Resenha: O Brasil como problema, de Darcy Ribeiro

 

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Os textos aqui reunidos são um retrato da paixão imensa que Darcy Ribeiro tinha pelo nosso país. Ele sonhou o Brasil como uma nova civilização, e foi à luta. Aqui Darcy fala claramente o que pensa sobre o Brasil e seus desafios, a história das sociedades humanas, as Américas, abrangendo as relações sociais básicas e os meios de subsistência dos povos.


RESENHA


O livro 'O Brasil como problema', do autor Darcy Ribeiro, é uma antologia de ensaios e estudos acerca dos problemas de desenvolvimento, sustentabilidade e sociedade no país. A obra é dividida em quatro seções, sendo elas: "O Brasil em causa", que visa analisar sob várias óticas os problemas relacionados à crise ética e política, às causas, aos problemas e ao envolvimento dos indígenas na história do desenvolvimento do Brasil. A segunda parte, intitulada "ensaios", é uma análise minuciosa da origem e formação dos povos latino-americanos, da Amazônia e de seus povos e das diferenças existentes entre o governo e o ato de governar e pensar social da Suíça como exemplo a ser seguido. O terceiro capítulo, "temas e fazimentos", narra o memorial da América Latina e a universidade do terceiro milênio, enquanto o quarto e último capítulo, "temas e problemas", se dedica a uma investigação empírica da urgência de temas como o Estado, as universidades e a chacina promovida pela lei agrária no país.


O Brasil é um país que se construiu independentemente dos desígnios de seus colonizadores, surgindo como um novo povo distinto de qualquer outro. Resultado da colonização europeia nas Américas, o Brasil é uma mistura de raças e culturas que se fundiram para criar uma nova civilização. Apesar de suas origens europeias, africanas e indígenas, os brasileiros são únicos e desafiados a se reinventarem, sendo herdeiros de uma terra exuberante que precisa ser preservada. O país é uma nação étnica e coesa, com potencial para se tornar uma civilização autônoma, solidária e influente no mundo. A população brasileira é unida pela língua e cultura, marcada pela criatividade e diversidade provenientes das influências de suas matrizes. Apesar dos desafios enfrentados, como a inclusão dos povos indígenas e negros, a pluralidade do Brasil é sua força para conquistar um futuro baseado no desenvolvimento.


Os capítulos podem ser analisados separadamente ou em uma única unidade de sentido, analisando o panorama proposto pelo autor em relação aos problemas que impedem, de certa forma, o desenvolvimento do Brasil e as problemáticas que povoam mortes e pobrezas entre os povos mais explorados.


Se pudéssemos analisar de forma mais elaborada as idéias do autor, poderíamos começar inferindo que a crise ética e política no Brasil é evidente, com escândalos de corrupção e desmandos que comprometem a normalidade institucional. O impeachment do Presidente da República e as investigações no Congresso Nacional mostram a gravidade da situação. A falta de punição para os envolvidos e as tentativas de limitar as investigações levantam questões sobre a capacidade do país de combater a corrupção e formar cidadãos íntegros. O Parlamento e o Judiciário também são alvo de críticas, com acusações de corrupção, injustiça e falta de transparência. A população exige uma atuação ética e responsável dessas instituições, que devem estar a serviço da nação e não de interesses particulares. Também menciona os desafios enfrentados pelo país na atual conjuntura, ressaltando a importância de uma política econômica voltada para a soberania nacional e o desenvolvimento independente e sustentável. Por fim, enfatizamos a necessidade de negociar a dívida externa e preservar as empresas públicas como estratégias para garantir o futuro do Brasil.


O autor destaca a corrupção e o clientelismo como graves problemas que afetaram a máquina administrativa brasileira, causando distorções e prejuízos. Ele critica a prática de nomeações políticas para cargas públicas e aponta a influência nociva das grandes empresas e multinacionais na economia nacional. Além disso, ele questiona a capacidade do empresariado brasileiro em promover o progresso e a distribuição de riqueza, apontando para a concentração de renda e a predominância de interesses estrangeiros no cenário econômico. As elites do Brasil, formadas por patronado e patriciado, são responsáveis ​​pela falta de ameaças no país, privilegiando a concentração de riqueza e poder em suas mãos. Enquanto nos Estados Unidos, as elites abriram oportunidades para os pioneiros cultivarem terras, no Brasil, a lei de terras de 1850 instituiu o monopólio da terra.


O atraso e a pobreza no Brasil são causados ​​principalmente pelo caráter retrógrado das classes dominantes, que sempre atuaram em benefício próprio, explorando o país para atender demandas externas. É preciso buscar caminhos de superação do subdesenvolvimento autoperpetuante e romper com a perversão econômica que perpetua a pobreza da maioria da população. É um desafio encontrar uma solução para os problemas comuns do Brasil e do mundo subdesenvolvido, que aguardam uma mudança de postura em relação ao mercado internacional. Vivemos uma conjuntura trágica, onde as diretrizes econômicas são insensíveis e alienadas aos interesses nacionais. Para avançar, é preciso formular um projeto de integração baseado no desenvolvimento social e na associação com os povos explorados. Todos somos prejudicados pela desigualdade social, pela falta de preocupação com as necessidades do povo e pela manutenção de uma sociedade injusta. 

Diante da atualidade marcada pela dívida externa e pela política de privatizações, os brasileiros enfrentam o desafio de compreender e equacionar essas questões para o destino da nação. Em um contexto em que um pensamento de direita é predominante, é necessário buscar alternativas diante do fracasso das esquerdas socialistas. As sociedades evoluem de maneiras diversas, com algumas se destacando e impondo sua hegemonia sobre outras. O Brasil, por absorver os frutos da Revolução Industrial sem se tornar um polo autônomo, acabou se tornando dependente e recolonizado. No entanto, o país, com suas condições únicas e sua população homogênea, tem potencial para se tornar uma sociedade vanguardeira, autônoma e próspera. A política atual, baseada no lucro e na privatização, leva ao empobrecimento generalizado e à concentração de riqueza. É necessário buscar uma abordagem mais responsável, que promova a colaboração das empresas estrangeiras com os interesses nacionais e a distribuição equitativa dos investimentos regionais. A submissão ao mercado global, sem uma vigilância eficaz, pode comprometer a soberania e as potencialidades do povo brasileiro.


Atualmente, o Brasil enfrenta dois desafios cruciais: a negociação da dívida externa, principalmente com os EUA, e o aumento das privatizações inspiradas pelo FMI. A dívida externa tornou-se um instrumento de chantagem e extorsão dos países ricos, controlando as nações pobres que produzem insumos para o capitalismo. O governo Collor tentou resistir aos banqueiros internacionais, mas acabou impondo medidas que causaram recessão e desemprego. Já o governo Itamar aprofundou o neoliberalismo, alegando não haver alternativa para a modernização econômica. O histórico da dívida brasileira remonta ao Império, onde o endividamento se tornou um vício. A exceção foi Getúlio Vargas, que modernizou o Estado e lançou as bases do desenvolvimento autônomo. Atualmente, não se sabe ao certo a situação real da dívida externa brasileira, que explodiu na última década, tornando-se a causa principal da crise econômica.


Estudos do professor Luiz Fernando Victor da Universidade de Brasília mostram que, de 1956 a 1988, o Brasil assumiu empréstimos e financiamentos de 267 bilhões de dólares, enquanto pagava 287 bilhões de dólares em serviço da dívida. Além disso, o país recebeu 33,5 bilhões de dólares em capitais de risco, mas remeteu 24,5 bilhões em lucros e dividendos, resultando em um saldo positivo de apenas 4,5 bilhões de dólares. Isso evidencia que o Brasil é, na verdade, um exportador de capital, com uma dívida crescente. A situação se agrava na América Latina, onde houve um prejuízo de 200 bilhões de dólares de 1982 a 1988 devido à transferência líquida de capital para os países credores. A política de privatizações, fortemente influenciada pelos países ricos, não resolverá os problemas econômicos do Brasil e apenas agravará a situação. A privatização da Companhia Siderúrgica Nacional foi um escândalo na história econômica do Brasil, sendo entregue a banqueiros por um preço muito baixo. A empresa junto com a Companhia Vale do Rio Doce representaram um marco na industrialização nacional, mas foram espoliadas por interesses privados durante a ditadura militar. Atualmente, a Vale possui um patrimônio enorme e está na mira dos tecnocratas que querem privatizá-la. Outras empresas estatais como Petrobras, Eletrobras e Embratel estão sendo alvo de privatização, o que representaria um prejuízo irreparável para o país. A tendência de privatização adotada pelo governo brasileiro está sendo questionada, pois em outros países, a desestatização é feita de forma mais cautelosa e responsável. A privatização na Inglaterra, por exemplo, resultou em problemas sociais e na queda do país no ranking das potências mundiais. O processo de privatização no Brasil está sendo conduzido de forma imprudente e prejudicial à economia nacional.


A importância da etnia na formação do ser humano é destacada, ressaltando que a comunidade étnica é essencial para a transmissão de conhecimento, valores e cultura. A língua e os saberes verbais são fundamentais para a identidade e sobrevivência de um grupo étnico. Mesmo diante de ameaças e influências externas, as comunidades étnicas têm uma notável capacidade de resistência, desde que consigam manter a tradição e criar os filhos dentro dos valores e conhecimentos do grupo. Além disso, é destacado que as microetnias, formadas a partir da divisão de grupos maiores, tendem a manter uma identidade própria e uma hostilidade em relação a outras microetnias.


Temas e problemas: Qual a causa real de nosso atraso e pobreza?

Esse capítulo, em especial, critica a ideia de Estado mínimo defendida pelos neoliberais, argumentando que o Estado brasileiro precisa ser recuperado e fortalecido para cumprir suas funções essenciais, como assistência social, educação e segurança. Destaca a necessidade de um Estado que atue em prol do povo brasileiro e não apenas dos interesses dos mais ricos. Critica também as políticas neoliberais que resultaram na precarização dos serviços públicos e na deterioração da máquina do Estado. Propõe uma reforma do Estado que o torne mais eficaz, ético e responsável, capaz de promover o desenvolvimento nacional autônomo e garantir o bem-estar da população. Em vez do Estado mínimo, defende o Estado necessário.


O capítulo também ameaça de genocídio imposta pela Lei Agrária brasileira, que impede a distribuição de terras improdutivas para os sem-terra. O movimento dos sem-terra reivindica direito à terra para viver e trabalhar, em oposição à concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários. A história do regime fundiário brasileiro é descrita como injusto e desigual, resultando na expulsão de milhões de pessoas do campo para as cidades. A reforma agrária proposta por João Goulart foi interrompida pelo golpe de 1964, impedindo a distribuição de terras e perpetuando o domínio dos latifundiários. A solução para a questão agrária no Brasil requer a distribuição de terras improdutivas aos sem-terra e a promulgação de uma lei do uso lícito da terra, revertendo terras mal adquiridas para programas de colonização. O texto conclui que o Brasil precisa escolher entre manter o sistema fundiário arcaico e injusto ou construir uma sociedade livre, justa e participativa.


O texto se consolida também narrando a experiência de vida do autor que dedicou sua vida a lutar por diversas causas, como a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária e o socialismo em liberdade. Ele se inspirou na generosidade e no compromisso dos antigos comunistas e acredita que a juventude atual precisa se engajar mais politicamente para superar as desigualdades e injustiças no Brasil. Ele ressalta a importância da unidade nacional, do orgulho da identidade brasileira e da responsabilidade histórica de construir uma sociedade mais justa e democrática. Ele conclama os jovens a se envolverem ativamente nas lutas por uma economia mais justa e pela democratização do acesso à terra.


O livro se finaliza com um capítulo intitulado 'Universidades, para quê?' com um discurso pronunciado durante a cerimônia de posse do reitor Cristovam Buarque, em 16 de agosto de 1985. Onde reflete sobre a importância e o significado da Universidade de Brasília, destacando as figuras que contribuíram para sua criação e desenvolvimento. Ele ressalta a necessidade de uma universidade séria no Brasil que possa promover a criatividade científica e cultural, e critica a universidade brasileira anteriormente existente. Darcy também elogia o novo reitor, Cristovam Buarque, e expressa a esperança de que a UnB renasça e cumpra seu papel como uma instituição de ensino de alta qualidade.


Em resumo, 'O Brasil como problema' é uma obra rica em análises e reflexões sobre os desafios enfrentados pelo Brasil em seu desenvolvimento como nação. Darcy Ribeiro apresenta uma visão crítica e propositiva, apontando os problemas estruturais e éticos que impedem o progresso do país, ao mesmo tempo em que destaca o potencial e a força da cultura brasileira. O autor enfatiza a necessidade de uma atuação responsável por parte do Estado e da sociedade, visando a construção de uma nação mais justa e solidária. É uma leitura fundamental para quem busca compreender as complexidades do Brasil e as possibilidades de transformação rumo a um futuro mais promissor.

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