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Resenha: Contra o Identitarismo Neoliberal: um Ensaio de Poíesis Crítica Pela Apologia das Artes , de Rubens Russomanno Ricciardi

Foto: Arte digital / Divulgação

APRESENTAÇÃO

A obra é um ensaio de poíesis crítica pela apologia das artes. Trata-se, na filosofia das artes, de uma nova epistemologia voltada às questões da linguagem e da ideologia – ao mesmo tempo hermenêutica e dialética, existencial e crítica. Se, em Marx e Engels, há uma práxis crítica e, na Escola de Frankfurt, uma theoría crítica, com a poíesis crítica pretende-se preencher a lacuna do esquecimento da poíesis e solucionar a confusão entre práxis e poíesis. Definindo a elaboração da obra de linguagem enquanto processo crítico-inventivo, a poíesis não é teórica nem prática. Para a poíesis crítica importa o lógos poético, prosseguindo não apenas os trabalhos iniciados por Heidegger, mas também desde Heráclito e Aristóteles. Com a poíesis crítica se evidencia o abismo que há hoje entre as artes e a indústria da cultura. Os estudos abrangem também as diferenças entre linguagem e comunicação; entre obra de arte e kitsch.

RESENHA

Rubens Russomanno Ricciardi, nascido em 1964, aborda questões urgentes relacionadas ao universo musical em seu ensaio, que incluem política, justiça social, ecossistema, poíesis e práxis. Ele denuncia a ocupação da indústria da cultura nos campos das linguagens artísticas, especialmente na música, e como teorias como a decolonização e o eurocentrismo são usadas para lucrar com o domínio das massas. Russomanno defende a necessidade de colocar a indústria da cultura em seu lugar e destaca a importância de distinguir arte dessa indústria. Ele critica a busca por sucesso imediato por gestores de instituições públicas, que desconsideram os processos civilizatórios que são desenvolvidos a longo prazo e alerta sobre os desastres que concessões no meio do caminho podem causar.

O autor esclarece que a poíesis crítica propõe uma abordagem que integra a questão da linguagem e da ideologia, buscando preencher a lacuna entre práxis e poíesis. O ensaio questiona o eurocentrismo e a decolonialidade, criticando a aversão às artes e à música geradas por ideologias neoliberais. O texto também aborda a crítica ao identitarismo e ao culturalismo, apontando para a influência da indústria da cultura dos EUA e a alienação e coisificação promovidas pelo neoliberalismo. Por fim, a estética, cultura, comunicação e identidade são conceitos vistos como neologismos tardios e extrínsecos à natureza da arte pela poíesis crítica.

Neste ensaio, o autor critica a colonização genocida promovida pela Europa ao longo dos séculos, destacando o racismo, a exploração mercantilista e a perseguição às minorias. Também aborda a resistência aos excessos de alguns grupos identitários neoliberais, que deturpam questões histórico-filosóficas e servem a novas ideologias colonialistas. O autor defende um estudo crítico sobre a eurocentricidade nas artes e a decolonialidade. Além disso, enfatiza a importância da poíesis crítica e da valorização das artes de todos os tempos e lugares, especialmente as brasileiras. Por fim, propõe um maior fomento às artes no Brasil e convida para um estudo conjunto visando uma discussão conceitual alternativa ao culturalismo e à hegemonia neoliberal na indústria da cultura.

Jean-François Lyotard pensou a pós-modernidade a partir da relação entre conhecimento e poder decisório do terror tecnocrata, mas o conceito acabou sendo adotado pela economia e pelas artes. No entanto, a ideia de pós-modernidade não faz sentido nessas áreas, uma vez que o neoliberalismo não representa a superação do capitalismo e a modernidade artística sempre esteve envolta em paradoxos desde suas primeiras gerações. O neologismo de decolonialidade de Aníbal Quijano também foi desvirtuado e acabou prejudicando os estudos de linguagem. Tanto pós-modernidade quanto eurocentrismo e decolonialidade, idealizados na esquerda, se tornaram pautas neoliberais, chegando a afetar a teoria e a subsistência das artes. Na América Latina, a aversão ao eurocentrismo acabou favorecendo a imagem dos EUA, estabelecendo o problema no eurocentrismo em vez do centrismo norte-americano.

O livro aborda a poíesis, que engloba artistas como poetas, arquitetos, coreógrafos, entre outros, e envolve os processos de concepção e produção de obras de arte. Destaca a importância da crítica e invenção na linguagem artística, discute a relação entre Marx, Engels e a ausência do conceito de poíesis, e explora a autonomia dialética da arte. O texto também menciona a importância da mímesis, do distanciamento crítico e da abstração na poíesis, ressaltando a necessidade de preservar a liberdade artística e evitar a alienação. Por fim, aborda conceitos como pólemos em Heráclito, a fusão de horizontes e a valorização da liberdade dentro das restrições na criação artística. A poíesis engloba a composição autoral e o tratamento inventivo do material artístico, enquanto a práxis é o processo hermenêutico de interpretação e execução corporal das fontes da obra. A técnica nas artes é essencial para a constituição da linguagem, representando uma essência ontológica que envolve tanto a poíesis quanto a práxis. O conceito de lógos, originalmente grego e relacionado à linguagem e inteligência, é fundamental para o entendimento das artes representativas, como teatro, dança e música. Heidegger ressalta a importância da alétheia, o desvelamento na linguagem, que diferencia a téchne, arte, da epistéme, conhecimento nas ciências. A distinção entre artista e artesão também é abordada, ressaltando a importância do know-how e do trabalho manual na técnica artística.

O texto discute a diferença entre a poíesis humana e a poíesis da natureza, destacando a monumentalidade da poíesis da phýsis. O autor argumenta que o Homo sapiens, sem sabedoria, se considera um Homo creativus, mas na verdade é um Homo stultus que perturba a natureza. É enfatizada a importância de distinguir entre a criação da natureza e as invenções humanas, assim como a necessidade de humildade e respeito diante da natureza. Além disso, é abordada a questão da relação entre a religião e a destruição da natureza, ressaltando a importância do cuidado com o meio ambiente. Por fim, são propostos quatro desdobramentos para o lógos humano: homologia, lógos filosófico, lógos poético e lógos corpóreo, discutindo a importância da theoría, poíesis e práxis nas artes e na filosofia, destacando a necessidade de uma visão crítica e existencial para compreender a complexidade dos fenômenos. A theoría é essencial para as ciências da natureza e a filosofia, bem como para a poíesis e práxis nas artes. A transformação do mundo depende de um pensamento crítico, da poíesis e do olhar profundo sobre as questões da essência para além da aparência. A poíesis é uma forma de utopia que transforma o mundo, enquanto a práxis política sem poíesis crítica pode levar ao fracasso. A arte e a filosofia radicais são fundamentais para compreender e transformar a realidade. O texto também critica a redução da teoria e da prática, enfatizando a importância da poíesis na criação artística e em outros campos como a engenharia e medicina. O esquecimento da poíesis prejudica não apenas as artes, mas também questões ideológicas e linguísticas, sendo essencial valorizar a invenção e a originalidade nas artes.

O ensaio também aborda questões como identitarismo, homossexualidade, luta pela igualdade social, história da homossexualidade na Alemanha, críticas de Marx e Engels, eurocentrismo, decolonialidade, arte brasileira, vandalismo, inclusão neoliberal, CAPES, ensino, pesquisa, extensão universitária, cultura na universidade, política cultural e autonomia das artes. Enfatiza a importância da pesquisa rigorosa, da crítica à sociedade repressiva, da arte como expressão da condição humana e do desenvolvimento de políticas que promovam a emancipação e a transformação social, concluindo assim, que, a linguagem, portanto, é essencial para a expressão artística, a compreensão crítica e a emancipação do pensamento crítico-existencial na poíesis crítica. Ela transcende a mera comunicação para se tornar a base da obra de arte e da reflexão filosófica, sendo fundamental para a compreensão do mundo e da existência humana.

O autor também aborda a questão do esquecimento da poíesis em Marx e Engels em relação a Max Stirner, destacando a importância da poíesis na produção artística e sua diferença em relação à produção de trabalho. Ele critica a falta de reconhecimento da poíesis na estética, ressaltando a importância da percepção sensorial e da habilidade inventiva na criação artística. O autor também menciona casos de censura identitária na arte, destacando a importância de valorizar a poíesis em vez de priorizar a práxis ou a representatividade em questões artísticas.

O autor reconhece a importância de valorizar a ancestralidade negra e indígena nas artes brasileiras, destacando a luta política e econômica por justiça, igualdade e dignidade. Discute a questão do racismo cotidiano e a importância de combinar raça e classe na luta social. Também aborda a questão do conceito de raça e sua relação com o racismo, defendendo a necessidade de preservar a memória dos artistas pretos e pardos no Brasil, desde o período colonial até os dias atuais. Além disso, questiona a visão deturpada de elitismo cultural por parte de alguns setores, destacando a importância dos projetos sociais e das escolas de música na formação educacional das crianças.

O autor entende que conceito de cultura passou por mudanças significativas desde o Iluminismo, deixando de ser associado apenas à agricultura e se tornando manifestação do intelecto humano. Nos tempos modernos, a cultura é confundida com arte, mas isso prejudica a compreensão da essência da arte. A divisão entre alta e baixa cultura é preconceituosa e não ajuda a compreender as artes. A ideia de cultura se generalizou e prevalece até hoje, mas pode ser prejudicial para as artes. A indústria da cultura, um monstro engendrado pela racionalidade, contribui para a confusão entre cultura e arte. A poíesis crítica busca emancipar as artes dos campos da cultura, comunicação e identidades. Atualmente, a cultura é predominada pelo kitsch e a arte é sufocada por ela. A cultura não pode se confundir com o mundo da vida, e a arte é uma exceção que se distancia crítica das ideologias culturais. Os processos de coisificação e alienação são intensificados pelo capitalismo neoliberal, que lucra com a cultura. A cultura contemporânea, produzida em série, se tornou um espetáculo kitsch do capitalismo predatório, que destrói as inteligências e linguagens humanas.

Nesta obra, expõe-se também que Mario Stoppino e Norberto Bobbio discutem os significados fraco e forte de cultura, fazendo paralelos com a ideologia em Marx e Engels. O significado fraco abrange todas as manifestações humanas, enquanto o forte se concentra na poíesis crítica. A cultura fraca relativiza todas as atividades humanas como arte e filosofia, mas não consegue diferenciá-las. No significado forte, a cultura se restringe ao costume, ao hábito, e à norma, além de buscar a exceção e a singularidade na superação da lógica de um sistema. O texto critica a priorização da indústria da cultura em detrimento das artes, defendendo a liberdade das expressões artísticas e alertando para a alienação causada pela invasão cultural. Estudos culturais devem valorizar a poíesis crítica e a liberdade inventiva das artes, fugindo dos padrões impostos pela indústria da cultura. Os casos de Bach e Beethoven são apresentados como exemplos de artistas que transcendem sua época e se destacam pela qualidade e originalidade de suas obras.

A discussão sobre a aporia entre conservador e progressista na poíesis crítica revela a incoerência e os engodos presentes nesse debate. A delimitação entre conservador e progressista acaba levando a caminhos viciados. A luta por preservar a natureza e a dignidade da vida humana é essencial, mas forçar uma definição simplista entre os dois extremos não reflete a complexidade da realidade. A dicotomia conservador/progressista não é suficiente para entender as nuances ideológicas e políticas em questão. Em meio a críticas à política econômica conservadora e à iconoclastia progressista, é possível perceber a complexidade das relações entre partidos políticos e ideologias. A resistência às invasões culturais e a valorização da poíesis como forma de transcendência são aspectos centrais na reflexão sobre os desafios contemporâneos das artes.

A obra de Rubens Russomanno Ricciardi destaca a importância de compositores como Bach e Mozart, considerados universalmente influentes. Questiona o relativismo cultural da indústria da cultura, que valoriza a diversidade, mas acaba impondo suas próprias ideologias. Discute também a diferença entre arte popular e indústria cultural, e aponta incoerências nas pautas identitárias neoliberais em relação às artes milenares, ressaltando a importância da integridade ontológico-poético-crítica e fazendo críticas a algumas posturas e práticas.

Apesar dos questionamentos e críticas apresentados, a obra de Rubens Russomanno Ricciardi se destaca por abordar questões urgentes e relevantes relacionadas ao universo musical e à indústria da cultura. Sua defesa da importância da poíesis crítica, da valorização das artes de todos os tempos e lugares, e do combate ao eurocentrismo e à colonização genocida são aspectos que merecem destaque. O autor demonstra um profundo conhecimento e reflexão sobre temas complexos como identitarismo, neoliberalismo, racismo e preservação da natureza, apontando para a necessidade de uma visão crítica e existencial para compreender e transformar a realidade. A obra de Rubens Russomanno Ricciardi contribui para ampliar o debate e o entendimento sobre as questões artísticas e culturais da atualidade, estimulando o leitor a refletir e se posicionar diante desses desafios.

Resenha: Luiz Gama Contra o Império: A Luta Pelo Direito no Brasil da Escravidão, de Bruno Rodrigues de Lima

Foto: Arte digital / Divulgação

APRESENTAÇÃO

“Luiz Gama contra o Império” marca um novo estágio nos estudos sobre a trajetória e a obra de Luiz Gama, este personagem tão importante de nossa história, nosso maior advogado, nosso abolicionista primeiro e um dos grandes pensadores da formação social brasileira. Bruno Lima dá corpo e nos permite um mergulho profundo no pensamento de Luiz Gama, mas também nas mazelas e nas possibilidades emancipatórias que fazem parte do Brasil." SILVIO ALMEIDA

"Se a História do Brasil fosse um misterioso quebra-cabeça e estivesse faltando uma de suas peças essenciais, você não levaria muito tempo para perceber que este livro é a peça que faltava." TÂMIS PARRON A Editora Contracorrente tem a satisfação de anunciar o lançamento do livro “Luiz Gama contra o Império: A luta pelo direito no Brasil da Escravidão”, de autoria do pesquisador Bruno Rodrigues de Lima, reconhecidamente o maior especialista na obra de Luiz Gama.

A obra, que nasce clássica, corresponde à versão revista e atualizada da tese de doutorado que o autor defendeu na Faculdade de Direito da Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main e que lhe rendeu o prêmio Walter Kolb de melhor tese de doutorado da Universidade de Frankfurt e a medalha Otto Hahn de destaque científico da Sociedade Max Planck.

RESENHA

A obra ressalta a importância de Luiz Gama como um pensador do Brasil, não apenas como um advogado e abolicionista. Ele foi fundamental na análise da realidade brasileira, criticando suas estruturas políticas e jurídicas. Sua luta pela abolição da escravidão também estava ligada à necessidade de uma mudança política, mostrando que a liberdade dos escravizados dependia da liberdade do país de suas amarras políticas e econômicas. Além disso, Luiz Gama também trouxe a questão africana para a formação do Brasil, sendo um defensor da liberdade dos africanos trazidos à força para o país. O livro "Luiz Gama contra o Império" marca um novo estágio nos estudos sobre Luiz Gama, destacando sua importância como advogado, abolicionista e pensador da formação social brasileira.

O livro é uma versão revista e atualizada da tese de doutorado de Bruno Rodrigues de Lima, defendida em 2022. O trabalho recebeu prêmios e reconhecimento acadêmico. O autor agradece aos professores, ao Instituto Max Planck, colegas acadêmicos, funcionários de arquivos, equipe da editora Contracorrente, amigos e família. Ele também destaca a importância da orientação de seu orientador, Thomas Duve, e do apoio de diversos professores ao longo de sua formação acadêmica.

A obra se inicia narrando os acontecimentos em 1880, quando o juiz Lúcio de Mendonça escreveu o primeiro perfil biográfico do jurista Luiz Gama, destacando a importância do direito na vida e na luta contra a escravidão de Gama. Mendonça sugeriu que a história do jurista deve ser estudada através do direito, e não da política ou do romance. A vida de Gama é marcada por suas atividades como soldado, amanuense, advogado e teórico da sociedade, desenvolvendo uma literatura normativo-pragmática voltada para a produção de liberdade. Seu legado é ressaltado como fundamental para a compreensão da história do direito no Brasil do século XIX, fazendo com que a história do labirinto na literatura ocidental foi reinterpretada por Jorge Luis Borges em 1947 em seu conto "A casa de Astérion", oferecendo uma nova visão do mito do Minotauro. Borges humanizou o monstro, que antes era visto apenas como irracional, trazendo a solidão e o pensamento à sua personagem. Posteriormente, o texto aborda a relação entre o Brasil do século XIX, visto como um labirinto de nações, e a política do contrabando negreiro, que direcionou a entrada de milhões de africanos no país, influenciando a luta pela liberdade dos negros escravizados e libertos. A trajetória de Luiz Gama, nascido na Bahia em meio a essa realidade, é apresentada como um exemplo de resistência e luta por liberdade em um contexto marcado pelo contrabando e pela escravidão.

Na novela Bartleby, o escrevente, o advogado narra a contratação do misterioso Bartleby, que entra para seu escritório como um copista dedicado, mas se recusa a fazer qualquer coisa, respondendo apenas com um "preferiria não fazer". A recusa de Bartleby começa a influenciar os outros personagens, levando-o a perder o emprego e acabar na prisão. O comportamento de Bartleby é interpretado de diversas formas por críticos literários, relacionando-o com a modernidade e a alienação do trabalho. O texto também explora a relação do autor com o direito e a burocracia, destacando a atuação de Luiz Gama na defesa dos direitos dos africanos livres em São Paulo durante o século XIX, mostrando como ele utilizou seu conhecimento normativo para garantir a liberdade dessas pessoas. No entanto, Luiz Gama assumiu o papel de liderança na redação do jornal Radical Paulistano, dedicando-se principalmente a temas jurídicos. Suas crônicas forenses abordavam injustiças e abusos cometidos pelo sistema judiciário, como casos de escravos submetidos a torturas e mortes brutais. Gama utilizava a literatura para denunciar a violência do sistema escravista e a corrupção na administração da justiça, confrontando diretamente juízes e autoridades que permitiam esses abusos. Com uma abordagem crítica e contundente, ele questionava a moralidade e a justiça do Império do Brasil, defendendo a liberdade e os direitos humanos em meio a um cenário de opressão e desigualdade.

Em março de 1872, o jurista Rudolf von Jhering proferiu uma conferência acadêmica em Viena, intitulada "A luta por direito", que teve grande impacto na literatura jurídica de diversos países. Jhering propôs o conceito de "luta" como fundamental para interpretar a história do direito, afirmando que todas as conquistas do direito foram alcançadas através de lutas árduas. Ele mencionou a abolição da escravidão como um exemplo marcante dessa luta pelo direito. Em seguida, o texto aborda a trajetória do jurista Luiz Gama na década de 1870, destacando sua atuação em uma ação judicial na comarca de Santos, envolvendo a partilha do inventário do comendador português Ferreira Neto. Gama solicitou informações sobre os escravos deixados pelo comendador, buscando compreender a situação desses indivíduos e possivelmente garantir-lhes a liberdade. Essa ação judicial foi um dos episódios marcantes da atuação de Gama na defesa dos direitos dos escravizados.

Em fevereiro de 1940, o poeta Paulo da Portela, junto a Cartola e Heitor dos Prazeres, tentou desfilar junto à escola de samba Portela, mas foram impedidos pela diretoria por não estarem trajando as cores da escola. Paulo ficou magoado e se afastou da Portela por nove anos. Após a sua morte, a escola o homenageou diversas vezes, mas a ferida do desentendimento ainda doía. Da mesma forma, Luiz Gama, abolicionista, foi esquecido e seu legado foi distorcido por outros historiadores, como Joaquim Nabuco, que preferiam creditar a liderança a outros. Apesar disso, o povo negro nunca deixou o nome de Paulo da Portela e Luiz Gama caírem no esquecimento, mantendo sua memória viva através da tradição oral, imprensa negra e celebrações anuais. A escola de samba Portela se comprometeu a recontar a história de Luiz Gama em seu desfile.

O estudo apresentado na obra pelo autor é extremamente relevante ao destacar a importância de Luiz Gama como pensador do Brasil, indo além de sua figura como advogado e abolicionista. No entanto, a obra poderia se aprofundar mais na análise do impacto das ideias e ações de Gama na sociedade brasileira da época, bem como em sua relevância para os dias atuais. Além disso, o texto poderia abordar de forma mais crítica as interpretações distorcidas de seu legado por parte de outros historiadores, como Joaquim Nabuco, e ressaltar a importância de preservar e perpetuar a memória de figuras como Luiz Gama na história do Brasil.

[RESENHA #1004] Maria Quitéria de Jesus: uma heroína da independência, de Marianna Teixeira Farias


APRESENTAÇÃO

A Editora Contracorrente, por meio do seu selo infantil Do Contra, tem a alegria de apresentar o primeiro volume da coleção Mulheres Insubmissas: “Maria Quitéria de Jesus: uma heroína da independência”, da autora Marianna Teixeira Farias e ilustrado por Karina Werner. A coleção é coordenada por Patrícia Valim, historiadora dedicada à História das Mulheres e do Brasil, e Valeska Zanello, psicóloga clínica, dedicada aos estudos de gênero e saúde mental das mulheres. Serão 20 volumes contando histórias de mulheres corajosas do nosso país, do passado e do presente, que permaneciam ocultas ou esquecidas pela nossa cultura, principalmente por crianças em idade escolar. A proposta é tirar essas histórias do silenciamento e mostrar ao nosso público infanto-juvenil que o papel das mulheres não é apenas o do matrimônio e da maternidade, mas sim o que elas quiserem.

Maria Quitéria foi uma jovem que desafiou o patriarcado numa época de extrema repressão, para lutar por nosso país nas trincheiras da guerra. Com coragem e força, ela enfrentou o pai e conquistou uma posição de destaque no exército, levando consigo outras mulheres. Maria Quitéria é uma heroína que permanecia oculta nos nossos registros, mas agora conquistará seu espaço no imaginário de nossas crianças através das palavras de Marianna Teixeira Farias e as ilustrações de Karina Werner.

Foto: Detalhes da diagramação da obra / divulgação / Ed. Contracorrente

RESENHA

Publicado pela editora Contracorrente em seu selo infantil do contra, Maria Quitéria de Jesus, de Marianna Teixeiria Farias, constitui parte do catálogo da série de publicações mulheres insubmissas, que tem por finalidade, recontar a história de grandes mulheres que contribuíram para a transformação do cenário brasileiro, sendo, o primeiro livro. Maria Quitéria foi uma heroína que se vestiu de homem para lutar lado a lado do império brasileiro contra o domínio português nas lutas pela Independência do Brasil na Bahia.

 A autora nos conduz por uma história mágica de uma mulher que desejava junto à sua pátria conquistar a independência. Maria vivia com seus pais, Quitéria Maria e Gonçalo viviam em uma região pastosa com os pais.

Maria era criança e gostava do dia, do sol, de correr pela vegetação rasteira. Ajudava os seus pais, Gonçalo e Quitéria Maria, em alguns afazeres do campo, além de brincar com seus irmãos e com alguns animais que ali viviam. 

Desde pequena, Maria Quitéria vislumbrava os animais, o verde, os pastos e a cavalaria, ela sempre dizia a sua mãe sobre sua vontade de montar. Os anos foram passando e a admiração dela pelos campos e pela liberdade nas matas perdurava. Alinhado a este cenário lindo de liberdade, ela enfrentara aos poucos o adoecimento da mãe, que porventura, já não saia mais da cama e não se encontrava mais tão alegre quanto costumava ser. Então, Maria   Quitéria começou a tomar para si os afazeres da casa, até o fatídico dia da morte de sua mãe.

Gonçalo mudou-se com os filhos em uma nova fazenda e começou uma nova vida. Lá, ele casou-se novamente com uma mulher chamada Maria Rosa, que era a favor do tratamento de Maria Quitéria com o lar, contrariando sua vontade de cavalgar e desbravar o mundo. Maria Quitéria então continuou a ser exatamente como era, amante das matas, das cavalarias e da vida. O tempo passou, e os sinais da independência do Brasil irromperam no sítio de Gonçalo com suas filhas. Um soldado, de nome Joaquim,  bateu-lhe a porta para saber dos filhos com idade hábil para o combate, mas ele só possuía filhas mulheres, porém, Maria Quitéria interessou-se de prontidão p-elo assunto em relação à independência do Brasil.

No dia seguinte, antes do amanhecer, Maria Quitéria fugiu montada em um cavalo para casa de sua irmã Teresa [...] Alistou-se como soldado Medeiros, e como previsto, ninguém a reconheceu por detrás do disfarce. Passadas algumas semanas, Maria Quitéria foi promovida da artilharia para a infantaria, pois todos admiravam suas habilidades no manejo de armas de fogo.

O resto da história é conhecido, Maria participa da vitória da independência do Brasil contra Portugal e retoma para casa, sendo recebida de braços abertos pelo pai. A história desta heroína é linda e completamente inspiradora, Maria Quitéria foi e sempre continuará à ser um ícone na luta pela liberdade, um nome que será para sempre lembrado. Essa edição primorosa da editora Contracorrente só somou em qualidade literária para a narrativa da vida desta mulher espetacular.

[RESENHA #1003] Crimes federais, org Nino Oliveira Toldo & Fernando Hideo Iochida Lacerda

O livro "Crimes Federais", organizado por Nino Oliveira Toldo & Fernando Hideo Iochida Lacerda, é uma coletânea de artigos que abordam de forma profunda e abrangente temas relacionados à competência criminal da Justiça Federal. Com capítulos escritos por renomados especialistas, a obra explora questões como execução penal, organização criminosa, crimes de descaminho e contrabando, lavagem de dinheiro, entre outros. Além disso, o livro traz reflexões sobre a dosimetria da pena, tráfico internacional de cocaína, estelionato e acordos de não persecução penal. Com um prefácio do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Reynaldo Soares da Fonseca, "Crimes Federais" promete se tornar uma referência indispensável para aqueles que desejam aprofundar seus conhecimentos sobre o sistema judicial brasileiro.


A obra Crimes federais é uma antologia de artigos organizados por Nino Oliveira Toldo & Fernando Hideo Iochida Lacerda, publicado pela editora Contracorrente. A obra se desdobra a desvencilhar através de nomes poderosos do direito - Alessandro Diaferia, Bruno Cezar da Cunha Texeira, Carolline Scofield Amaral, Isac Costa, José Eduardo Leonel, José Marcos Lunardelli, Louise Vilela Leite Filgueiras, Flávio Oliveira Lucas, Fernando Marcelo Mendes, Fernando Hideo Iochida Lacerda, Nino Oliveira Toldo, Fausto Martins de Sanctis, Flávia Serizawa e Silva, Marcelo Costenaro Cavali, Raecler Baldresca, Raquel Coelho Dal Rio Silveira, Renata Andrade Lotufo, Roberto Lemos dos Santos Filho, Rogério Volpati Polezze, Valéria Caldi Magalhães e Walter Nunes da Silva Junior - as questões ligadas aos crimes federais - os cometidos contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, nos casos previstos em lei - em face da globalização externalizando e potencializando o alcance dos crimes em níveis micro e macro no sistema brasileiro, como forma de se reflexão acerca das facetas negativas advindas do fenômeno tais como a xenofobia, a crise migratória, aumento da desigualdade econômica, dentre outros, levando em consideração a codificação penal e processual em face da complexidade do sistema criminal brasileiro. Trata-se portanto, não somente de uma obra de cunho jurídico, mas de um conglomerado de artigos que visam transformar a visão do leitor acerca das competências jurídicas e do tratamento abordado e trabalho nos crimes de caráter federal na esfera jurídica e seus impactos no social, traçando os elementos necessários para para o desenvolvimento da competência criminal da Justiça Federal no Brasil.


O primeiro texto, de Alessandro Diaferia, é um ensaio acerca da execução penal na justiça federal no estado de São Paulo, como os crimes são identificados e processados durante o enquadramento no artigo 109 da Constituição Federal. Já o capítulo dois, de Bruno César da Cunha Teixeira, examina a preocupação dos Estados em relação ao crime organizado e suas facetas. Teixeira argumenta como se dão as construções sociais das facções criminosas, seus desdobramentos e os enquadramentos possíveis na constituição brasileira em um ensaio primoroso e esclarecedor. Já no terceiro capítulo, de Carolline Scofield Amaral, o texto se desdobra à esclarecer os crimes de contrabando em terras brasileiras na forma da ausência de taxação alfandegária em relação as compras que penetram o sistema aduaneiro brasileiro por meio de manobras de isenção de compras oriundas de compras no estrangeiro. Amaral ainda traz luz não apenas explicando técnicas e procedimentos de identificação de irregularidades, mas também acerca das medidas adotadas pela constituição para mitigação dos impactos e as devidas medidas regulamentações cabíveis no ato de interceptação de produtos não declarados.


No capítulo quatro, o autor, Fausto Martins Sanctis, se desdobra à desvencilhar as manobras atuais do crime de lavagem de dinheiro, analisando os novos desdobramentos elencados pela ineficácia da ação pública em relação a interceptação da problemática que, como descrito, possuem uma atividade de difícil interpretação. O texto ainda fornece caminhos e percursos metodológicos de ações que podem tornar a ação pública mais eficaz para o enquadramento da lavagem de dinheiro de forma mais eficaz.


No quinto capítulo, elaborado por Isac Costa, Fernando Hideo Ochida Lacerda e Fernando Marcelo Mendes, elenca os principais fatores que complicam a ação pública do gerenciamento de ativos virtuais no mundo contemporâneo, em relação à pirâmides financeiras, bitcoin e demais moedas de negociação e transferência digital. Já o sexto capítulo, escrito por José Eduardo Leonel, se desdobra na explicação da apropriação indébita previdenciária, na evolução da inversão de posse de domínio.


O livro "Crimes Federais" é uma obra imprescindível para quem deseja aprofundar seus conhecimentos sobre o sistema judicial brasileiro. Com capítulos escritos por renomados especialistas, o livro aborda de forma profunda e abrangente temas relacionados à competência criminal da Justiça Federal, proporcionando uma leitura enriquecedora e esclarecedora sobre questões como execução penal, organização criminosa, crimes de descaminho, lavagem de dinheiro e muito mais. Além disso, a presença de um prefácio do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Reynaldo Soares da Fonseca, confere ainda mais credibilidade e relevância à obra. Sem dúvidas, "Crimes Federais" se destaca como uma referência importante no cenário jurídico nacional.

Uma palavra para definir a repulsa: aporofobia


Desde 1992, 17 de outubro é o Dia Internacional para a Eliminação da Pobreza, que confirma a derrota da pobreza. A redução da pobreza faz parte da Agenda 2030 da ONU, que inclui 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Adela Cortina, uma renomada filósofa, cunhou o termo "aporofobia" para descrever a obsessão e o medo dos pobres. A palavra foi reconhecida e incluída no dicionário oficial da língua espanhola. A aporofobia refere-se à violência e discriminação contra os pobres, e Cortina defende a necessidade de educação e compaixão para superar essa realidade. Ela explora também a relação entre biologia e filosofia na bioética, enfatizando a importância de uma ética comum para o uso responsável dos avanços biomédicos. No geral, Cortina argumenta que é necessário promover uma cultura de igualdade e compaixão para combater a aporofobia e alcançar uma sociedade mais justa e inclusiva.

No capítulo anterior, a abordagem foi direto ao problema, Adela Cortina  revela o direito do indivíduo como autor da obra enquanto comunidade, com base em referências a, entre outros, os filósofos gregos, Adam Smith, Immanuel Kant, Amartya Sen. E, novamente, ele aponta, é uma questão de educação, estendendo a responsabilidade às famílias, à mídia, avaliando a distribuição e o crescimento econômico. Trata-se de ultrapassar os “[s] de efeito contratual” (CORTINA, 2020, pág. 174. Os parênteses são meus.), dos acordos que os acompanham, não ajudando “os que estão fora do jogo. troca” (CORTINA, 2020, p. .174). Por tal, [...] ética da boa razão,[...] sabendo da importância dos acordos para a vida política, econômica e social[...mostra] uma forma de responsabilidade do outro humano [enraizado] na aliança. A solidariedade daqueles que se veem como iguais, como seres humanos dotados de dignidade, não só de valor, como pessoas vulneráveis ​​que precisam de justiça, mas também de cuidado e compaixão. (CORTINA, 2020, pp. 174-175.

Como a luz no fim do túnel, a conclusão deste livro oferece a "Hospitalidade Internacional" do futuro. Para ser melhor, concorde em construir uma sociedade internacional. Em suas propostas, como políticas de acolhimento e integração (CORTINA, 2020, p. 195), visa distanciar-se de ideais e utopias. Além disso, para avançar na Agenda 2030, ele acredita que "é necessária uma governança global, em um país democrático ou em uma coalizão de nações, mas o ponto principal é a hospitalidade universal, que pode fazer do mundo um lar comum para todos, como um dever de justiça". (CORTINA, 2020, página 197).

Jessé Souza (na contracapa e no prefácio) menciona que "quase metade da humanidade" vive a pobreza, e que "entender as razões de discriminar os excluídos e os excluídos para serem marginalizados é entender porque não podemos nos colocar, forçosamente, autenticamente e com compromisso, no lugar mais vulnerável e vulnerável de todos.” Porém, se segundo Alysson Leandro Mascaro (na segunda orelha), os pobres, “um importante indicador da estrutura social”, são a “cola da exploração" (e deveria ser o "primeiro objeto de crítica" das "formas capitalistas de sociedade")." ), talvez o problema não seja a incapacidade de colocá-las "com força, honestidade e devoção, no lugar dos outros", mas sim, para criar e manter, este "outro" (mais precisamente visível para quem quer ver, não morto por pedra, fogo, fome, frio, ...).

Dada a abrangência do modelo, uma sociedade inclusiva é possível. Ensinar é uma forma de proteger a dignidade de todas as pessoas. É um processo institucionalizado (lei) que promove um tipo de democracia que permite aos cidadãos vivenciar a hospitalidade internacional. O objetivo é atualizar como a socialização funciona usando a plasticidade e o impacto social do cérebro humano. Um senso de moralidade e responsabilidade moral, do indivíduo, é a cura, não apenas para aporofobia.

Agora que isso foi dito, o ódio aos pobres entra na consciência, no diálogo, na crítica e no confronto. Tal como acontece com outras "fobias" (e outras formas de discriminação), é importante reconhecer que temos medo para continuar a atender à necessidade de mudança social e cultural, para evitá-los. É pela assimetria, alto e baixo, baseada no ódio, na negação da dignidade humana, que persistem as patologias sociais.

No caso do Brasil, é a crença do filósofo no processo educacional, vale lembrar que estamos comemorando o centenário de nascimento do nosso professor Paulo Freire, em 2021. os presos, presos escravizados e mortos, e os nativos locais, também capturados, escravizados e mortos, a pobreza aqui tem muito a ver com raça. Os resultados do processo de projeto colonial ainda são consistentes com a realidade atual. Vivemos tempos de “expurgo” dos doadores para a educação, conforme refletido no plano de governo do presidente eleito do partido republicano.

Sabendo que além da natureza do dinheiro, como “condutor”, “sem gosto e sem cor” (SIMMEL, 2005, p.25), “ninguém pode dar nada em troca” (CORTINA, 2020, p. 29). Mas a raça superior branca está disposta a "quebrar o acordo" (WERNEK, 2020, pp. 138; PIRES, 2020, p. 141)? "Ao perder o poder especial do clube humano" (PIRES, 2020, 142.)

“A pobreza é evitável” (CORTINA, 2020, p.153). Essa é a garantia, desejo e recomendação de Adela Cortina. Num contexto ético e político, pensar de forma mais ampla, discutir o desenvolvimento humano proporciona tecnologia e desumanização. Das causas às dificuldades de combate, quando terminamos de ler o livro, somos impelidos a agir. Seu debate é atual, especialmente diante da atual situação da pandemia. Para qualquer pessoa interessada no tema, seja você um especialista no assunto ou não.

Compre o livro no site oficial da editora Contracorrente:

https://www.editoracontracorrente.com.br/product/aporofobia-a-aversao-ao-pobre-um-desafio-para-a-democracia



Autor:
Adela Cortina
Ano:
2020
Tradutor:
Daniel Fabre
1ª Edição
Encadernação:
Brochura
ISBN:
9786588470084
páginas:
180
Dimensões:
16
cm
×
1.8
cm
×
23
cm
Peso:
260
g

"Mulheres Insubmissas": coleção de livros infantis conta histórias de importantes brasileiras

Reportagem escrita por Vânia Dias e publicado pelo portal Brasil de Fato, no dia 20 de junho de 2023. Confira aqui.


O apagamento da luta das mulheres na história motiva a coleção de livros infantis "Mulheres Insubmissas". Ao todo, 20 volumes vão contar histórias de personalidades brasileiras importantes. Mulheres do passado e do presente que permaneciam ocultas ou esquecidas da vida cultural das pessoas, principalmente das crianças em idade escolar. A proposta é tirar essas histórias do silenciamento e mostrar ao público infanto-juvenil que o lugar das mulheres é onde elas quiserem. “A coleção é para uma infância grande, a partir de 10 anos. E nasce do encontro de profundos incômodos. Como historiadora, me incomoda até hoje, esse silenciamento histórico das várias formas de apagamento das mulheres na história brasileira”, declara Patrícia Valim, pesquisadora e professora de História da Bahia do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação da UFBA, uma das coordenadoras do projeto, ao lado professora Valeska Zanello, da Universidade de Brasília (UNB). Ao reconhecer a invisibilidade ideológica das mulheres que acontece na sociedade e também na academia, Patrícia indica que isso se dá não por ausência de fontes, mas porque durante muito tempo foram os homens que, predominantemente, fizeram as perguntas e a escrita da história. “Só muito recentemente que a gente tem uma paridade na narrativa e na produção da história dentro do Brasil. E, ainda assim, nos órgãos de pesquisas, isso não ocorre, o que inviabiliza alguns estudos”, declara Valim.

Ela afirma que, durante séculos e gerações, as meninas nascem, são criadas e pensadas, essencialmente, em razão de dois dispositivos, o materno e o amoroso, como se não houvesse outras possibilidades identitárias para essas meninas, adolescentes e depois mulheres adultas e mais velhas. Provocadas por essa percepção, Patrícia Valim e Valeska Zanello tentam percorrer outros caminhos para valorizar novas interpretações de mundo. “A gente resolveu juntar e somar os nossos encontros. A primeira etapa desse projeto resultou num curso que durou dois meses e meio, no qual testamos o nosso argumento para escolha das 20 mulheres. Em cada aula, nós apresentávamos discussões acerca de duas delas e, a partir dessa experiência, a gente começou a definir os critérios de escolha” Patrícia Valim. O projeto tem um cuidado especial com a diversidade regional e busca contemplar lugares de fala e de experiências distintas. “São mulheres brasileiras. Nordestinas, das regiões norte, centro-oeste, sul e sudeste. A gente tem esse cuidado de preservar e de garantir uma diversidade regional grande. A gente teve o cuidado também de pensar mulheres trans, negras, indígenas, brancas, mulheres cis, mulheres hetero, mulheres bissexuais, homossexuais, já reconhecidas e até mulheres desconhecidas”, destaca a pesquisadora. A opção metodológica busca identificar e reconhecer a riqueza de histórias cotidianas e comuns. A exemplo de uma mulher baiana, de Jequié, do início do século XX. “Ela cria o seu próprio bando no cangaço. Por uma disputa entre famílias na região, parte da sua família foi assassinada, só tinha sobrado a Anésia Cauaçu. Portanto, ela cria um bando de cangaço, antes do Lampião. Ela não é Maria bonita, a mulher de Lampião. Não que isso a reduza, mas veja ela entra na história do cangaço como ‘mulher de’, ‘como esposa de’. Essa é uma das formas, inclusive, de apagamento, da luta das mulheres”, declara Valim ao detalhar como se deu o olhar apurado de curadoria. Patrícia apresenta ainda Anésia, personagem relevante da história brasileira para validar a sua luta, mas também para evidenciar mais um outro caso de apagamento “Ela foi a primeira a comandar um bando, a primeira mulher a montar a cavalo como homem, era muito falada. Era casada e tinha uma filha. O então marido, médico, fica com a sua filha, e ela vai lutar. Derrota, por duas ocasiões, a tropa federal enviada para matá-la. Ela atirava e cavalgava muito bem, e eles não conseguiram capturá-la. E aí, os contemporâneos, os homens da época deram início ao boato de que ela se transformava em planta. Por isso, ela tinha poderes sobrenaturais, quase demoníaco, de se transformar. Argumento construído por eles para justificar o fracasso em relação à capacidade militar da Anésia Cauaçu”, conta. Maria Quitéria. Para contribuir com as construções do Bicentenário da Independência, a Coleção vai contar também a história de Maria Quitéria, liderança importante na batalha do 2 de Julho, Independência do Brasil na Bahia. Ela é a primeira personagem da coleção, um livro escrito por Marianna Teixeira, mestranda sob a orientação de Patrícia Valim. Marianna é historiadora e desenvolve no mestrado uma pesquisa sobre Maria Quitéria e a construção de memória dela nos séculos XIX a XXI. É a sua estreia na escrita de um livro “público”. “É uma estreia no sentido de publicizar uma escrita que, muitas vezes, eu vi restrita a alguns espaços universitários e políticos. Para mim, ter escrito essa obra simboliza muito mais que um alinhamento com o que estou vivendo neste momento na minha vida profissional, é a perspectiva de que essa história de Maria Quitéria de Jesus, das lutas pela independência da Bahia sejam conhecidas cada vez por mais pessoas”, explica Marianna com emoção especial por saber que é um livro voltado para as novas gerações. Ela destaca que Maria Quitéria sintetiza e revela muitas questões da época dela, mas também da nossa. “Maria Quitéria de Jesus foi uma mulher parda, uma mulher baiana, uma mulher do sertão. Não era uma mulher estudada, mas era uma mulher que tinha coragem. Era uma mulher que, como tantas outras, ousou viver uma vida diferente, uma vida pública. Ela se engajou em uma causa política. Travestiu-se com roupas masculinas, o que era um crime na época, adentrou um espaço predominantemente masculino e proibido para as mulheres”, diz Mariann. Ela destaca também que é uma liderança que ainda não está presente nos livros didáticos como deveria. “Uma mulher completamente corajosa, transgressora e que pode inspirar os mais novos a olhar a história de forma diferente. A se olhar e a aprender a se reconhecer também nos agentes mais plurais que já existiram no Brasil”, afirma.

Outros nomes

A médica psiquiatra Nise da Silveira e a professora Jaqueline Góes, coordenadora do laboratório de pesquisa que decodificou o DNA da Covid-19 após 48 horas do primeiro registro da Covid no Brasil, também estão entre os nomes que terão suas histórias contadas pela Coleção. “A gente está tentando mostrar o grau de organização, rebeldia e insubmissão que há nesse conjunto de mulheres ao longo de suas vidas. E que crianças e adolescentes cresçam querendo ser uma arqueóloga, uma liderança política no cangaço, uma comandante dentro das forças armadas”, declara com entusiasmo Patrícia. 

Ela reforça também que essa coleção não é apenas para meninas, mas sim para meninas, meninos e adolescentes. “A gente entende que, no curto e médio prazos, conseguimos mostrar outras possibilidades identitárias. Esse tipo de conteúdo, essas histórias, articuladas com questões estruturais do tempo dessas mulheres, acabam funcionando como um letramento, no sentido de respeitar a mulher, entender que elas lutaram e que há uma política onde elas foram apagadas”, defende.

A legística e a argumentação legislativa em Manuel Atienza


Resenha escrita pelo jurista Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, e publicado pelo portal do ConJur, no dia 24 de dezembro de 2023.

Legística é o campo do conhecimento social aplicado que estuda a qualidade das leis. É um dos temas centrais em Montesquieu, talvez um dos intelectuais mais ambiciosos de todos os tempos. O capítulo XXIX do “Espírito da Leis” trata precisamente da maneira de compor as leis, inclusive com tópico sobre a maneira ruim de fazer leis. Excertos desse livro muito citado, mas hoje pouco lido, podem ser temperados com a leitura de outros pontos deliciosos da obra, como os que tratam sobre as relações das leis com clima, religião, número de habitantes, uso da moeda. Para Montesquieu não há limites temáticos, e é de onde credito sua ambição intelectual.

O assunto também está em Jeremy Bentham (Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação), em Blanco de Moraes (Manual de Legística) e em Marcília Gema Córdoba (Racionalidade Legislativa). Entre nós, os trabalhos de Luís Fernando Pires Machado e também um livro conciso de Kildare Gonçalves Carvalho. A PUC-Minas, onde o assunto é muito estudado, tem cursos sobre o tema, com Luciana Costa e outros pesquisadores de primeira.

O pai fundador do assunto é provavelmente Platão. Em “As Leis”, especialmente no Livro IV, há fascinantes diálogos que tratam de preâmbulos, que comparam preâmbulos com os prelúdios musicais, bem com comparam legisladores e poetas, e também legisladores e médicos. Obviamente, os preâmbulos do mundo platônico em nada se comparam com os preâmbulos contemporâneos.

Retoma-se, nesse pormenor, discussão interessante, que tomou tempo e retórica do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.076-AC), quando se discutiu a natureza do preâmbulo, explicitando-se que preâmbulos não constituem normas centrais de reprodução obrigatória nas constituições estaduais, carecendo de força normativa. Era o caso da invocação da proteção de Deus no preâmbulo de constituição estadual.

E também do ponto de vista prático o disposto na Lei Complementar n. 95/1998, que trata das técnicas de elaboração, redação e alteração de leis, com tópicos especiais sobre fórmulas de obtenção de clareza, precisão e ordem lógica na composição de textos normativos. Os decretos de complementação ajudam muito.

O livro central no assunto, hoje, parece-me, é “Argumentação Legislativa”, de Manuel Atienza (tradução de Diógenes Breda, publicado pela Contracorrente). A ConJur já publicou entrevista de Atienza, conduzida pelo competentíssimo pesquisador e professor André Rufino do Vale. Atienza é professor na Espanha, leciona e palestra também em várias universidades do mundo. Também fundamental é a leitura de “Curso de Argumentação Jurídica”, na tradução primorosa de Cláudia Roesler.

Em “Argumentação Legislativa” o autor esboça e apresenta uma teoria da legislação. O ponto central consiste na compreensão de uma racionalidade legislativa, dividida em cinco níveis. Atienza fala em racionalidades legislativas de feições linguísticas, jurídico-formais, pragmáticas, teleológicas e éticas.

No pano de fundo a preocupação do autor com a distinção que a ciência jurídica apresenta para com os planos da produção, da interpretação e da aplicação do Direito. Não são campos distintos e interdependentes. É nesse entrelaçamento que concorrem juízes, advogados, funcionários públicos, políticos e técnicos. Esses últimos compõem e aconselham na composição de normas; aqueles primeiros as aplicam no cenário de uma vida dramática e cheia de tensões. Alguns protagonistas têm mais força institucional. O que decidem transcende qualquer ponderação técnica. É o peso da caneta da toga. Pesadíssima. Mas essa opinião é minha, e talvez só faça sentido em nosso mundo jurídico, que Monteiro Lobato chamava de a “parasitalha de Têmis”. Um pouco agressivo, parece-me.

A leitura de Atienza mostra-nos que, no contexto da racionalidade linguística (também chamada de comunicativa-R1), há preocupação com a construção de uma mensagem (naturalmente, a lei) fluente entre o emissor (que inclusive pode ser o Poder Executivo) e o destinatário da norma (que inclusive pode ser o Legislativo, na hipótese de regra que suscite outras regras, ditadas por ele mesmo).

Na chamada racionalidade jurídico-formal (R2) o editor da lei deve ter a habilidade de inserir a regra em harmonia com todo o sistema jurídico da qual fará parte. A racionalidade pragmática, prossegue o autor, consiste na expectativa de que o destinatário da norma aquiesça com a prescrição (R3). A racionalidade teleológica (R4) busca confirmação dos fins sociais para os quais a lei se destina. Por fim, a racionalidade ética (R5) busca justificação com valores éticos dos destinatários.

A construção da lei sugere (e vive), segundo Atienza, uma “série de interações que ocorrem entre elementos distintos: editores, destinatários, sistema jurídico, fins e valores”. A compreensão teórica dos cinco níveis de racionalidade enunciados e explicados no livro é ferramenta para mediar essa série de interações.

Segundo Atienza, a dogmática jurídica surgiu historicamente em Roma, “com o aparecimento da figura do jurista, o que em vários aspectos significou a profissionalização das funções de interpretação, aplicação (e produção do Direito)”. Atienza refere-se às últimas décadas também nas quais emerge uma nova figura no cenário: o “drafsman”, isto é, o redator de normas.

O excerto sobre a racionalidade ética das normas é desafiador. Para Atienza, “esse nível de racionalidade desempenha uma função mais negativa do que construtiva (…) a racionalidade ética – ao contrário de outros níveis de racionalidade’ não produz nenhuma técnica legislativa específica: não há nenhum procedimento para alcançar a liberdade, a igualdade e a justiça através das leis (…)”. Para isso Atienza remete o esforço para os níveis de racionalidade comunicativa e teleológica.

Uma lei boa é lei de compreensão clara, precisa e imediata. Uma lei boa conforma-se completamente com as demais normas, discretamente, sem suscitar antinomias ou dúvidas mais sérias. Uma lei boa resolve problemas práticos. Uma lei boa atende aos fins aos quais se destina. Uma lei boa leva em conta suas bases de legitimação.

O livro de Atienza é de leitura e compreensão urgente aqui no Brasil. Um exemplo. Certo manual de órgão de controle chega a afirmar que “se a desídia for efetivamente desejada, haverá dolo, e a falta deixa de ser desídia para ser improbidade”. Isso significa uma penalização máxima, de demissão do servidor. A afirmação é oposta à lei de improbidade (Lei nº 14.230/2021), que exige dolo, que é, todos sabemos, uma vontade livre e consciente de praticar o ato (vide AgInt no REsp n. 1.620.097/MG, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 3/8/2021). A vontade livre e desejada equipara-se à vontade livre e consciente de praticar o ato, tão somente, se entre as duas situações houver um desejo também de tirar proveito, próprio ou para terceiros, em desfavor da Administração. A ilegalidade deve ser qualificada pela prática de corrupção, para esses fins. A lei poderia ter explicado essa nuance. Não o fez.

O exemplo acima reitera o problema gravíssimo da intersecção entre produção, interpretação e aplicação do Direito. A tese das cinco racionalidades é mecanismo para enfrentamento desse trilema. “Argumentação Legislativa” é um livro oportuno, necessário e esperado para o chamamento à ordem da barafunda que o direito brasileiro corre risco em se tornar (se já não o é). É um livro que fixa bem as fronteiras entre conceitos e concepções, o que o torna prático, instrumental, elástico e operacional.

Afinal, como diz o autor (na apresentação, e na orelha), “cometemos um erro ao escrever Filosofia do Direito somente para os filósofos do Direito (…) também se equivocam os juristas — em particular, os cultivadores da dogmática —,que não conseguem ver que, para eles, não pode haver nada mais prático, seja qual for sua noção de ‘prática’, do que a Filosofia do Direito”. “Argumentação Legislativa” é um livro que cumpre esse papel, desjudicializando a Teoria do Direito, a propósito de uma discussão de Atienza com Elias Díaz, seu professor e amigo, tão propícia ao urgente enfrentamento de nossos problemas.

Compre o livro no site oficial da editora Contracorrente: https://www.editoracontracorrente.com.br/product/argumentacao-legislativa

Autor:
Manuel Atienza
Ano:
2022
Tradutor:
Diógenes Moura Breda
1ª Edição
Encadernação:
Brochura
ISBN:
9786553960510
páginas:
204
Dimensões:
23
cm
×
2
cm
×
16
cm
Peso:
210
g

[RESENHA #957] O cárcere da agonia, de José Louzeiro, Marcos Meira & André Di Ceni

Escrita com muita vivacidade e contundência, a obra resgata os relatos colhidos durante os mutirões carcerários promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008, os quais escancararam os inúmeros e brutais episódios de violação a direitos humanos básicos nos presídios brasileiros.

Partindo do entendimento de “que o problema não decorre apenas de décadas de negligência, com políticas públicas reiterada e sistematicamente ineficientes, mas também de uma insensibilidade social profunda”, os autores, em exercício de empatia e de suspensão de julgamento, dão voz aos apenados e egressos. Assim, conhecemos histórias repletas de injustiças e (finalmente) justiças, lances de sorte e azar, julgamentos e discriminações, marginalização e ressocialização, degeneração e regeneração, voltas e reviravoltas de personagens como Beatriz, Simone, Guilherme e Raimundo José, nomes fictícios (usados para a proteção dos entrevistados), mas cujas histórias são profundamente humanas e “correspondem a processos judiciais reais, representativos de inúmeros outros em situações análogas, de pessoas esquecidas pelo sistema prisional”.

Como salienta o ministro Gilmar Mendes, que assina o prefácio do livro: “ouso dizer que a presente obra, além do resgate histórico, marca, no Brasil, o trabalho de vigilância e de revisão das prisões, que deve ser permanente e interinstitucional para que os casos emblemáticos trazidos à lume passem cada vez mais a serem exceções, e não regra”.

RESENHA

O cárcere da agonia, de José Louzeiro, Marcos Meira e André Di Ceni, é um livro que resgata os relatos de pessoas que foram presas injustamente ou que sofreram violações de direitos humanos nos presídios brasileiros. O livro se baseia nos mutirões carcerários realizados pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008, que revelaram as condições precárias e desumanas do sistema prisional. O livro dá voz aos apenados e egressos, mostrando suas histórias de injustiças, lutas, superações e ressocializações. O livro tem o prefácio do ministro Gilmar Mendes, que destaca a importância do trabalho de vigilância e de revisão das prisões para evitar que os casos de abusos se repitam. O livro é uma obra pungente, que denuncia a violência física, social e institucional, mas também celebra os exemplos de dignidade e de esperança dos sobreviventes.

A obra é uma forma de expor como os encarcerados são submetidos a tratamentos desumanos, seguindo um regime rigoroso que viola em todos os aspectos o Estado Democrático de Direito. Porém, a obra não se limita apenas aos casos de violação, mas também aos casos de tratamento elaborados na perspectiva humana e nos cuidados essenciais à vida.

O capítulo 1, súplicas do Ceará, nos detalha com ricos depoimentos a vida, a vivência e a ressocialização de encarcerados. A população prisional do estado do Ceará era de 13.307 pessoas, sendo 12.799 homens e 508 mulheres, internados em 300 unidades prisionais, entre penitenciárias, colônias agrícolas, cadeias públicas e hospitais psiquiátricos. (p.23).

Um dos casos mais tocantes presentes no capítulo é o primeiro, o relato e a história de Raimundo José. Ele conhece Marta, uma funcionária do departamento pessoal com quem desenvolve um relacionamento às escondidas. Porém, Raimundo se envolve com outras pessoas durante o namoro com Marta, esse envolvimento o leva a cometer pequenos delitos, mas ela decide tirá-lo desse desvio. Tempos depois, ele é libertado e começa a trabalhar como motoboy na secretaria de justiça, através do Núcleo de Assistência ao Presidiário e Apoio ao Regresso (NAPAE), órgão responsável pela inserção dos presidiários no mercado de trabalho.

Outra história, que, de certa forma, demonstra um total desequilíbrio em relação ao funcionamento do cárcere privado e sua manutenção, é a de Jerônimo Xavier. Ele era de uma família humilde que passou por provocações em relação à sua sexualidade. Morava com a mãe em um lar sem a presença paterna, pela morte precoce do pai. Ele residia em uma casa apertada com um dos irmãos chamado Josafá. Na década de 1980, Josafá disparou diversas vezes contra uma vereadora local por uma acusação, que ele considerava falsa. Esse acontecimento fez com que Jerônimo recebesse toda a culpa, o levando novamente ao cárcere.

Jerônimo foi então preso de forma separada dos demais encarcerados, pelo fato de ser soropositivo, e colocado em uma cela de segurança máxima. Em 2011, em virtude da virtualização de seu processo, ele não obteve êxito em um novo julgamento de soltura.

A obra continua narrando a vida de encarcerados que foram presos de forma injusta ou que acabaram pagando pelo erro de outros. Simone se apaixonou por Rafael aos 17 anos, o que ela não sabia é que durante uma viagem, ele, por sua vez, estava decidido a se vingar do ex-padrasto por ter abandonado sua mãe com câncer, o que lhe causou tristeza profunda e o falecimento precoce.

A obra segue analisando casos distintos em diversas cidades de estados ao redor do Brasil, como Maranhão: o caso de Marco Aurélio e Mathias; Bahia: Juan Perez e Ângelo Fernandes; Amazonas: Carlos Alves; Goiás; Distrito Federal, dentre outros.

A obra se finaliza com uma reflexão sobre a obra em relação a uma crítica que revela que o sistema carcerário brasileiro se assemelha ao sistema carcerário medieval. Os autores também falam sobre a importância de refletir sobre as políticas públicas e a forma como o sistema trata e retrata as vidas em julgamento.

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