[RESENHA #989] O povo brasileiro - A formação e o sentido do Brasil, de Darcy Ribeiro

Obra magistral, e o maior desafio de Darcy Ribeiro, O povo brasileiro é uma tentativa de compreender quem somos, o que somos e a importância do nosso país. Talvez uma tarefa dura, mas imprescindível, pois segundo Darcy: “Este é um livro que quer ser participante, que aspira a influir sobre as pessoas e ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo”.


RESENHA



O povo brasileiro, obra de Darcy Ribeiro publicada em 1995 pela editora Global Editora, relata a história da formação étnica e cultural do povo brasileiro, com ênfase nos indígenas. Dividido em cinco partes e 17 capítulos, totalizando 480 páginas, o livro descreve desde a chegada dos europeus ao Brasil, caracterizados como brutos e doentes, até a formação da sociedade colonial, marcada pela mestiçagem e pela divisão em classes. O autor destaca a guerra biológica provocada pelas doenças trazidas pelos europeus, que resultaram na morte de milhares de indígenas. Apesar das adversidades, a obra ressalta a capacidade de resistência e adaptação dos povos nativos, que contribuíram para a formação do Brasil como nação.


O cunhadismo é uma instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro, incorporando estranhos à comunidade indígena. O sistema de parentesco classificatório dos índios permitia que todos fossem relacionados uns com os outros. Os europeus que chegaram à costa puderam estabelecer muitos casamentos do tipo cunhadismo, sendo recrutados para a colônia indígena. Esse sistema também foi utilizado para fazer prisioneiros de guerra que poderiam ser resgatados em troca de mercadorias. Os índios ficavam encantados com as riquezas europeias e aproveitavam os casamentos para obter essas coisas valiosas.


O cunhadismo desempenhou um papel fundamental na formação da população mestiça no Brasil. Com base nessa prática, foram criadas populações mestiças. Os índios adotaram costumes dos europeus, como o uso de joias, participação em rituais e o aprendizado da língua e cultura europeias. Eles também trabalhavam na agricultura e realizavam trocas comerciais.


Com o estabelecimento do regime das donatarias pela coroa portuguesa, a economia colonial cresceu significativamente. O sistema das donatarias foi implantado, trazendo os primeiros cabeças de gado e mudas de cana. No entanto, surgiram várias dificuldades à medida que a sociedade crescia, especialmente a hostilidade indígena.


O primeiro governador chegou ao Brasil em 1549, trazendo consigo civis, militares, soldados, artesãos e jesuítas. Em 1550, vários indivíduos se descreveram como "moços perdidos, ladrões e maus, que aqui chamam de patifes" chegaram à Bahia. A convivência igualitária do cunhadismo deu lugar a uma comunidade mais disciplinada e religiosa. Os pastores tentaram controlar os índios que mantinham relações sexuais com as índias e enforcaram alguns deles.


Os registros mostram que o número de escravos indígenas trabalhando para os donatários começou a aumentar. A escravidão indígena prevaleceu ao longo do primeiro século, até ser superada pela escravidão negra no século XIX.


Muitos indígenas foram incorporados à sociedade colonial para trabalhar até a morte como escravos. As mulheres indígenas trabalhavam na agricultura junto com as crianças. Embora os atos administrativos proibissem explicitamente o cativeiro, os indígenas podiam ser escravizados se fossem capturados ou aprisionados.


O domínio português se expandiu graças aos brasilíndios ou mamelucos, que eram filhos de pais brancos e mães indígenas. Os mamelucos eram especialmente comuns em São Paulo. Eles alcançaram prosperidade através da pobreza e foram os principais responsáveis pelo progresso dos paulistas. Os brasilíndios foram rotulados de "mamelucos" pelos jesuítas, que ficaram horrorizados com suas atitudes brutais. Eles eram considerados heróis civilizadores, mas também impuseram a dominação sobre os índios. Os mamelucos serviam como força de trabalho e enfatizavam a brutalidade selvagem.


Graças ao cunhadismo, uma nova identidade étnica foi criada, que não era mais indígena ou europeia, mas brasileira. Os neobrasileiros se desenvolveram e adotaram inovações socioculturais e tecnológicas. Eles se tornaram uma comunidade étnica integrada na economia global.


Embora fossem autossuficientes em muitos aspectos, ainda dependiam de certos artigos importados, como instrumentos de metal, sal e pólvora. Eles já não viviam isolados como os indígenas e se voltavam cada vez mais para o comércio.


O idioma Tupi era amplamente utilizado pelos neobrasileiros até o século XVIII. Ele se espalhou mais do que o português como língua da civilização. A substituição do Tupi pelo português só foi concluída no século XVIII.


O processo de formação dos povos americanos tem suas peculiaridades, com alguns progredindo rapidamente na revolução industrial, enquanto outros lutavam para se modernizar. O Brasil era conhecido como "pau-de-tinta" e os habitantes eram chamados de brasileiros. Os primeiros brasileiros conscientes de sua identidade eram os mamelucos, mestiços de brasilíndios que não se identificavam com seus ancestrais indígenas.


No século XVIII, o Brasil tinha uma população de cerca de 500 mil habitantes, sendo 200 mil indígenas integrados na colônia. Os negros, concentrados nos engenhos de açúcar e mineração, somavam 150 mil. Os brancos eram os restantes 150 mil. A economia era dominada pela produção açucareira e pelo gado. Os brancos colonizadores aumentavam através da multiplicação de mestiços e mulatos. Os negros também aumentavam, graças à importação massiva de escravos.



A contribuição cultural dos negros na formação da cultura brasileira foi limitada. Eles foram trazidos principalmente como força de trabalho para a produção de açúcar. A violência e o racismo são duas das piores heranças brasileiras. Os neobrasileiros atingiram um estágio em que podiam se livrar de suas identidades anteriores e se identificar como brasileiros. Eles se tornaram uma comunidade étnica integrada na economia mundial.


A revolta dos Cabanos era de teor classicista e também incluía conflitos interétnicos. O mesmo ocorria na de Palmares, onde a luta étnica se tornava hegemônica. Já a revolta de Canudos tinha três ordens de conflito: classicista, racial e religiosa. Os conflitos interétnicos sempre existiram, com as tribos indígenas se opondo umas às outras. Porém, esses conflitos não tinham consequências significativas. Muitas vezes, as lutas ocorriam porque os brasileiros capturavam índios para serem usados como escravos, e os próprios escravos se rebelavam, preferindo a morte.


A guerra dos Cabanos, que tinha um caráter genocida, visava eliminar as populações caboclas e é o exemplo mais claro de enfrentamento interétnico.


Outro motivo para os conflitos é o racial, com as três principais matrizes da sociedade brasileira se opondo umas às outras, com preconceitos raciais. Desde a chegada dos primeiros africanos no Brasil, eles lutam por igualdade racial, pois são constantemente oprimidos e não integrados ao resto do mundo. O terceiro motivo para as guerras são as classes sociais, com os brancos privilegiados e proprietários enfrentando os trabalhadores negros.


No Brasil, quatro formas de ação empresarial foram implantadas: a empresa escravista baseada na produção de açúcar e mineração de ouro com mão de obra africana; a empresa comunitária jesuítica com mão de obra indígena; e a multiplicidade de microempresas que produziam alimentos e criavam gado. Essas três formas de organização garantiam o sucesso do empreendimento colonial português nos trópicos e atuaram na formação do povo brasileiro.


As primeiras cidades a surgirem foram Lisboa e Bahia, seguidas pelo Rio de Janeiro, João Pessoa, São Luís, Cabo Frio, Belém, Olinda, São Paulo, Mariana e Oeiras. Essas cidades eram centros de dominação colonial criados pela Coroa para proteger toda a costa brasileira. A classe alta era composta por funcionários, militares, sacerdotes e negociantes e era considerada inferior em relação aos senhores rurais. A camada intermediária era composta por brancos e mestiços livres.


O crescimento dos centros urbanos levou ao desenvolvimento de uma burocracia civil e eclesiástica de alta hierarquia e a um comércio rico e autônomo. A economia extrativista criou pontos de exportação de borracha na Amazônia e várias vilas e cidades auxiliares. A industrialização e urbanização são processos complementares e associados, com a industrialização oferecendo empregos urbanos para a população rural.


No Brasil, processos como o monopólio da terra e a monocultura expulsaram a população do campo, fazendo com que as cidades crescessem e a agricultura se tornasse mais produtiva. Assim, o Brasil se tornou uma nação urbana, com a população encontrando soluções para seus próprios problemas, como a construção de favelas.


No Brasil, as classes ricas e pobres se separam por distâncias sociais e culturais, semelhantes às que separam povos distintos. Essas diferenças sociais são marcadas pela indiferença das classes dominantes em relação aos pobres. A falta de igualdade racial no Brasil pode ser explicada pela preferência por indivíduos mestiços europeus, que têm uma aparência mais clara. Isso também explica a discrepância entre brancos e negros no crescimento populacional, com os brancos crescendo mais. Essa separação entre brancos e negros é principalmente de natureza social.


Estima-se que cerca de 5 milhões de imigrantes europeus tenham se integrado à população brasileira no último século. A força de trabalho escrava foi uma grande preocupação para os portugueses no passado, pois era usada exclusivamente para fins comerciais e acabava se esgotando na produção.

A transição do padrão tradicional para o padrão moderno ocorre em diferentes ritmos em cada região, mas mesmo as mais progressistas são reduzidas a uma modernização reflexa. Tanto as populações rurais quanto as urbanas marginalizadas enfrentam resistência, principalmente social.


A resistência à Revolução Industrial e a sua lenta implementação não estão no povo ou em sua cultura arcaica, mas sim na resistência das classes dominantes. A transfiguração étnica é o processo pelo qual os povos nascem, se transformam e desaparecem como entidades culturais. Isso ocorre através de instâncias como a biótica, a ecológica, a econômica e a psicocultural, que podem levar ao extermínio de populações. Um exemplo disso é o desaparecimento dos povos indígenas devido à perda de vontade de viver.


O Brasil sulino é marcado por sua heterogeneidade cultural em comparação com as outras áreas culturais brasileiras. Suas características principais são o primitivismo de sua tecnologia adaptativa, essencialmente indígena, conservada e transmitida ao longo dos séculos. As comunidades vivem em torno dos centros de autoridade real e do comércio, tendo sua própria indiada cativa ou dependente. O crescimento do sistema de reduções limita as perspectivas de riqueza dos colonizadores. 


Já o Brasil sertanejo é uma vasta região de vegetação rala, cercada pela floresta atlântica e amazônica, com pastos naturais secos e arbustos enfezados. Essa área é habitada pela população sertaneja, especializada em pastoreio e com traços culturais específicos relacionados ao seu modo de vida, organização familiar, estruturação do poder e vestimenta típica.


O Brasil caipira, por sua vez, é marcado pela pobreza econômica. A falta de grandes engenhos de açúcar e escravaria negra e a escassez de navios que chegavam à região de São Vicente levaram a uma condição de pobreza que levava a população a se envolver em tarefas desesperadas e propensas ao saque, ao invés da produção. No Brasil crioulo, a sociedade brasileira nasce em torno do complexo econômico do açúcar, com sua grande empresa agroindustrial exportadora. Essa região é caracterizada pela extensão latifundiária, monocultura intensiva, grande concentração de mão de obra e diversificação interna em especializações. O alto custo de investimento financeiro, a destinação externa da produção e a dependência da força de trabalho escravo são características importantes dessa região.


Esses são os principais modos de ser dos brasileiros, cada um com suas particularidades e características únicas.




O Brasil foi regido primeiramente como uma feitoria escravista, tropical, habitada por índios nativos e negros importados. Depois, como um consulado, no qual um povo sublusitano, mestiçado de sangues afros e índios, vivia o destino de um proletariado externo dentro de uma possessão estrangeira. Isso tudo acabaria gerando um sistema econômico acionado por um ritmo acelerado de produção do que o mercado externo dela exigia, com base numa força de trabalho afundada no atraso grande, porque nenhuma atenção se dava à produção e reprodução das suas condições de existência. Todos esses mulatos e caboclos, envolvidos pela língua portuguesa, pela visão do mundo, foram plasmando a etnia brasileira e promovendo, simultaneamente, sua integração, na forma de um Estado Nação. Tal atitude desses imigrantes é de desprezo e incompreensão. Sua tendência é considerar que os brasileiros pobres são responsáveis por sua pobreza e de que o fator racial é que afunda na miséria os descendentes dos índios e dos negros. No Brasil, apesar da multiplicidade de origens raciais e étnicas da população, não se encontram tais contingentes esquivos e separatistas dispostos a se organizar em quistos. Falam muito da preguiça brasileira, atribuída tanto ao índio indolente, como ao negro fujão e até às classes dominantes viciosas. No caso da África, ela contrasta com o Brasil pois vive ainda sua europeização, seguida de sua própria liderança libertária. Atualmente, o Brasil deveria dominar as tecnologias da futura civilização para ser uma potência econômica de auto sustentação e independer de terceiros para progredir. Nós vivemos e um contexto no qual refletimos sobre a importância da nação brasileira passada e a maneira que o povo que lá residia viveu e contribuiu para a nossa sociedade atual. Pouco se fala de toda a luta que os indígenas passaram quando os europeus aqui chegaram e os trataram como animais e escravos. Assim, Darcy Ribeiro mostra o seu olhar sobre os europeus e índios, explicitando a maneira que sobreviviam aqui, os males e os bens que os europeus causaram e trouxeram (como doenças, mas também como armas, conhecimento, tecnologia). E isso tudo fez com que a sociedade primitiva fosse se civilizando e se capitalizando. Ele mostra a formação da língua originada no Tupi e mostra os traços deixados ao nosso português atual. É possível observar, também como as mulheres eram subordinadas aos homens e isso é refletido na nossa sociedade atual na qual algumas pessoas ainda possuem esse pensamento e inferiorizam as mulheres. O mesmo vale para os negros, pois os escravos naquela época eram negros, vindos da África, então há ainda um grande preconceito racial nos dias atuais, associado os negros e escravos e pobres, infelizmente. Um ponto interessante da obra, que chamou minha atenção foi o cunhadismo, no qual foi a origem de tamanha diversidade que existe das pessoas no Brasil e as diversas mestiçagens que aqui encontramos. Não é atoa que o Brasil é considerado o país com a maior diversidade no mundo. A obra, felizmente conseguiu trazer aspectos que captam o leitor na leitura, fazendo-o querer entender cada vez mais sobre sua nação brasileira e sentir-se orgulhoso do país em que reside. 


O autor cita os diferentes brasis, nos quais pode-se observar diferentes criações ao Brasil, uma vez que um provém da agricultura, mostrando as terras e o cultivo, o outro o caipira mostrando a pobreza, etc. Assim, a ideia de que o Brasil possui tamanha diversificação é mais comprovada ainda. É citado também como o Brasil é visto como preguiçoso e por isso possivelmente não teria a capacidade de evoluir tecnologicamente. Contudo, devo dizer que o Brasil se encontra perto de se tornar uma potencia econômica pois após tudo o que já passou, com tantas interações com Portugal e a Europa em geral, é possível ainda que sejamos uma grande potencia e que não tenhamos mais que depender de outras do tipo Estados Unidos. Nenhum outro país possuí o que nós, brasileiros possuímos, ou seja, um contexto histórico meramente diversificado, com tantas lutas, miscigenações, criações e junção de povos aliados, o surgimento de novas nações a partir de interações com povos externos que invadiram o território. Nossa história deve ser reconhecida no mundo todo pois é dela que nós da atualidade saímos e devemos agradecer. O livro, assim, conseguiu mostrar de maneira clara tamanha importância que o Brasil possui no resto do mundo e que não tivemos um passado tranquilo e calmo, fomos sempre aprendendo com os dias que passaram, até chegarmos hoje, no jeitinho brasileiro de ser.

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