Carlos Drummond de Andrade nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza do amor e a ilusão da busca pela sua plenitude. Através de versos simples e carregados de simbolismo, o poeta explora a frustração e a solidão do eu lírico diante da ausência do amor. O poema se inicia com a imagem do eu lírico subindo ao "Pico do Amor", acreditando encontrar lá a presença do sentimento tão almejado. A expectativa de encontrar o amor no topo da montanha reflete a crença humana na existência de um lugar ideal onde a felicidade e a plenitude residem. No entanto, ao chegar ao topo, o eu lírico se depara com a "serenidade de nuvens sussurrando ao coração: Que importa?". Essa frase revela a decepção e o vazio diante da ausência do amor. O pico, símbolo da busca pelo ideal, se torna um lugar de questionamentos e dúvidas.


O eu lírico então especula sobre a possibilidade de encontrar o amor em outros lugares, como em uma "lagoa decerto" ou em uma "grota funda". Essa busca por lugares próximos, mas ainda inacessíveis, representa a esperança do eu lírico em encontrar o amor em lugares inesperados. No entanto, a última estrofe traz a negação final: "Ou? mais encoberto ainda, onde se refugiam coisas que não são, e tremem de vir a ser.". Essa frase sugere que o amor que o eu lírico busca pode ser algo ilusório, algo que não existe na realidade e que apenas "treme de vir a ser".O poema termina com uma sensação de incerteza e inconclusão. O eu lírico fica sem saber onde encontrar o amor, ou se ele realmente existe. Essa ausência de respostas pode ser interpretada como um convite à aceitação da realidade e à superação da busca incessante por um ideal inatingível.


Em "Toada do Amor", Carlos Drummond de Andrade tece uma canção poética sobre a natureza cíclica e passional do amor, utilizando uma linguagem simples e direta, marcada por expressões coloquiais e imagens vívidas. O poema nos convida a refletir sobre a complexa relação entre amor, briga, perdão e a própria essência da vida. Os versos iniciais estabelecem o tom do poema: "E o amor sempre nessa toada: briga perdoa perdoa briga." Essa repetição cria um ritmo musical e enfatiza a natureza cíclica do amor, marcado por momentos de conflito e reconciliação.




O eu lírico reconhece a inutilidade de "xingar a vida", pois, apesar das dificuldades, a vida segue seu curso e a gente "vive, depois esquece." No entanto, o amor se diferencia dessa fluidez natural, retornando constantemente para "brigar" e "perdoar", como um "cachorro bandido trem". A metáfora "amor cachorro bandido trem" evoca a imagem de um animal selvagem e imprevisível, simbolizando a paixão e a intensidade do amor. Essa paixão, por vezes turbulenta, leva à "briga", mas também abre espaço para o "perdão", demonstrando a capacidade do amor de superar conflitos e se renovar. O eu lírico questiona: "Mas, se não fosse ele, também que graça que a vida tinha?". Essa pergunta revela a importância do amor como elemento fundamental da existência humana. Mesmo com suas contradições e desafios, o amor é visto como algo que dá sentido à vida, que a torna mais rica e intensa.


Na última estrofe, o eu lírico se dirige à "Mariquita" e pede o seu "pito", afirmando que "no teu pito está o infinito." Essa imagem simbólica pode ser interpretada de diversas maneiras, desde uma referência à sexualidade até uma metáfora para a própria vida, com suas possibilidades infinitas.


Em "Receita para não engordar sem necessidade de ingerir arroz integral e chá de jasmim", Carlos Drummond de Andrade nos convida a um banquete poético, onde o amor se torna o ingrediente principal para uma vida plena e livre de preocupações com dietas restritivas. Através de versos singelos e carregados de humor, o poeta nos oferece uma receita inusitada e deliciosa para alcançar a felicidade. O poema se apresenta como uma "receita", subvertendo a expectativa do leitor e convidando-o a pensar de forma diferente sobre os conceitos de dieta e bem-estar. O "regime sensacional" proposto por Drummond não se baseia em restrições alimentares, mas sim em uma prática constante e integral do amor.



A metáfora do "amor integral" é central para a compreensão do poema. O amor, em sua forma mais completa e plena, é apresentado como o alimento essencial para a alma, nutrindo-a e proporcionando-lhe a energia necessária para viver com alegria e vitalidade. Drummond nos convida a "praticar o amor integral" desde a "aurora matinal até a hora em que o mocho espia", sugerindo que o amor deve permear cada momento da nossa existência. Essa prática constante nos permite aproveitar ao máximo a vida, abraçando-a em toda a sua plenitude e efemeridade. O poema nos convida a abandonarmos as preocupações com dietas e a buscarmos a felicidade em experiências autênticas e significativas. O "arroz integral" e o "chá de jasmim", símbolos de regimes alimentares restritivos, são deixados de lado em favor de um amor que nos liberta da obsessão com o corpo e nos permite viver com mais leveza e liberdade.


A frase "Pois a vida é um sonho e, se tudo é pó, que seja pó de amor integral" nos convida a refletir sobre a finitude da vida e a importância de aproveitarmos cada momento ao máximo. O amor, em sua forma mais pura, nos permite transcender a efemeridade da existência e deixar um rastro de beleza e significado no mundo.


Em "O Chão é Cama", Carlos Drummond de Andrade nos convida a mergulhar na intensidade de um amor arrebatador que transcende os limites do convencional. Através de versos curtos e linguagem direta, o poeta celebra a urgência da paixão e a busca por refúgio no corpo do outro. O poema abre com a contundente afirmação: "O chão é cama para o amor urgente". Essa frase estabelece o tom da obra, caracterizado pela urgência, pela pulsão e pela impossibilidade de adiamentos. O amor em questão não se contenta com a espera, ele exige expressão imediata, mesmo que isso signifique prescindir do conforto e da privacidade de um quarto.


Drummond não se furta de explorar a paixão em toda sua intensidade, com versos que celebram a atração física, o desejo e a pulsão vital.  Ao mesmo tempo, o poeta demonstra maestria na construção de poemas que encantam pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Em alguns momentos encontramos delicadeza e humor, enquanto em outros, a paixão se manifesta com toda sua força e intensidade. Em suma, "Declaração de Amor" é uma obra-prima da poesia brasileira, que nos convida a uma jornada profunda e emocionante pelo universo complexo e multifacetado do amor, em todas as suas manifestações.

Resenha: Contos de aprendiz, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Nascido em uma região rural, Drummond incorpora essa experiência em muitas dessas quinze histórias, a exemplo de “A salvação da alma”, em que a infância e a adolescência de cinco irmãos são atravessadas pelo clima bucólico e ingênuo do interior do país na primeira metade do século XX, e “O sorvete”, no qual dois meninos enfrentam o dilema de experimentar ou não pela primeira vez uma até então desconhecida iguaria.

Aos poucos, as histórias avançam em direção às grandes cidades, mostrando sua lenta transformação. O talento de Drummond para a clareza e a elegância narrativa colabora para a construção psicológica de seus personagens. Na longa narrativa tchekhoviana “O gerente”, o autor vai aos poucos construindo (e desconstruindo) o protagonista Samuel, um bancário que frequenta o jet set carioca e é acusado de um crime bizarro, sendo por isso apelidado pelos jornais de “o Vampiro dos Salões”. Drummond cadencia as revelações e deixa o leitor “espiar” os acontecimentos, ao mesmo tempo que mostra a complexidade de “pessoas comuns”.


RESENHA


O livro "Contos de Aprendiz" de Carlos Drummond de Andrade apresenta uma série de narrativas que exploram temas como a infância, a vida interiorana, as relações familiares e sociais, e o cotidiano de forma geral. Através de contos curtos e objetivos, o autor consegue capturar a essência das situações descritas, levando o leitor a refletir sobre questões profundas e muitas vezes perturbadoras. Em cada conto, Drummond apresenta personagens complexos, muitas vezes confrontados com dilemas morais, sociais e existenciais. A narrativa muitas vezes aborda temas como a solidão, o medo, a morte, a busca por aceitação, a relação com o outro e a própria identidade. Além disso, o autor utiliza uma linguagem simples e direta, mas carregada de significados e simbolismos, o que enriquece a leitura e convida à reflexão.


A variedade de temas abordados nos contos de Drummond mostra a versatilidade e a profundidade do autor, que consegue transitar com maestria por diferentes gêneros e estilos literários. Sua capacidade de criar personagens marcantes e situações impactantes é uma das marcas registradas de sua obra, e em "Contos de Aprendiz" isso não é diferente. 


A salvação da alma: A história narra a relação conturbada entre cinco irmãos em uma cidade onde as brigas eram comuns. Com a partida do irmão mais velho, Miguel, os outros irmãos se viram sozinhos e continuaram com os conflitos entre si. Ester, a única filha, era explorada pelos irmãos para conseguir dinheiro. Com a chegada dos padres, os meninos foram levados para se confessar e Tito, o penúltimo filho, pediu perdão ao irmão mais novo com quem brigava constantemente. No entanto, após um incidente durante a punição, os irmãos não puderam comungar no dia seguinte.


Sorvete: Joel e seu colega moravam em uma pequena cidade e ficaram impressionados ao ver um anúncio de sorvete de abacaxi em uma confeitaria. Eles inicialmente foram ao cinema, mas não conseguiram se concentrar pensando no sorvete. Abandonaram o filme e foram experimentar o sorvete, mesmo odiando. Joel comeu até o fim para não ferir a honra da família, e seu amigo foi obrigado a fazer o mesmo.


A doida: Um grupo de crianças na cidade tem medo de uma mulher considerada louca, que vive isolada em uma casa. Um dia, eles tentam assustá-la, mas um dos meninos acaba descobrindo que ela está muito doente e decide ficar com ela até o final de sua vida.


Presépio: Das Dores era uma jovem ocupada com tarefas dadas pelo pai para que ela não ficasse ociosa. Mesmo assim, ela tinha um namorado chamado Abelardo. Na véspera de Natal, Abelardo foi visitá-la, atrasando a finalização do presépio, tarefa que apenas Das Dores sabia fazer corretamente. Ela estava dividida entre terminar o presépio e ir à missa de galo para ver Abelardo. Enquanto montava o presépio, só pensava nele, mesmo com várias distrações e a pressão do tempo passando rápido.


Câmara e cadeia: Valdemar estava na Câmara Municipal onde todos os homens discutiam sobre impostos, mas apenas ele estava trabalhando. Enquanto o calor abafava a sala, Valdemar foi até a janela e lembrou-se da cadeia que ficava embaixo da câmara. De repente, um preso fugido entrou na sala dos homens, contando sobre a sua fuga e as condições horríveis da cadeia. Valdemar tentou prendê-lo novamente, mas o preso acabou fugindo enquanto os policiais tentavam capturá-lo.


Beira rio: As terras da companhia lideradas pelo capitão Bonerges proibiam bebidas alcoólicas, o que deixava os trabalhadores desanimados. Um negro que vendia bebidas clandestinamente trouxe animação e disposição para o trabalho, mas foi expulso por Bonerges com a ajuda da polícia. Mesmo após ter sua vendinha destruída, o negro partiu calmamente, apesar dos tiros.


Meu companheiro: O homem na estrada pagou mais do que o necessário por um cachorrinho que não passava de um vira-lata, mas tinha traços de cães de raça. Levou-o para casa e o nomeou Pirulito. Sua esposa não era muito fã de animais de estimação, mas o cachorro se aproximava mais do homem, que se tornou seu companheiro. Os dois conversavam e tinham uma conexão especial, apesar dos meninos implicarem que o cachorro gostava de gente "velha". Um dia, Pirulito desapareceu, deixando o homem triste e sem entender o motivo de seu amigo ter ido embora.


Flor, telefone e moça: Uma moça vivia ao lado de um cemitério e arrancou uma flor do chão, lançando-a fora sem pensar. Logo depois, começou a receber ligações de uma voz suplicante pedindo a flor de volta. Mesmo com a ajuda policial, a voz persistia, levando a família a buscar ajuda espiritual. A voz continuou até que a menina, perturbada, faleceu.


A baronesa: Luis vivia na casa da rica baronesa há muito tempo, mas só a viu algumas vezes. Quando ela morreu, correu para buscar Renato, o sobrinho-neto, e juntos foram até a casa da baronesa em busca de suas jóias. Renato pegou um colar que sobrara do corpo da baronesa, incomodando sua posição de morte, e depois eles fizeram a partilha justa das jóias no banheiro.


O gerente: Samuel, o gerente bem-sucedido do banco, vive uma série de incidentes estranhos que envolvem mulheres perdendo a ponta dos dedos após serem cumprimentadas por ele. Apesar de ser acusado, a polícia não encontra provas contra ele, e ele é afastado do banco e vai morar em São Paulo. Anos depois, encontra uma das vítimas que teve que amputar o braço devido a uma infecção. Eles se encontram novamente, mas apenas bebem muito e no dia seguinte Samuel volta a São Paulo sem concluir seus negócios no Rio.


Nossa amiga: Uma menina de três anos vivia entre duas casas e para evitar a mão bisbilhoteira foi criada a personagem Catarina, uma borboleta "bruxa" que quebrou um cachorrinho de vidro. Também havia o personagem Pepino, um velho bêbado que assustava as crianças. Mesmo com medo, a menina acabava indo de uma casa para outra, sendo enganada com a promessa de uma festa com Pepino. Por fim, ela brincava de mamãe, usando frases de adultos em suas brincadeiras.


Miguel e seu furto: Miguel era um homem simpático, mas sem ocupação na vida. Após perder seu sustento, ele dormia em jornais e teve a ideia de roubar o mar. Com as novas regras impostas, Miguel se tornou incrivelmente rico, queimava sua riqueza para ter onde guardar suas aquisições. Mas, um dia, crianças nadaram no mar e o povo retomou sua posse. Miguel depositou sua fortuna em bancos e passou a colecionar conchinhas para lembrar de sua ex-propriedade.


Conversa de velho com criança: Um homem idoso e uma menina chamada Maria de Lourdes conversam em um ônibus. O homem, chamado Ferreira, descobre o nome da menina sem precisar perguntar, e a menina descobre o nome dele da mesma maneira. A menina traz um pacote de balas que parece ser seu tesouro, enquanto o homem carrega sacolas de compras e está em pé. Quando o cobrador vem cobrar a passagem, o homem tem dificuldade em encontrar a moeda e acaba deixando-a cair na rua, mas não precisa pagar a passagem pois não encontraram a moeda. A menina oferece uma bala ao homem, indicando que são amigos próximos, e o homem percebe que ela fez isso para poder comer também. Ao descerem do ônibus, o homem se questiona se são realmente amigos próximos ou apenas avô e neta que se dão muito bem.


Extraordinária conversa com uma senhora de minhas relações: Um homem tem uma conversa com uma senhora conhecida em um ônibus, onde ele tenta lembrar quem ela é através de sua voz. Eles trocam cumprimentos e ele nota o vestido dela e suas curvas. Ela pergunta como ele está e ele responde com versos, mas depois corrigi para uma resposta mais educada. Ela fala sobre suas preocupações, mas ele está mais preocupado em ultrapassar limites. Quando ela desce do ônibus, ele reflete que foi a conversa mais extraordinária que teve com uma dama de sua relação.


Um escritor nasce e morre: Um escritor talentoso nasce em uma cidade pequena após ouvir sobre o Pólo Norte na escola. Se destaca na escrita desde jovem e é reconhecido pela sua professora. Ele cresce, escreve contos e poesias, sempre se mantendo humilde e criticando outros escritores. Uma voz em sua mente o chama de artista nato. Aos trinta anos, ele falece, deixando um legado de obras literárias.


O livro se chama "Contos de Aprendiz" porque cada uma das histórias apresentadas no livro mostra personagens em processos de aprendizagem e transformação. Os contos exploram as experiências dos personagens, suas relações e conflitos, levando-os a enfrentar dilemas morais, sociais e existenciais. Ao longo das narrativas, os personagens são confrontados com situações que os fazem refletir e crescer, aprendendo lições importantes sobre si mesmos, sobre os outros e sobre o mundo ao seu redor. Dessa forma, o título "Contos de Aprendiz" reflete a jornada de aprendizagem e amadurecimento dos personagens ao longo das narrativas apresentadas no livro.


Em resumo, o livro "Contos de Aprendiz" de Carlos Drummond de Andrade é uma obra que explora de forma criativa e profunda as nuances da vida, os dilemas da existência e as complexidades das relações humanas. Através de narrativas envolventes e personagens cativantes, o autor nos leva a refletir sobre questões essenciais do ser humano e do mundo que nos cerca. A leitura do livro é essencial para quem busca entender melhor a obra de Drummond e se aprofundar em sua visão de mundo e de literatura.

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