Paulo Cotias responde questões sobre seu livro ''12 Lições Contra o Neofascismo''



O livro de Paulo Cotias, intitulado "12 Lições Contra o Neofascismo", mergulha fundo na análise desse fenômeno multifacetado e muitas vezes silencioso. Como historiador e especialista em educação, o autor apresenta uma abordagem clara e contextualizada, alertando para a necessidade de não suavizar a gravidade do neofascismo com eufemismos. Nas 12 lições que compõem a obra, Cotias expõe as características, estratégias e mecanismos utilizados pelos neofascistas, destacando a importância de compreender e combater esse movimento. Com uma linguagem direta e contundente, o autor lança luz sobre um tema urgente e relevante para os tempos atuais. Hoje o autor nos fala em um bate papo rápido sobre sua obra, confira abaixo:

1. Qual foi o motivo que o levou a escrever o livro "12 Lições Contra o Neofascismo"?


A principal motivação está ligada a constatação de que, apesar de algumas produções literárias e visuais sobre a temática, senti falta de algo que pudesse pensar o fenômeno do neofascismo em si. Além disso, percebi o enorme esforço (ingênuo ou deliberado), de pensadores, comunicadores e redes em suavizar e diluir o neofascismo por meio de expressões que funcionam como amortecedores , como eufemismos tais como “conservadores”, “extrema direita”, “populismo de direita”, “radicais”, “extremistas”, todos eles contendo tudo e nada ao mesmo tempo. Ou seja, para combater o que considero o pior inimigo do paradigma de civilização contemporâneo, o neofascismo, é preciso tentar compreender o que ele é, como opera, quais suas estratégias, suas ambições e seus arquitetos e colaboradores. E isso é uma necessidade urgente do nosso tempo.


2. Como foi o processo de pesquisa e elaboração das 12 lições apresentadas no livro?


Eu já havia me dedicado a escrita de livros didáticos para o ensino superior na área de história contemporânea, o que já havia prorporcionado revisitar a temática do fascismo e do totalitarismo. Aliado a isso, procurei também me dedicar a leitura de obras que operam com o tema, entender suas abordagens e contribuições. O esforço maior, no entanto, foi o de fazer o exercício desafiador de todo o historiador do seu próprio tempo, ou seja, o de buscar o máximo de fontes por meio de notícias e conteúdos não apenas que falassem do neofascismo, mas, sobretudo, o que foi produzido por neofascistas. Desse modo, a proposta desde o princípio foi adotar o estilo ensaístico, embasado, mas não propriamente um livro nos padrões acadêmicos clássicos. É uma obra para o pensamento, para discussão, para a provocação de reflexões. Um livro fundamentado, para ser lido e para servir de inspiração para outras reflexões.

3. Como você lida com a questão social em relação ao neofascismo? Você encontrou alguma barreira ao levantar questões tão pertinentes ao momento político atual?


Tenho observado com muita preocupação a capacidade de sedução que o neofascismo tem conseguido impor aos mais difentes campos como o progressismo e até mesmo a centro-esquerda. Essa receita não é propriamente nova, pois o fascismo acenara outrora para os diferentes círculos de trabalhadores, ativistas e intelectuais, dos quais captou muitos que acreditaram que teriam vantagens pragmáticas ou algum prestígio estratégico em um eventual novo regime. Tanto ontem, como hoje, os seduzidos pela política fascistóide são meros meios utilitários. A barreira que encontro é a da hipocrisia, sobretudo por parte dos que se deixaram envolver e se entregaram ao neofascismo. Eram críticos de outrora, mas que levados pelo pragmatismo do poder pelo poder, das benesses desse poder, fingem que não sabem com quem se envolvem ou o que defendem. Dão desculpas para si próprios e para as redes. Quando o fascismo foi derrotado, não foram poucos que ficaram expostos a essa vergonha.




4. Qual a importância de contextualizar historicamente o neofascismo para compreendê-lo melhor?


Isso é importante para evitar tanto o anacronismo, quanto o academicismo. Fascismo e neofascismo são experiências com datação, lugar e sujeitos históricos particulares. Porém, é necessário estabelcer o que temos de reacapitulação e o que se prolongou na longa duração do fascismo desde a sua derrota na Segunda Guerra Mundial. Foi derrotado, mas não foi deletado. E o neofascismo assume formas novas, mas trazendo aspectos dorsais dessa experiência originária. Além do mais, você só combate o que conhece. É um principio básico. E o neofascismo tem se esforçado e conseguido operar de modo escamoteado. É hora de levâ-lo à luz de dia.

Foto: Arte digital / Folha da cultura

5. Quais são os principais desafios enfrentados pela democracia atualmente para combater o avanço do neofascismo?

Um primeiro desafio é o da própria percepção do que é democracia atualmente. Em um cenário piolítico no qual ela geralmente é fixada como a “festa do voto” e amplamente confundida com um estado dispensador de serviços, é desafiador promover uma discussão capaz de recolocar a democracia como um valor indispensável. E por que? Nem todas as nações conhecidas são democráticas. Sejam de direita ou esquerda, algumas formam ditaduras abertas ou escamoteadas por eleições viciadas, além das riquíssimas nações que se projetam no cenário internacional e que possuem sistemas autocráticos ou até mesmo despóticos. O que isso significa? Que a democracia não é um valor natural e muito menos universal. Pior, seja pela globalização ou pela geopolítica, as democracias se relacionam ou até se vinculam em diferentes graus com esses outros regimes o que levanta questões muito fortes sobre a ética e os limites dessas relações. O neofascismo não tem nenhuma dificuldade de operar nesse mundo caleidoscópico, pois essa é justamente sua natureza. Sendo assim, pode muito bem defender qualquer outro regime no lugar da democracia, alegando que dará o que os seus seguidores desejam e os protegerá dos próprios inimigos por ele criados.


6. Você acredita que a conscientização e resistência democrática são eficazes para evitar retrocessos autoritários?


Sim, mas ainda vemos que os agentes políticos insistem na visão de que a conscientização é algo que se faz no movimento dos que falam para os que escutam. Isso nunca irá gerar consciência. A consciência é uma opção desejante do indivíduo que busca no que o outro produz, seja um livro, um discurso ou uma obra de cultura, os elementos que fazem com que pense, entenda e tome decisões informadas. E é ilusória a noção maniqueísta de que existe uma consciência boa ou má. Existe a consciência e ela se alimentará do cardápio que a convencer. Assim, acredito que tenhamos que ser muito melhores nas formas de ouvir, de integrar, de comunicar e de dispor as trilhas dos saberes que possam garantir que não caiamos em retrocessos civilizacionais. O pior, é que no meio dessa lide ainda temos o profundo fosso da alienação das redes, uma cultura de inutilidade a serviço das novas formas do capitalismo contemporâneo. Não é um cenário fácil.


7. Qual a relação entre a crise do Estado liberal, do capitalismo e a ascensão do neofascismo contemporâneo?

Para mim é muito simples. O neofascismo é a tábua de salvação do estado liberal capitalista. Mas não estamos aqui falando dos liberais progressistas ou dos capitalistas que advogam o bem-estar social. Falo dos ultraliberais que desejam libertar-se completamente de qualquer limitação legal na sua capacidade de ampliar seus lucros e, para tal, precisam controlar definitavamente o estado. Para isso, atacam o estado em suas fragilidades, tentando convencer a opinião pública de que ele é algo unicamemente ruim, caro, ineficiente, perdulário, corrupto e que, para reverter isso, é preciso impor uma mentalidade e uma prática privatista, uma gestão pela eficicência a qual eles, os ultraliberais, se vendem como os unicos portadores e operadores. Na prática isso significa desregulamentar o trabalho aos limites da informalidade, fazer com que os ricos continuem a não pagar impostos ou que paguem ainda menos do que já pagam, que a riqueza continue concentrada, que o rentismo transforme as relações econômicas em um grande cassino especulativo. O povo trabalhador compra esse discurso pois ele é muito bem vendido e massificado. Conclusão, continuará sem os serviços sociais fundamentais, trabalhará cada vez mais em regimes de exploração acentuados, com menos proteação e tendo cada vez menos valor como cidadão. O neofascismo abre mão do controle econômico desde que este permita e sustente a casta ideológica e a casta corrupta no castelo alto que desejam estar. Desde que os ultraliberais concedam os recursos para as ementas, para os propinodutos, para os arranjos e combinações e que continuem pagando os mais diversos canais para propagar que todo esse ambiente de corrupção não existe ou só existiu no passado, eles podem fazer o que quiseram com o erário e com o povo. É um modelo de rapina.

8. Como você enxerga a participação pública no desenvolvimento e propagação de ideias autoritárias?


O debate público está posto em premissas falsas. Fala-se em uma polarização entre nomes, o que apenas interessa aos próprios nomes que estão nos polos da contenda e seus respectivos aliados. Acreditamos na falácia de que o país está dividido em dois, quando na verdade há uma movimentação muito mais complexa em curso. O neofascismo se aproveita desse clima de “nós e eles” para arregimentar cada vez mais adeptos e, para chegar aonde deseja, basta convencer uma maioria simples, vencer as eleições e ter os meios para construir uma opinião pública e comprar a bom preço os meios políticos para desmanchar impunemente as instituições que sustentam o estado democrático de direito. Não se fala em neofascismo. Quanto mais o debate público for um jogo de ataque e defesa e sobre temas pautados pelo neofascismo, ou seja, como mera posição reativa, não vamos avançar. Pelo contrário. Isso sem falar que há um fenômeno muito complicado também em curso que é o decolamento da escolaridade e do conhecimento. Nunca tivemos tantos formados e titulados cuja relação de produção e comprensão do conhecimento fosse tão limítrofe. Somado ao espaço das redes que estimulam, endossam e ressoam os “especialistas” de ocasião, com opiniões ou demonstrações de virtude aparente vazias e temporarias.


9. Quais são suas perspectivas em relação ao futuro, a política atual o avanço velado do neofascismo?

Não muito otimista. Há chances reais e sólidas dos neofascistas ampliarem seus espaços de poder e enraizamento nesse ano, pavimentando a ampliação e retomada do poder total em 2026. Por outro lado, quem são as novas lideranças capazes de construir pontes e levar o debate público de volta à rota da civilidade, do progresso, do desenvolvimento e da justiça social? Quais grupos estão se dedicando a qualificar o debate público? O que se vê é meramente um culto à personalidades. Há também muitas questões que estão se tornando perigosamente irreversíveis como a captura da política pelo centrão, o envolvimento dos poderes com a criminalidade, a corrupção e a impunidade institucionalizada pelos próprios pares políticos. E todos esses aspectos não são estranhos ao neofascismo.


Foto: Sophia Editora / Divulgação

10. Quais produções literárias inspiraram a escrita do seu livro? Houve algum?

Autores como Umberto Eco com o seu “Fascismo Eterno”, “Fascismo à Brasileira” de Pedro Dória, “Anatomia do Fascismo”, co Paxton e outros autores que gosto bastante e incorporo nas minhas reflexões como Byung-Chul Han, Hobsbawm, Daniel Arão, Yuval Harari, entre outros.

11. Se você pudesse mudar algo no mercado editorial brasileiro, o que seria?

Creio que um grande gap que observo é o da ponta, ou seja, o como o livro enquanto bem de consumo está ou não acessível. É assustador que tenhamos tantas livrarias fechando e espaços literários como cafés e similares estejam lutando para sobreviver. As bibliotecas no Brasil são pavorosamente escassas e mal estruturadas, salvo honrosas excessões, além das salas de leituras nas escolas que, geralmente, são arremedos, remendos de um espaço literário improvisado em todos os sentidos. Falta campanhas de incentivos, tirar essa pecha de que leitura é uma prática obsoleta. Os preços também acabam afastando e elitizando o hábito. Enquanto rolar feed não custa nada, comprar um ou mais livros é algo que pesa no orçamento da maioria das famílias. Não é que o livro seja caro, a distribuição da riqueza no país é que é vergonhosamente desigual e precarizante.


12. Qual sua dica para quem está iniciando o primeiro livro?


A escrita é um processo orginal e isso é o mais importante. É claro que há parâmetros como os de cada estilo, assim como a escrita acadêmica que tem as suas regras próprias, mas o importante é que possamos nos dedicar com muito zelo e cuidado em cada etada da construção. Outra coisa muito importante é a de não se deixar levar pela vaidade e pela ansiedade. Hoje, há muitos grupos que atendem pelos nomes de “academias”, “confrarias” e coisas do gênero que se transformaram em máquinas de fazer dinheiro produzindo medalhas, diplomas e “honrarias” em troca de “taxas de chancelaria”. Na prática, o autor acaba comprando esse “reconhecimento” e isso não tem nada a ver com a qualidade da sua obra ou o seu talento. Então, um conselho precioso, o livro pode ser lido por uma pessoa ou por milhões, o importante é que haja verdade tanto na escrita quanto na leitura e isso não se mede só pelo quantitativo. Já o sucesso é uma engenharia complexa e depende de fatores que vão muito além do talento. Por isso, é importante ter paciência e, caso deseje se tornar um escritor profissional, é necessário estudar e conhecer esse meio, como em qualquer profissão.



13. O que podemos esperar de seus próximos livros?


O projeto é a realização de uma trilogia. O próximo, que já estou escrevendo, será dedicado ao tema da liberdade e o terceiro vai se dedicar a cidadania. Todos terão o mesmo formato e proposta das 12 Lições.

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