5 Poemas de Sanchez

Sanchez, poeta paulistano talentoso e promissor, vem conquistando seu espaço na cena literária brasileira com seus versos visceralmente sinceros. Com poemas publicados em renomadas revistas literárias do país e participação na equipe de poetas do portal Fazia Poesia, Sanchez cativa seus leitores com sua sensibilidade e sua habilidade única de transmitir emoções através das palavras. Em seu livro de estreia, "dentrofora", lançado em 2023 pela editora Laranja Original, o autor nos presenteia com um mergulho profundo em sua alma poética, revelando a força e a beleza de sua escrita. Confira a seguir alguns dos poemas que compõem essa obra marcante.


estalo bissexto

existe um ponto cego em nossa cegueira,

clareira na geleia espessa de

cada dia:

encontrar aquilo no limiar

entre o livre

e o inútil.

compromissos imaginários circulados

no calendário do ano passado, futuro

confinado a folhas amareladas, futuro

realizado no passado, futuro que, mesmo

assim, não deixa de ser futuro.

o uso não usual, a função não funcional,

a criação – pois criar é sempre se prestar

a fazer o que não presta:

fatiar o fato após o fato,

a foi-se na folhinha.



esconde-esconde

pureza do eu?

eu puramente cindido.

o eu cria a si mesmo

ensimesmado no olhar do outro.

pureza de língua?

língua puramente variada.

o sentido fixado à página

asfixiado pela palavra.

pureza da arte?

arte puramente refratária.

o arquétipo canonizado

destruindo todo o cânone.

pureza?

mas pra que coisa pura se pureza não para

em lugar nenhum?



oásis

entre a memória e o poema,

papel.

traços se alvoroçam sobre a

página intacta buscando a

centelha do agora quando

já é tempo de depois.

frenético delírio sígnico.

traças se esbarram ao redor da

ideia luminosa criando uma

camada entre o ideal memoriado

e o possível corporizado.

frustrante metamorfose fabricada.

entre a memória e o poema,

deserto.

carcaças se acumulam ao longo

da areia erguendo o emblema

ambíguo de morte-alimento e

vida-sanguessuga.

decadente memória decomposta.

carcará se esconde na duna

aguardando a morte da presa

que definha e busca a

salvação.

derradeiro espetáculo cadavérico.

entre a memória e o poema,

muro.

escrever é esmurrar os tijolos.



fantasmagoria

um cheiro que não é

mais cheiro, é lembrança

enlameada.

um lugar que não é

mais lugar, é fotografia

despedaçada.

cheiro seu, lugar ao

seu lado, absurdo:

coisa que é coisa

deixando de ser coisa

por ter sido coisa com

você.

de supetão,

soterrada

em silêncios,

sua sombra

é sublimada.

você

se

tornou

resquício.



falsa coral

língua traiçoeira conduz ao

tropeço em cada duplo sentido.

língua escorregadia atrai para o

beijo com os dentes escondidos.

língua de cobra

bifurcada

entre fala e

carne,

duas línguas em comunhão

na palavra língua.

guardo a palavra aguardando

a picada como quem já

mordeu a língua e se

viciou no veneno.

toda língua é língua de cobra.

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