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Resenha: Contra o Identitarismo Neoliberal: um Ensaio de Poíesis Crítica Pela Apologia das Artes , de Rubens Russomanno Ricciardi

Foto: Arte digital / Divulgação

APRESENTAÇÃO

A obra é um ensaio de poíesis crítica pela apologia das artes. Trata-se, na filosofia das artes, de uma nova epistemologia voltada às questões da linguagem e da ideologia – ao mesmo tempo hermenêutica e dialética, existencial e crítica. Se, em Marx e Engels, há uma práxis crítica e, na Escola de Frankfurt, uma theoría crítica, com a poíesis crítica pretende-se preencher a lacuna do esquecimento da poíesis e solucionar a confusão entre práxis e poíesis. Definindo a elaboração da obra de linguagem enquanto processo crítico-inventivo, a poíesis não é teórica nem prática. Para a poíesis crítica importa o lógos poético, prosseguindo não apenas os trabalhos iniciados por Heidegger, mas também desde Heráclito e Aristóteles. Com a poíesis crítica se evidencia o abismo que há hoje entre as artes e a indústria da cultura. Os estudos abrangem também as diferenças entre linguagem e comunicação; entre obra de arte e kitsch.

RESENHA

Rubens Russomanno Ricciardi, nascido em 1964, aborda questões urgentes relacionadas ao universo musical em seu ensaio, que incluem política, justiça social, ecossistema, poíesis e práxis. Ele denuncia a ocupação da indústria da cultura nos campos das linguagens artísticas, especialmente na música, e como teorias como a decolonização e o eurocentrismo são usadas para lucrar com o domínio das massas. Russomanno defende a necessidade de colocar a indústria da cultura em seu lugar e destaca a importância de distinguir arte dessa indústria. Ele critica a busca por sucesso imediato por gestores de instituições públicas, que desconsideram os processos civilizatórios que são desenvolvidos a longo prazo e alerta sobre os desastres que concessões no meio do caminho podem causar.

O autor esclarece que a poíesis crítica propõe uma abordagem que integra a questão da linguagem e da ideologia, buscando preencher a lacuna entre práxis e poíesis. O ensaio questiona o eurocentrismo e a decolonialidade, criticando a aversão às artes e à música geradas por ideologias neoliberais. O texto também aborda a crítica ao identitarismo e ao culturalismo, apontando para a influência da indústria da cultura dos EUA e a alienação e coisificação promovidas pelo neoliberalismo. Por fim, a estética, cultura, comunicação e identidade são conceitos vistos como neologismos tardios e extrínsecos à natureza da arte pela poíesis crítica.

Neste ensaio, o autor critica a colonização genocida promovida pela Europa ao longo dos séculos, destacando o racismo, a exploração mercantilista e a perseguição às minorias. Também aborda a resistência aos excessos de alguns grupos identitários neoliberais, que deturpam questões histórico-filosóficas e servem a novas ideologias colonialistas. O autor defende um estudo crítico sobre a eurocentricidade nas artes e a decolonialidade. Além disso, enfatiza a importância da poíesis crítica e da valorização das artes de todos os tempos e lugares, especialmente as brasileiras. Por fim, propõe um maior fomento às artes no Brasil e convida para um estudo conjunto visando uma discussão conceitual alternativa ao culturalismo e à hegemonia neoliberal na indústria da cultura.

Jean-François Lyotard pensou a pós-modernidade a partir da relação entre conhecimento e poder decisório do terror tecnocrata, mas o conceito acabou sendo adotado pela economia e pelas artes. No entanto, a ideia de pós-modernidade não faz sentido nessas áreas, uma vez que o neoliberalismo não representa a superação do capitalismo e a modernidade artística sempre esteve envolta em paradoxos desde suas primeiras gerações. O neologismo de decolonialidade de Aníbal Quijano também foi desvirtuado e acabou prejudicando os estudos de linguagem. Tanto pós-modernidade quanto eurocentrismo e decolonialidade, idealizados na esquerda, se tornaram pautas neoliberais, chegando a afetar a teoria e a subsistência das artes. Na América Latina, a aversão ao eurocentrismo acabou favorecendo a imagem dos EUA, estabelecendo o problema no eurocentrismo em vez do centrismo norte-americano.

O livro aborda a poíesis, que engloba artistas como poetas, arquitetos, coreógrafos, entre outros, e envolve os processos de concepção e produção de obras de arte. Destaca a importância da crítica e invenção na linguagem artística, discute a relação entre Marx, Engels e a ausência do conceito de poíesis, e explora a autonomia dialética da arte. O texto também menciona a importância da mímesis, do distanciamento crítico e da abstração na poíesis, ressaltando a necessidade de preservar a liberdade artística e evitar a alienação. Por fim, aborda conceitos como pólemos em Heráclito, a fusão de horizontes e a valorização da liberdade dentro das restrições na criação artística. A poíesis engloba a composição autoral e o tratamento inventivo do material artístico, enquanto a práxis é o processo hermenêutico de interpretação e execução corporal das fontes da obra. A técnica nas artes é essencial para a constituição da linguagem, representando uma essência ontológica que envolve tanto a poíesis quanto a práxis. O conceito de lógos, originalmente grego e relacionado à linguagem e inteligência, é fundamental para o entendimento das artes representativas, como teatro, dança e música. Heidegger ressalta a importância da alétheia, o desvelamento na linguagem, que diferencia a téchne, arte, da epistéme, conhecimento nas ciências. A distinção entre artista e artesão também é abordada, ressaltando a importância do know-how e do trabalho manual na técnica artística.

O texto discute a diferença entre a poíesis humana e a poíesis da natureza, destacando a monumentalidade da poíesis da phýsis. O autor argumenta que o Homo sapiens, sem sabedoria, se considera um Homo creativus, mas na verdade é um Homo stultus que perturba a natureza. É enfatizada a importância de distinguir entre a criação da natureza e as invenções humanas, assim como a necessidade de humildade e respeito diante da natureza. Além disso, é abordada a questão da relação entre a religião e a destruição da natureza, ressaltando a importância do cuidado com o meio ambiente. Por fim, são propostos quatro desdobramentos para o lógos humano: homologia, lógos filosófico, lógos poético e lógos corpóreo, discutindo a importância da theoría, poíesis e práxis nas artes e na filosofia, destacando a necessidade de uma visão crítica e existencial para compreender a complexidade dos fenômenos. A theoría é essencial para as ciências da natureza e a filosofia, bem como para a poíesis e práxis nas artes. A transformação do mundo depende de um pensamento crítico, da poíesis e do olhar profundo sobre as questões da essência para além da aparência. A poíesis é uma forma de utopia que transforma o mundo, enquanto a práxis política sem poíesis crítica pode levar ao fracasso. A arte e a filosofia radicais são fundamentais para compreender e transformar a realidade. O texto também critica a redução da teoria e da prática, enfatizando a importância da poíesis na criação artística e em outros campos como a engenharia e medicina. O esquecimento da poíesis prejudica não apenas as artes, mas também questões ideológicas e linguísticas, sendo essencial valorizar a invenção e a originalidade nas artes.

O ensaio também aborda questões como identitarismo, homossexualidade, luta pela igualdade social, história da homossexualidade na Alemanha, críticas de Marx e Engels, eurocentrismo, decolonialidade, arte brasileira, vandalismo, inclusão neoliberal, CAPES, ensino, pesquisa, extensão universitária, cultura na universidade, política cultural e autonomia das artes. Enfatiza a importância da pesquisa rigorosa, da crítica à sociedade repressiva, da arte como expressão da condição humana e do desenvolvimento de políticas que promovam a emancipação e a transformação social, concluindo assim, que, a linguagem, portanto, é essencial para a expressão artística, a compreensão crítica e a emancipação do pensamento crítico-existencial na poíesis crítica. Ela transcende a mera comunicação para se tornar a base da obra de arte e da reflexão filosófica, sendo fundamental para a compreensão do mundo e da existência humana.

O autor também aborda a questão do esquecimento da poíesis em Marx e Engels em relação a Max Stirner, destacando a importância da poíesis na produção artística e sua diferença em relação à produção de trabalho. Ele critica a falta de reconhecimento da poíesis na estética, ressaltando a importância da percepção sensorial e da habilidade inventiva na criação artística. O autor também menciona casos de censura identitária na arte, destacando a importância de valorizar a poíesis em vez de priorizar a práxis ou a representatividade em questões artísticas.

O autor reconhece a importância de valorizar a ancestralidade negra e indígena nas artes brasileiras, destacando a luta política e econômica por justiça, igualdade e dignidade. Discute a questão do racismo cotidiano e a importância de combinar raça e classe na luta social. Também aborda a questão do conceito de raça e sua relação com o racismo, defendendo a necessidade de preservar a memória dos artistas pretos e pardos no Brasil, desde o período colonial até os dias atuais. Além disso, questiona a visão deturpada de elitismo cultural por parte de alguns setores, destacando a importância dos projetos sociais e das escolas de música na formação educacional das crianças.

O autor entende que conceito de cultura passou por mudanças significativas desde o Iluminismo, deixando de ser associado apenas à agricultura e se tornando manifestação do intelecto humano. Nos tempos modernos, a cultura é confundida com arte, mas isso prejudica a compreensão da essência da arte. A divisão entre alta e baixa cultura é preconceituosa e não ajuda a compreender as artes. A ideia de cultura se generalizou e prevalece até hoje, mas pode ser prejudicial para as artes. A indústria da cultura, um monstro engendrado pela racionalidade, contribui para a confusão entre cultura e arte. A poíesis crítica busca emancipar as artes dos campos da cultura, comunicação e identidades. Atualmente, a cultura é predominada pelo kitsch e a arte é sufocada por ela. A cultura não pode se confundir com o mundo da vida, e a arte é uma exceção que se distancia crítica das ideologias culturais. Os processos de coisificação e alienação são intensificados pelo capitalismo neoliberal, que lucra com a cultura. A cultura contemporânea, produzida em série, se tornou um espetáculo kitsch do capitalismo predatório, que destrói as inteligências e linguagens humanas.

Nesta obra, expõe-se também que Mario Stoppino e Norberto Bobbio discutem os significados fraco e forte de cultura, fazendo paralelos com a ideologia em Marx e Engels. O significado fraco abrange todas as manifestações humanas, enquanto o forte se concentra na poíesis crítica. A cultura fraca relativiza todas as atividades humanas como arte e filosofia, mas não consegue diferenciá-las. No significado forte, a cultura se restringe ao costume, ao hábito, e à norma, além de buscar a exceção e a singularidade na superação da lógica de um sistema. O texto critica a priorização da indústria da cultura em detrimento das artes, defendendo a liberdade das expressões artísticas e alertando para a alienação causada pela invasão cultural. Estudos culturais devem valorizar a poíesis crítica e a liberdade inventiva das artes, fugindo dos padrões impostos pela indústria da cultura. Os casos de Bach e Beethoven são apresentados como exemplos de artistas que transcendem sua época e se destacam pela qualidade e originalidade de suas obras.

A discussão sobre a aporia entre conservador e progressista na poíesis crítica revela a incoerência e os engodos presentes nesse debate. A delimitação entre conservador e progressista acaba levando a caminhos viciados. A luta por preservar a natureza e a dignidade da vida humana é essencial, mas forçar uma definição simplista entre os dois extremos não reflete a complexidade da realidade. A dicotomia conservador/progressista não é suficiente para entender as nuances ideológicas e políticas em questão. Em meio a críticas à política econômica conservadora e à iconoclastia progressista, é possível perceber a complexidade das relações entre partidos políticos e ideologias. A resistência às invasões culturais e a valorização da poíesis como forma de transcendência são aspectos centrais na reflexão sobre os desafios contemporâneos das artes.

A obra de Rubens Russomanno Ricciardi destaca a importância de compositores como Bach e Mozart, considerados universalmente influentes. Questiona o relativismo cultural da indústria da cultura, que valoriza a diversidade, mas acaba impondo suas próprias ideologias. Discute também a diferença entre arte popular e indústria cultural, e aponta incoerências nas pautas identitárias neoliberais em relação às artes milenares, ressaltando a importância da integridade ontológico-poético-crítica e fazendo críticas a algumas posturas e práticas.

Apesar dos questionamentos e críticas apresentados, a obra de Rubens Russomanno Ricciardi se destaca por abordar questões urgentes e relevantes relacionadas ao universo musical e à indústria da cultura. Sua defesa da importância da poíesis crítica, da valorização das artes de todos os tempos e lugares, e do combate ao eurocentrismo e à colonização genocida são aspectos que merecem destaque. O autor demonstra um profundo conhecimento e reflexão sobre temas complexos como identitarismo, neoliberalismo, racismo e preservação da natureza, apontando para a necessidade de uma visão crítica e existencial para compreender e transformar a realidade. A obra de Rubens Russomanno Ricciardi contribui para ampliar o debate e o entendimento sobre as questões artísticas e culturais da atualidade, estimulando o leitor a refletir e se posicionar diante desses desafios.

Resenha: Luiz Gama Contra o Império: A Luta Pelo Direito no Brasil da Escravidão, de Bruno Rodrigues de Lima

Foto: Arte digital / Divulgação

APRESENTAÇÃO

“Luiz Gama contra o Império” marca um novo estágio nos estudos sobre a trajetória e a obra de Luiz Gama, este personagem tão importante de nossa história, nosso maior advogado, nosso abolicionista primeiro e um dos grandes pensadores da formação social brasileira. Bruno Lima dá corpo e nos permite um mergulho profundo no pensamento de Luiz Gama, mas também nas mazelas e nas possibilidades emancipatórias que fazem parte do Brasil." SILVIO ALMEIDA

"Se a História do Brasil fosse um misterioso quebra-cabeça e estivesse faltando uma de suas peças essenciais, você não levaria muito tempo para perceber que este livro é a peça que faltava." TÂMIS PARRON A Editora Contracorrente tem a satisfação de anunciar o lançamento do livro “Luiz Gama contra o Império: A luta pelo direito no Brasil da Escravidão”, de autoria do pesquisador Bruno Rodrigues de Lima, reconhecidamente o maior especialista na obra de Luiz Gama.

A obra, que nasce clássica, corresponde à versão revista e atualizada da tese de doutorado que o autor defendeu na Faculdade de Direito da Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main e que lhe rendeu o prêmio Walter Kolb de melhor tese de doutorado da Universidade de Frankfurt e a medalha Otto Hahn de destaque científico da Sociedade Max Planck.

RESENHA

A obra ressalta a importância de Luiz Gama como um pensador do Brasil, não apenas como um advogado e abolicionista. Ele foi fundamental na análise da realidade brasileira, criticando suas estruturas políticas e jurídicas. Sua luta pela abolição da escravidão também estava ligada à necessidade de uma mudança política, mostrando que a liberdade dos escravizados dependia da liberdade do país de suas amarras políticas e econômicas. Além disso, Luiz Gama também trouxe a questão africana para a formação do Brasil, sendo um defensor da liberdade dos africanos trazidos à força para o país. O livro "Luiz Gama contra o Império" marca um novo estágio nos estudos sobre Luiz Gama, destacando sua importância como advogado, abolicionista e pensador da formação social brasileira.

O livro é uma versão revista e atualizada da tese de doutorado de Bruno Rodrigues de Lima, defendida em 2022. O trabalho recebeu prêmios e reconhecimento acadêmico. O autor agradece aos professores, ao Instituto Max Planck, colegas acadêmicos, funcionários de arquivos, equipe da editora Contracorrente, amigos e família. Ele também destaca a importância da orientação de seu orientador, Thomas Duve, e do apoio de diversos professores ao longo de sua formação acadêmica.

A obra se inicia narrando os acontecimentos em 1880, quando o juiz Lúcio de Mendonça escreveu o primeiro perfil biográfico do jurista Luiz Gama, destacando a importância do direito na vida e na luta contra a escravidão de Gama. Mendonça sugeriu que a história do jurista deve ser estudada através do direito, e não da política ou do romance. A vida de Gama é marcada por suas atividades como soldado, amanuense, advogado e teórico da sociedade, desenvolvendo uma literatura normativo-pragmática voltada para a produção de liberdade. Seu legado é ressaltado como fundamental para a compreensão da história do direito no Brasil do século XIX, fazendo com que a história do labirinto na literatura ocidental foi reinterpretada por Jorge Luis Borges em 1947 em seu conto "A casa de Astérion", oferecendo uma nova visão do mito do Minotauro. Borges humanizou o monstro, que antes era visto apenas como irracional, trazendo a solidão e o pensamento à sua personagem. Posteriormente, o texto aborda a relação entre o Brasil do século XIX, visto como um labirinto de nações, e a política do contrabando negreiro, que direcionou a entrada de milhões de africanos no país, influenciando a luta pela liberdade dos negros escravizados e libertos. A trajetória de Luiz Gama, nascido na Bahia em meio a essa realidade, é apresentada como um exemplo de resistência e luta por liberdade em um contexto marcado pelo contrabando e pela escravidão.

Na novela Bartleby, o escrevente, o advogado narra a contratação do misterioso Bartleby, que entra para seu escritório como um copista dedicado, mas se recusa a fazer qualquer coisa, respondendo apenas com um "preferiria não fazer". A recusa de Bartleby começa a influenciar os outros personagens, levando-o a perder o emprego e acabar na prisão. O comportamento de Bartleby é interpretado de diversas formas por críticos literários, relacionando-o com a modernidade e a alienação do trabalho. O texto também explora a relação do autor com o direito e a burocracia, destacando a atuação de Luiz Gama na defesa dos direitos dos africanos livres em São Paulo durante o século XIX, mostrando como ele utilizou seu conhecimento normativo para garantir a liberdade dessas pessoas. No entanto, Luiz Gama assumiu o papel de liderança na redação do jornal Radical Paulistano, dedicando-se principalmente a temas jurídicos. Suas crônicas forenses abordavam injustiças e abusos cometidos pelo sistema judiciário, como casos de escravos submetidos a torturas e mortes brutais. Gama utilizava a literatura para denunciar a violência do sistema escravista e a corrupção na administração da justiça, confrontando diretamente juízes e autoridades que permitiam esses abusos. Com uma abordagem crítica e contundente, ele questionava a moralidade e a justiça do Império do Brasil, defendendo a liberdade e os direitos humanos em meio a um cenário de opressão e desigualdade.

Em março de 1872, o jurista Rudolf von Jhering proferiu uma conferência acadêmica em Viena, intitulada "A luta por direito", que teve grande impacto na literatura jurídica de diversos países. Jhering propôs o conceito de "luta" como fundamental para interpretar a história do direito, afirmando que todas as conquistas do direito foram alcançadas através de lutas árduas. Ele mencionou a abolição da escravidão como um exemplo marcante dessa luta pelo direito. Em seguida, o texto aborda a trajetória do jurista Luiz Gama na década de 1870, destacando sua atuação em uma ação judicial na comarca de Santos, envolvendo a partilha do inventário do comendador português Ferreira Neto. Gama solicitou informações sobre os escravos deixados pelo comendador, buscando compreender a situação desses indivíduos e possivelmente garantir-lhes a liberdade. Essa ação judicial foi um dos episódios marcantes da atuação de Gama na defesa dos direitos dos escravizados.

Em fevereiro de 1940, o poeta Paulo da Portela, junto a Cartola e Heitor dos Prazeres, tentou desfilar junto à escola de samba Portela, mas foram impedidos pela diretoria por não estarem trajando as cores da escola. Paulo ficou magoado e se afastou da Portela por nove anos. Após a sua morte, a escola o homenageou diversas vezes, mas a ferida do desentendimento ainda doía. Da mesma forma, Luiz Gama, abolicionista, foi esquecido e seu legado foi distorcido por outros historiadores, como Joaquim Nabuco, que preferiam creditar a liderança a outros. Apesar disso, o povo negro nunca deixou o nome de Paulo da Portela e Luiz Gama caírem no esquecimento, mantendo sua memória viva através da tradição oral, imprensa negra e celebrações anuais. A escola de samba Portela se comprometeu a recontar a história de Luiz Gama em seu desfile.

O estudo apresentado na obra pelo autor é extremamente relevante ao destacar a importância de Luiz Gama como pensador do Brasil, indo além de sua figura como advogado e abolicionista. No entanto, a obra poderia se aprofundar mais na análise do impacto das ideias e ações de Gama na sociedade brasileira da época, bem como em sua relevância para os dias atuais. Além disso, o texto poderia abordar de forma mais crítica as interpretações distorcidas de seu legado por parte de outros historiadores, como Joaquim Nabuco, e ressaltar a importância de preservar e perpetuar a memória de figuras como Luiz Gama na história do Brasil.

[RESENHA #957] O cárcere da agonia, de José Louzeiro, Marcos Meira & André Di Ceni

Escrita com muita vivacidade e contundência, a obra resgata os relatos colhidos durante os mutirões carcerários promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008, os quais escancararam os inúmeros e brutais episódios de violação a direitos humanos básicos nos presídios brasileiros.

Partindo do entendimento de “que o problema não decorre apenas de décadas de negligência, com políticas públicas reiterada e sistematicamente ineficientes, mas também de uma insensibilidade social profunda”, os autores, em exercício de empatia e de suspensão de julgamento, dão voz aos apenados e egressos. Assim, conhecemos histórias repletas de injustiças e (finalmente) justiças, lances de sorte e azar, julgamentos e discriminações, marginalização e ressocialização, degeneração e regeneração, voltas e reviravoltas de personagens como Beatriz, Simone, Guilherme e Raimundo José, nomes fictícios (usados para a proteção dos entrevistados), mas cujas histórias são profundamente humanas e “correspondem a processos judiciais reais, representativos de inúmeros outros em situações análogas, de pessoas esquecidas pelo sistema prisional”.

Como salienta o ministro Gilmar Mendes, que assina o prefácio do livro: “ouso dizer que a presente obra, além do resgate histórico, marca, no Brasil, o trabalho de vigilância e de revisão das prisões, que deve ser permanente e interinstitucional para que os casos emblemáticos trazidos à lume passem cada vez mais a serem exceções, e não regra”.

RESENHA

O cárcere da agonia, de José Louzeiro, Marcos Meira e André Di Ceni, é um livro que resgata os relatos de pessoas que foram presas injustamente ou que sofreram violações de direitos humanos nos presídios brasileiros. O livro se baseia nos mutirões carcerários realizados pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008, que revelaram as condições precárias e desumanas do sistema prisional. O livro dá voz aos apenados e egressos, mostrando suas histórias de injustiças, lutas, superações e ressocializações. O livro tem o prefácio do ministro Gilmar Mendes, que destaca a importância do trabalho de vigilância e de revisão das prisões para evitar que os casos de abusos se repitam. O livro é uma obra pungente, que denuncia a violência física, social e institucional, mas também celebra os exemplos de dignidade e de esperança dos sobreviventes.

A obra é uma forma de expor como os encarcerados são submetidos a tratamentos desumanos, seguindo um regime rigoroso que viola em todos os aspectos o Estado Democrático de Direito. Porém, a obra não se limita apenas aos casos de violação, mas também aos casos de tratamento elaborados na perspectiva humana e nos cuidados essenciais à vida.

O capítulo 1, súplicas do Ceará, nos detalha com ricos depoimentos a vida, a vivência e a ressocialização de encarcerados. A população prisional do estado do Ceará era de 13.307 pessoas, sendo 12.799 homens e 508 mulheres, internados em 300 unidades prisionais, entre penitenciárias, colônias agrícolas, cadeias públicas e hospitais psiquiátricos. (p.23).

Um dos casos mais tocantes presentes no capítulo é o primeiro, o relato e a história de Raimundo José. Ele conhece Marta, uma funcionária do departamento pessoal com quem desenvolve um relacionamento às escondidas. Porém, Raimundo se envolve com outras pessoas durante o namoro com Marta, esse envolvimento o leva a cometer pequenos delitos, mas ela decide tirá-lo desse desvio. Tempos depois, ele é libertado e começa a trabalhar como motoboy na secretaria de justiça, através do Núcleo de Assistência ao Presidiário e Apoio ao Regresso (NAPAE), órgão responsável pela inserção dos presidiários no mercado de trabalho.

Outra história, que, de certa forma, demonstra um total desequilíbrio em relação ao funcionamento do cárcere privado e sua manutenção, é a de Jerônimo Xavier. Ele era de uma família humilde que passou por provocações em relação à sua sexualidade. Morava com a mãe em um lar sem a presença paterna, pela morte precoce do pai. Ele residia em uma casa apertada com um dos irmãos chamado Josafá. Na década de 1980, Josafá disparou diversas vezes contra uma vereadora local por uma acusação, que ele considerava falsa. Esse acontecimento fez com que Jerônimo recebesse toda a culpa, o levando novamente ao cárcere.

Jerônimo foi então preso de forma separada dos demais encarcerados, pelo fato de ser soropositivo, e colocado em uma cela de segurança máxima. Em 2011, em virtude da virtualização de seu processo, ele não obteve êxito em um novo julgamento de soltura.

A obra continua narrando a vida de encarcerados que foram presos de forma injusta ou que acabaram pagando pelo erro de outros. Simone se apaixonou por Rafael aos 17 anos, o que ela não sabia é que durante uma viagem, ele, por sua vez, estava decidido a se vingar do ex-padrasto por ter abandonado sua mãe com câncer, o que lhe causou tristeza profunda e o falecimento precoce.

A obra segue analisando casos distintos em diversas cidades de estados ao redor do Brasil, como Maranhão: o caso de Marco Aurélio e Mathias; Bahia: Juan Perez e Ângelo Fernandes; Amazonas: Carlos Alves; Goiás; Distrito Federal, dentre outros.

A obra se finaliza com uma reflexão sobre a obra em relação a uma crítica que revela que o sistema carcerário brasileiro se assemelha ao sistema carcerário medieval. Os autores também falam sobre a importância de refletir sobre as políticas públicas e a forma como o sistema trata e retrata as vidas em julgamento.

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