RESENHA: Nós que aqui estamos por vós esperamos

O documentário retrata uma verdadeira volta ao mundo no seu contexto histórico, econômico e cultural. Banaliza a vida e a morte para nos fazer refletir sobre ela, com fragmentos de imagens trágicas do século 20.
MASAGÃO, Marcelo. Nós que aqui estamos por vós esperamos.
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O documentário “Nós que aqui estamos por vós esperamos” foi produzido, dirigido e editado por Marcelo Masagão em 1998. A partir de recortes biográficos reais e ficcionais de grandes e pequenos personagens do mundo, este documentário narra a história do século XX, pretendendo discutir a banalização da morte e por correspondência, da vida, apresentando a história através de memórias dos personagens, a maioria ditos “anônimos” das sociedades. Com essa visão, o documentário busca desmistificar a ideia de que a História é construída apenas por grandes personalidades, levando essa construção para mais próximo do povo que a constitui e que realmente influíram através de suas ações. É necessário ressaltar que as histórias mostradas no decorrer do filme são fictícias, como é dito nos créditos do filme, mas isso não é motivo para desvalorizá-las, pois a intenção delas é de mostrar o valor do povo na formação da sociedade e na evolução do século XX.

O filme é constituído por imagens, vídeos e textos, não possui falas e tem como trilha sonora o compositor Wim Mertens, dando personalidade ao filme pela combinação feita por Masagão. O documentário começa apresentando personagens e obras importantes, como Nijinski, Freud, Einstein, Pablo Picasso e suas obras. Em seguida, mostra imagens de transformações sociais, culturais e a industriais, a descoberta de novas tecnologias, maior participação das mulheres no mercado de trabalho, construção de edifícios, a evolução na construção dos carros, etc. A partir daí, começam a aparecer os personagens “anônimos“ e seus feitos, um operador de uma indústria de automóveis que nunca possuiu um carro, demonstrando a exploração existente nessa relação de trabalho, trabalhadores do Metrô, mulheres empacotando cigarros, entre outros.

A guerra tem um destaque importante no filme, retratando bem o período do século XX, mostrando, por exemplo, no começo, quatro gerações de uma mesma família mortas em guerras distintas, um soldado em choque de guerra, gerado pelo grande trauma sofrido pelos que sobrevivem às guerras. O documentário demonstra, por imagens e textos de soldados, que todo o sacrifício das guerras é em vão, que muitas vidas são perdidas durante cada guerra e poucas são lembradas, assim como diz a seguinte oração: “Em uma guerra não se mata milhares de pessoas. Mata-se alguém que adora espaguete, outro que é gay, outro que tem uma namorada. Uma acumulação de pequenas memórias...” de Cristian Boltanski.

Outra parte do filme apresenta fotos de ditadores, como Hitler, Mussolini, Stalin, entre outros, apresentando a palavra “paranoia” em relação a eles e distorcendo a imagem de cada um, com textos descrevendo a personalidade de figuras históricas (Hitler, por exemplo) sugerindo influência delas nas suas ações, levando à Psicanálise. Desde o começo, quando “o historiador” é chamado de rei e Freud de rainha, o documentário passa seu ponto de vista psicanalítico.

O caminho das mulheres em suas lutas por ascensão social, no século XX também é bem retratado no documentário. Ao mesmo tempo em que aparecem mulheres como marionetes, imagens e textos contestantes de mulheres sobrepõem essa visão, mostrando a luta das mulheres e suas conquistas, como o direito ao voto, comportamentos independentes, deixando a cozinha e a casa, o uso da minissaia e a queima de roupas íntimas em 1968. Mas, apesar de todas as conquistas, voltaram a cuidar dos lares, evidenciando que a luta delas não tinha terminado.

O filme representa também a diversidade religiosa, a importância da religião nas sociedades como grande influência na formação de cada sociedade. Entretanto, é demonstrada a maneira como as religiões participam nas relações sociais de poder através de suas ideologias. Com imagens de grupos religiosos em Tibet, Jerusalém, Meca, Angola, entre outros locais, retrata as diferentes religiões, como Budismo (“Perto de Deus. Perto de Buda.”) e o Candomblé (“Perto de Deus. Perto dos Orixás.”), a religião na guerra para abençoar os soldados, a religião nos “pequenos problemas humanos” e o descaso em relação a situações urgentes, como a fome ou o abandono de crianças (“À espera de Deus”).

É fundamental complementar que o filme, apesar de sua polêmica, não busca criticar nenhuma religião, sociedade ou personalidades. O documentário busca retratar um breve resumo do século XX e fazer com quem assista refletir sobre tais acontecimentos, sobre a banalização da morte e a desvalorização da vida durante este período. Sugere também uma comparação entre o século XX até os dias atuais, as mulheres ainda em busca de igualdade no mercado de trabalho, a ocorrência de guerras, desigualdades sociais e a desvalorização da vida.

por. Henrique Soares Moita

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