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[RESENHA #587] Esfarrapados: Como o elitismo histórico-cultural moldou as desigualdades no Brasil, de Cesar Calejon


 APRESENTAÇÃO

Em Esfarrapados, Cesar Calejon destrincha em detalhes os mecanismos culturais e históricos que explicam como as elites se formaram, como atuam para dominar a sociedade e como conseguem manter sua posição de comando e ampliar seus ganhos econômicos exponencialmente. Para que se compreenda como essas dinâmicas de exploração se dão, o autor nos apresenta o conceito “elitismo histórico-cultural”. Trata-se de uma força social que organiza os arranjos sociais com base em categorias de distinção, de forma a criar uma gramática da desigualdade e, em última instância, uma hierarquia moral que rege o funcionamento sociopolítico e socioeconômico de uma comunidade.

Cesar Calejon defende que as raízes do elitismo histórico-cultural estão presente nas sociedades humanas desde os tempos remotos, anteriores mesmo à Revolução Agrícola. O autor nos conduz ao longo do tempo e demonstra como seu conceito se aplica às diferentes sociedades em diferentes momentos históricos, indicando as Grandes Navegações e o advento da Revolução Industrial como trampolins que intensificaram radicalmente a sanha elitista. Assim, chegamos até o Brasil contemporâneo, onde as expressões do elitismo histórico-cultural – racismo, machismo, misoginia, LGBTQIA+fobia, capacitismo, viralatismo, entre outras – se consolidam como formas permanentes de dominação cultural e alicerçam nossa tradição em segregar, excluir e estigmatizar as minorias, tal é feito pelas ideologias brasileiras autoritárias, como o bolsonarismo.  

Por fim, o autor explica como os debates sobre determinação natural e os estudos culturais nos ajudam a entender de que maneira essas construções ideológicas da superioridade são disseminadas. E, principalmente, como essas estruturas de poder bem estabelecidas podem ser desmontadas, de modo a se distinguir quais são os problemas reais que devem ser superados para que a desigualdade social seja extinta de uma vez por todas.

RESENHA



Autor faz uma espécie de genealogia da elite no Brasil e descreve os mecanismos usados por ela para se manter no comando.

A obra do autor é mostra como os mecanismos da desigualdade se propagam entre as elites que criam as diretrizes da moral predominante nos fatores culturais e históricos para se estruturalizar e se manter no poder. Calejon, descreve que o elitismo histórico-cultural se mantém por meio do poder da ação no seio das questões políticas pré-existentes, subsistindo de forma categórica e arbitrária sobre os mais fracos, como forma de categorizar e arranjar os seios fundacionais das diretrizes do poder.

Cada aspecto do privilégio extremo, não apenas nacional, mas globalmente, começa com a premissa de que existem pessoas fortes e outras biologicamente fracas. O desenvolvimento humano é a base da cultura. Isso acontece culturalmente com base na biologia de nossa espécie. Quando você entende isso, você se apropria para entender que isso se aplica à forma como nossa sociedade é organizada

A obra se inicia com uma frase de Louis-Arnand de Lom d'Arce, de Lahontan, sobre os nativos ameríndios que haviam visitado a França, no livro mémoires de l'Amérique Septentrionale [Memórias da América Setentorial], 1705:

Eles estavam continuamente nos provocando com as falhas e desordens que observação em nossas cidades, como sendo ocasionadas por dinheiro. Não adianta tentar repreendê-los sobre o quão útil é a distinção de propriedade para o sustento da sociedade: eles não discutem, nem brigam, nem caluniam uns aos outros, eles zombam das artes e das ciências e riem das diferenças de classes que observa entre nós. Eles nos marcam como escravos e nos chamam de almas miseráveis, cuja vida não vale a pena, alegando que nos degradamos ao nos sujeitarmos a um homem [o rei] que possui todo o poder e não está sujeito a nenhuma lei, exceto a própria vontade [...].

A observação elaborada por Louis-Arnand é uma descrição clara e objetiva de como os fundamentadores das grandes elites enxergam e observam as diferenças existentes entre um povo e sua visão predominantemente pequena acerca da desigualdade social e coletiva. Um retrato conhecido e difundido na política, sobretudo, brasileira.

O segundo texto de abertura é um trecho do poema/música, guerra, de Bob Marley, onde o autor e músico faz alusão entre as diferenças existentes entre os povos dentro da sociedade responsáveis por atomizar não somente as diferenças dentro de uma nação, mas para existência da própria guerra, uma vez que falta-lhe o entendimento acerca da importância da variação de culturas em uma sociedade, na íntegra:

Até que a filosofia que considera uma ração superior e outra inferior seja final e permanentemente desacreditada e abandonada, em todos os lugares há guerra, digo guerra. Até que não haja cidadãos de primeira e segunda classe de qualquer nação. Até que não haja cidadãos de primeira e segunda classe de qualquer nação. Até que a cor da pele do homem não tenha mais importância do que a cor de seus olhos, digo guerra. Até esse dia, o sonho de paz duradoura, a cidadania mundial e o domínio da moralidade internacional permanecerão uma ilusão fugaz a ser perseguida, mas nunca alcançada, agora em todos os lugares há guerra.

Entre outros pontos, poderemos dizer que a sociabilidade atual se dá por meio da construção existente na diferença do povo, seja ela econômica ou racial, de todo modo, essa existência se dá pela acepção da relação entre os sujeitos econômicos, entre outras palavras, pode-se afirmar que a grande existência vertical do acúmulo predefinido pelo capitalismo é a zona crescente da oposição entre os povos.

Os capítulos da obra se dividem em 11 partes, cada qual desdobra-se sobre descrições precisas e históricas acerca da construção do elitismo no seio social, os capítulos analisam a desigualdade por diferentes óticas, o uso da ciência como descrição da seleção natural pré-existente e suas nuances, genética, o funcionamento e surgimento do elitismo, matrerialismo histórico e dialético e suas construções; política histórica e social, análise dos efeitos do elitismo histórico e cultural nos povos e na sociedade através do tempo, dentre outros.

A obra foi lida e indicada por Fernando Haddad como um tópico de extrema importância para leitura e informação, e devo acrescentar, ele está certo. Uma obra magistral que deve percorrer todo o seio social para que se alcance o maior número de leitores ao redor do mundo, uma análise precisa e cirúrgica.

O AUTOR

Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas, e mestre em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo. É autor dos livros A ascensão do bolsonarismo no Brasil do século XXITempestade perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil e Sobre perdas e danos: negacionismo, lawfare e neofascismo no Brasil.

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