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[RESENHA #973] Drácula, de Bram Stoker

Um dos maiores clássicos do terror gótico e da literatura universal, Drácula, de Bram Stoker, é responsável por concretizar no imaginário coletivo o vampiro moderno. Utilizando-se do artifício de cartas, diários e telegramas, Stoker dá voz a Mina Harker, Jonathan Harker, John Sweard, Lucy Westenra e ao dr. Abraham Van Helsing, seus célebres personagens, responsáveis por transmitir a gerações de leitores a história do terrível conde.

Acredita-se que, para escrever sua opus magnum, Bram Stoker tenha se inspirado na história real de Vlad III, o infame e cruel nobre que viveu na região da Transilvânia no século XV. A semelhança entre o nome da família de Vlad, Dracul, e drac, demônio, é apontada como provável fonte de inspiração.

Todos os detalhes desta brilhante obra encantam e assombram o público há mais de 120 anos. A tradução de Lúcio Cardoso, um dos mais importantes escritores e poetas brasileiros, vencedor do Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua produção literária, é um deleite à parte. Somado a isso, esta edição especial apresenta ilustrações digitais do também premiado artista gráfico Gustavo Piqueira, que baseou-se em frames do icônico filme Drácula (1931), estrelado por Béla Lugosi – outro grande artista responsável por consolidar na cultura mundial a figura do maior vampiro de todos os tempos.

Leitura imperdível para todos, de colecionadores a curiosos.


RESENHA


O romance de Bram Stoker, Drácula, é uma obra fascinante que nos remete a diferenças notáveis na percepção moderna do livro. Um exemplo disso é o fato de o Conde Drácula não ser ferido pela luz solar, uma característica que só foi introduzida no filme Nosferatu, muitos anos após a publicação do livro. Essa diferença evidencia um problema que os leitores modernos enfrentam ao se depararem com o romance de Stoker: estamos imersos na cultura pop e, portanto, carregamos toda uma bagagem quando tentamos nos envolver com a história.

O que poderia ser considerado uma reviravolta surpreendente para os leitores da época de Stoker, nem sempre possui o mesmo impacto para nós, leitores contemporâneos. No entanto, isso confere à história um nível de ironia dramática, aumentando o sentimento arrepiante de profecias ignoradas e destino predeterminado. O aviso ignorado pelos habitantes locais condenando Jonathan Harker ao seu destino, que na história original era uma mera subtrama, adquire um peso importante que permeia todas as cenas do livro, já que todos nós conhecemos a história.

Além disso, o livro apresenta detalhes e pontos da trama desconhecidos para aqueles que conhecem Drácula apenas através da cultura pop. Isso proporciona ao leitor o melhor dos dois mundos, acrescentando um elemento de horror à abordagem misteriosa de Jonathan Harker ao castelo, ao mesmo tempo em que mantém surpresas e reviravoltas na trama. Pelo menos, essa foi a minha experiência ao lê-lo.

A história começa com a jornada de Jonathan Harker pela Transilvânia até o castelo do Drácula, mesmo após ser avisado por moradores locais de que Drácula não é alguém para se visitar depois do anoitecer. É nessa seção que todo o contexto mencionado anteriormente vem à tona.

A preparação dramática para o encontro com Drácula é tensa e assustadora, especialmente sabendo-se que o aparentemente amigável anfitrião de Jonathan é tudo menos isso. A primeira parte do livro, narrada por meio das anotações em diário, é um exercício de pavor, com Jonathan gradativamente percebendo que seu anfitrião é algo desumano e totalmente maligno. O livro nos permite adentrar a mente de Jonathan, acompanhando sua paranoia e a sensação de algo incompreensível. O leitor se torna parte da história ao vivenciar o medo e a paranóia, ao ser colocado no lugar de Jonathan.

Embora não haja muitos acontecimentos nessa primeira seção da história, é como se muitas coisas estivessem acontecendo ao mesmo tempo. Uma crítica comum aos livros mais antigos é que eles não conseguem prender tanto a atenção quanto os livros modernos. Porém, isso não ocorre com Drácula. Os avisos sobre a escuridão da noite começam nas primeiras páginas e a história nos agarra, aumentando nosso medo pela segurança de Jonathan a cada frase.

Após essa seção inicial, que ocupa cerca de sessenta páginas e nos permite respirar, somos levados de volta a Whitby, na Inglaterra, onde se estabelece uma correspondência entre Lucy Westenra e Mina Murray, nossas duas heroínas. É nessa parte que o livro enfraquece um pouco, com longas passagens que retratam a vida cotidiana durante a era vitoriana. Essa seção é narrada inteiramente por meio de cartas, o que nos oferece duas perspectivas diferentes, libertando-nos da tensa e pegajosa paranoia presente no diário de Jonathan. Isso nos faz ansiosos pelo destino de Jonathan, enquanto observamos sua noiva e sua amiga discutindo assuntos banais. Com o triângulo amoroso envolvendo Lucy, começa a se desenrolar uma trama romântica. No entanto, um navio naufraga e a história se inicia de fato.

Não vou adentrar mais detalhes sobre o enredo, uma vez que a maioria de vocês já conhece o básico e ainda há algumas surpresas que prefiro deixar para aqueles que não estão familiarizados com as nuances da história. Escolhi essa seção específica porque ela é representativa do livro como um todo, apresentando uma alternância entre seções tensas e paranóicas do diário em primeira pessoa e passagens mais leves através de cartas ou múltiplas entradas de diário. O fato de o livro ser contado inteiramente por meio desses documentos contribui para uma sensação de realidade, como se estivéssemos assistindo a imagens encontradas, cientes dos pensamentos de diferentes personagens e obtendo uma visão de como suas mentes funcionam. Isso confere à história um ar de presságio, nos fazendo questionar como todos esses fragmentos se unirão, algo que também é explorado em muitos filmes de terror modernos (como o Projeto Bruxa de Blair).

Além disso, é curioso ver como tantas histórias góticas utilizam esse dispositivo de enquadramento. Frankenstein, por exemplo, começa com cartas, e Confissões de um pecador justificado, de James Hogg, é contada de forma metalinguística por meio de um dispositivo semelhante. No entanto, isso é apenas uma curiosidade à parte. O uso de cartas em Drácula nos permite entender e simpatizar com os personagens, captando seus verdadeiros pensamentos enquanto lutam contra Drácula. O livro brinca com esse formato, contando a história por meio de telegramas, recortes de jornais e anotações de diário diretas.

Os personagens principais são bem construídos, cada um com personalidade, peculiaridades e papéis distintos a desempenhar na trama. A história em si é emocionante, repleta das emoções dos personagens ao lidarem com questões de vida, morte e amor, de forma belíssima. Drácula aborda diversos temas, como selvageria, amor, religião, tecnologia e xenofobia, para citar apenas alguns. Após a leitura, fica-se refletindo por muito tempo, tornando-o leitura obrigatória para qualquer fã de terror ou vampiros. Drácula é para o romance de vampiros o que A Study in Scarlet é para os romances policiais: uma das primeiras, maiores e a história que introduziu o personagem nesses gêneros. Drácula é O vampiro e o romance de vampiros por excelência.

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