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Entrevista: João Carlos Viegas, autor de ❝O terceiro cúmplice❞

João Carlos Viegas nasceu no Rio de Janeiro, um roteirista de rádio e tevê com persistência para ser escritor. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro se formou em Letras e na Universidade Federal Fluminense, em Comunicação Social/Jornalismo. Além de O Terceiro Cúmplice, escreveu os romances O Segredo dos Nomes, Um sábado depois do fim do mundo e Segura essa, JDSalinger; com o último ganhou o prêmio Álvaro Maia de melhor romance no I Prêmios Literários Cidade de Manaus, em 2006. Também publicou Carmem Costa, uma cantora do rádio, livro sobre importante fase da música popular brasileira. Atualmente, trabalha no romance Incidente Joana D’Arc.

Hoje, o autor nos conta um pouco sobre o enredo e processo criativo de uma de suas obras mais proeminentes.



Como você descreveria a personalidade de Garret?

R.: Alguém que não se adapta à realidade e busca um universo paralelo.  Nestes tempos de metaverso, Garret é um personagem contemporâneo.


A cena inicial do livro é bastante dramática, com Garret tendo que vestir seu pai morto. Como essa cena estabelece o tom para o resto do livro?

 A morte tem sempre um ritual em todas as comunidades e religiões.  Ao vestir o pai morto, Garret dá o toque ritualístico ao livro.  Tal atitude é importante para se entender as obsessões do personagem.


Garret é descrito como um “contador de histórias fenomenal”. Você pode compartilhar mais sobre o que torna suas histórias tão cativantes?

Garret busca uma realidade paralela e tal patamar só pode ser alcançado com a criação de histórias.  Por isso, ele fala da tia que cantava óperas.  Por isso, busca na memória lembranças como o pai subindo as escadarias da Penha de joelhos para pagar promessa.  Garret é um espectador das histórias que conta, talvez, essa postura o faça um contador especial de casos. A menina com a estrela de David no tornozelo e o professor Gedeão que fala com os mortos são fundamentais para o encanto de Garret como contador de histórias.


Garret também é um “narrador não confiável”. Como isso afeta a maneira como a história é contada e como o leitor percebe os eventos?

Todo contador de história não é muito confiável.  Machado de Assis nos ensinou que “Quem conta um conto aumenta um ponto” e Fernando Pessoa classificou o poeta como um fingidor.  Acredito que Garret é por aí.


O pai de Garret teve um surto psicótico e subiu de joelhos a escadaria da Igreja da Penha. Como esse evento moldou Garret e sua visão de mundo?

Pagar promessas é um ritual que afeta a cabeça de quem testemunha esse ato de fé extrema.  Imagine um menino vendo o pai se flagelando?  Claro que essa visão fez de Garret alguém que deseja a purificação através do sacrifício e ele não se poupa porque sabe que as conquistas que almeja vão exigir flagelos.  Nem sempre físicos, mas flagelos.


O livro é descrito como tendo um “tom de comédia”. Como você equilibra os elementos de comédia com os temas mais sérios do livro?

Da mesma forma que nos equilibramos num mundo onde crianças judias, palestinas e ucranianas são massacradas em guerras estúpidas. O humor (é isso aprendi no tempo em que convivi com grandes humoristas quando fui roteirista do Chico Anysio) não é um riso inconsequente.  Pelo contrário, com humor se faz críticas contundentes.  Ditadores têm aversão ao humor porque sabem que é a forma mais eficaz de mostrar como o opressor é ridículo.  Em “O Terceiro Cúmplice”, acredito que consegui esse tom crítico através de situações de humor num enredo sério.


Como a realidade paralela inventada por Garret ajuda a escapar do cotidiano que lhe entedia?

Garret (não pronunciem “garré” porque ele não gosta) busca o equilíbrio no universo paralelo, o equilíbrio que a realidade não lhe permite. É estranho, não é? Tentativa de fugir da realidade para se equilibrar.  Mas é isso que Garret quer.  Talvez, ele seja uma Inteligência Artificial. Mas é humano.


Quais são alguns dos personagens icônicos, cenários oníricos e desfechos improváveis que os leitores podem esperar encontrar no livro?

O mendigo sem rosto, a menina com a Estrela de David no tornozelo, a vizinha Amália e o grupo que se reúne no edifício onde Garret foi morar.  Tudo e todos têm um tom de mistério que vai sendo desvendado e mais intrigante a trama do livro se torna.  Por isso, “O Terceiro Cúmplice” é um livro que dá prazer a quem lê.


Sem revelar muito, o que os leitores podem esperar do final da história? O final do livro surpreende porque não apela para a “revelação de segredos”. Naturalmente, o leitor vai entendendo o que acontece e conclui: “Ah! Então, era isso!”. Tenho certeza de que leitoras e leitores vão gostar do final porque é construído por quem lê o romance.


Como você descreveria seu estilo de escrita e como ele evoluiu ao longo de sua carreira?

Misturo tudo.  Meu estilo é a mistura de estilo.  Roteiro de rádio e tevê, palavras-cruzadas, oralidade… sou um mestiço brasileiro com um estilo de escrever buscando essa mistura. 


Quais autores ou obras literárias influenciaram seu estilo de escrita?

São muitos.  Machado de Assis e Nélida Piñon.  Oscar Wilde e Vinícius de Moraes.  JDSalinger e Cervantes.  Tantos e tantas.  Aprendi muito ouvindo rádio também.


Como você equilibra o desenvolvimento do enredo e a profundidade dos personagens em sua escrita?

Procuro criar o personagem dentro do enredo.  Sempre penso como alguém agiria envolvido em tal história.  Dessa forma, começo a pensar como se fosse o personagem naquela situação.  Aprendi isso no jornalismo e procuro trazer para a ficção.  Parece que tem dado certo.


Você pode compartilhar um pouco sobre seu processo de escrita? Por exemplo, você esboça a história completa antes de começar a escrever, ou você permite que a história se desenvolva à medida que escreve?

Primeiro, vem a história na minha cabeça.  Depois, vou adaptando as cenas, os personagens, as situações...... como meus livros não são lineares (princípio, meio e fim de forma rígida) comparo minha escrita à montagem de um jogo.  As peças vão encaixando na história e formando o livro.


Quais são alguns dos desafios que você enfrentou ao escrever este romance e como você os superou?

O maior desafio de um escritor brasileiro é escrever. O que ouvi e ainda ouço que brasileiro não lê e — quando lê — não lê escritor nacional.  Uma vez, uma idiota falou que minha escrita é carioca demais e leitor brasileiro não gosta de cariocas.  Portanto, o desafio está fora do livro: é chegar ao leitor.  Por isso, sou persistente e escrevo na tentativa de vencer os desafios.


Como a experiência de João Carlos Viegas como jornalista, roteirista e radialista influenciou sua abordagem à literatura?

 A minha experiência profissional me fez escrever de forma diversificada.  Na forma e no conteúdo, procuro produzir uma obra capaz de atingir o maior número possível de pessoas.  Com esse objetivo, misturo ficção com documentário, prosa com poesia.  A música popular brasileira também tem grande influência no que escrevo.  Acredito que devo isso à experiência em rádio e tevê.  Mas o que faço é literatura e é como escritor que eu quero ser reconhecido.

[ENTREVISTA] Debora Sapphire, autora de “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta”

Debora Sapphire fala sobre o processo de criação de seu segundo livro, bem como do seu primeiro na categoria juvenil, intitulado “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta”. A autora, também conhecida pelo romance “O Mistério da Mansão Walker”, revela detalhes sobre as novidades editoriais, futuros lançamentos, seu processo criativo e sua nova personagem.

1. Como surgiu a ideia para escrever “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta”?

A ideia de escrever “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta” surgiu a partir de um edital da Lura Editorial para uma antologia de contos de fadas que aquecem o coração. Decidi seguir caminhos diferentes para a publicação do conto e encontrei na Amazon uma forma de dar mais destaque à história.


2. Qual foi a inspiração por trás da personagem Ruby, a pequena bruxa ruiva?

A inspiração para criar Ruby veio do desejo de escrever uma personagem que a Debora adolescente ou criança gostaria de ler. Visualizei uma protagonista mirim com personalidade única para estrelar uma história cativante.


3. Como você abordou a temática do luto e da autodescoberta na história?

Abordei as temáticas de forma sensível e natural, pois são assuntos comuns na vida humana. O luto é uma experiência que todos enfrentamos em algum momento, e a autodescoberta é essencial para o crescimento e formação de um indivíduo.


4. Em sua opinião, qual é a importância de trazer personagens femininas fortes e independentes em livros infantojuvenis?

É fundamental trazer protagonistas femininas fortes e independentes na literatura infantojuvenil. Muitas vezes, os livros dessa faixa etária são escritos por homens e apresentam personagens masculinos como principais. É importante que meninas inteligentes, independentes e cheias de personalidade se vejam representadas nas histórias, independentemente da idade delas.


5. Como você equilibrou a magia e a realidade na trama do livro?

Busquei equilibrar a magia e a realidade na construção da narrativa. A ficção se apoia na realidade, mesmo sendo uma criação imaginária. Nesse sentido, trouxe influências da cultura wicca e abordei temas como violência doméstica, preconceito e diferenças culturais presentes em nossa sociedade.


6. Qual é a mensagem principal que você gostaria que os leitores tirassem de “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta”?

Embora haja uma mensagem central, acredito que cada leitor pode interpretar e tirar diferentes mensagens preciosas dessa história. No entanto, acredito que a principal seja valorizar o que já temos em vez de idealizar algo diferente, e que o autoconhecimento é fundamental para encontrar nosso lugar no mundo.


7. Como foi o processo de criação dos personagens secundários, como a raposa e o caçador?

Apesar de serem personagens secundários, a raposa desempenha um papel importante na história, sendo o espírito familiar da pequena bruxa. O processo de criação desses personagens foi tranquilo, pois ambos têm relevância na trama do conto, seja de forma direta ou indireta.


8. Quais são os desafios de escrever para o público infantojuvenil?

Escrevi o livro pensando em um público amplo, incluindo jovens e adultos. Não houve limitação em escrever apenas para o público infantojuvenil, pois desejava que a história pudesse ser apreciada por todas as idades.


9. Como você acredita que a literatura pode contribuir para o desenvolvimento das crianças e adolescentes?

Acredito que a literatura desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Essa fase é decisiva para a construção psicológica e emocional de um indivíduo, e os livros podem contribuir para a formação de caráter, além de estimular a criatividade e a imaginação.

10. Quais são as suas maiores influências literárias ao escrever um livro do gênero fantasia?

Como leitora ávida de histórias de fantasia, minhas maiores influências vêm das leituras que fiz ao longo de minha vida. Essas influências moldaram minha escrita e meu amor pelo gênero fantástico.


11. Você teve que fazer alguma pesquisa específica para escrever sobre bruxas e magia?

Confesso que criar histórias sobre bruxas e magia se tornou uma especialidade minha. Por isso, é um tema confortável para mim escrever sobre. No entanto, mesmo sendo uma parte característica das minhas histórias e trazendo essa identidade como escritora, eu sempre faço pesquisas antes de compor uma trama para construir uma narrativa verossímil.


12. Como você desenvolveu a narrativa reflexiva e acolhedora presente em “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta”?

Para desenvolver a narrativa reflexiva e acolhedora em “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta”, sem dúvida, foi preciso me colocar no lugar do leitor. Eu queria transmitir emoções e sensações ao leitor durante a leitura dessa história, e para isso, eu precisava sentir essas emoções primeiro.


13. Quais são as suas técnicas para criar um mundo de fantasia envolvente e cativante?

Olha, eu não tenho técnicas específicas para criar um mundo de fantasia envolvente e cativante. Como mencionei anteriormente, a história precisa me conquistar e cativar antes, enquanto me coloco no lugar do leitor. Uma vez que isso acontece, sei que as chances desse mundo ser capaz de envolver e cativar outros leitores são altas.


14. Você já tinha em mente que “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta” seria um livro infantojuvenil desde o início do processo de escrita?

Sim, primeiramente porque é um gênero em que eu já tinha interesse em me aventurar. Minha mãe é pedagoga e professora do ensino infantil, então eu já tinha o desejo de escrever um livro que ela pudesse usar em sala de aula. Com certeza, ainda haverá versões ilustradas e adaptação em quadrinhos do livro no futuro. Além disso, assim que surgiu a oportunidade de embarcar nesse projeto, eu não perdi tempo. E quando falo em oportunidade, também me refiro a investimento financeiro.


15. Como você lida com o feedback dos leitores, especialmente quando se trata de um livro voltado para crianças e adolescentes?

Eu procuro lidar com o feedback dos leitores das minhas obras de forma aberta, compreendendo que cada experiência de leitura é única. Gosto da frase: "cada leitor só consegue ler com os olhos que tem". A experiência de leitura, tanto positiva quanto negativa, depende exclusivamente do leitor. Meu trabalho como escritora já foi entregue e passou pelas mãos de diversos outros profissionais para oferecer um resultado de qualidade aos leitores. Geralmente, a recepção dos livros voltados para o público infantojuvenil é mais acolhedora. São os adultos arrogantes que costumam complicar as coisas em relação ao feedback (risos).


16. Quais são os seus maiores desafios ao escrever um livro para essa faixa etária?

Penso que um dos maiores desafios ao escrever um livro para essa faixa etária é manter a linguagem acessível e moderada para estimular a imaginação e a memória afetiva dos jovens leitores. Hoje em dia, é necessário ter cuidado ao abordar temas sensíveis. Também há a proposta de trazer diversidade e aprendizados ao introduzir reflexões relevantes de maneira lúdica.


17. Como você acredita que “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta” se diferencia de outros livros do mesmo gênero?

Acredito que “A Pequena Bruxa e a Raposa da Floresta” se diferencia, em primeiro lugar, por ser escrito por uma escritora que é uma bruxa de verdade. Portanto, trouxe muito da filosofia da cultura wicca para esse livro, apesar da mistura de fantasia e magia presente na história. Em segundo lugar, mesmo sendo uma obra infantojuvenil, o livro possui uma complexidade que apenas os adultos serão capazes de entender melhor. Ou seja, aqueles que lerem o livro quando crianças ou adolescentes e relerem quando adultos irão compreender muito mais coisas presentes entre as linhas dessa história. Isso se dá pela expansão do repertório do leitor.


18. Quais são seus planos futuros como autora? Podemos esperar mais histórias envolvendo a personagem Ruby?

É interessante dizer que, como escritora, costumo publicar surpresas, pois gosto de surpreender meu público com uma nova história. Apesar de meses e até anos de planejamento por trás de uma publicação, eu sou mais reservada no sentido de não revelar muito para as pessoas. No entanto, se houver novas histórias envolvendo a personagem Ruby, isso dependerá da recepção do público.

Posso revelar que ainda haverá a publicação física do meu livro de estreia do ano passado, “O Mistério da Mansão Walker”. E já estou trabalhando no segundo livro dessa duologia, que será o desfecho. Aqui, em primeira mão, revelo que essa sequência de "O Mistério da Mansão Walker" já tem título: “O Segredo de Forestland”, com lançamento previsto para 2024.


19. Que conselho você daria para jovens escritores que desejam entrar no mundo da literatura infantojuvenil?

Um conselho que eu daria para jovens escritores que desejam entrar no mundo da literatura infantojuvenil (e não só para eles), é que se eles têm uma história para contar e acreditam que ela fará diferença na vida de alguém, de um leitor ou leitora, então contem essa história da melhor maneira possível, sempre escrevendo de forma responsável.


20. Qual é a importância da literatura infantojuvenil na formação de leitores e na promoção do hábito da leitura desde a infância?

Essa é uma questão muito importante, pois, como eu já disse anteriormente, a literatura infantojuvenil é essencial na formação do caráter dos novos leitores. Incentivar a leitura de bons livros e criar o hábito de ler desde a infância é fundamental para construir uma sociedade mais empática, criativa, benevolente, bem informada, justa e tolerante.

A AUTORA

Debora Sapphire é o pseudônimo de uma influencer literária, resenhista e colunista. Bacharel em Comunicação Social. Mora no interior de SP.

Atualmente, ela fecha trabalhos de publicidade como profissional freelancer no mercado editorial. É uma jornalista entusiasta da literatura e leitora beta nas horas vagas.

Além de trazer consigo um senso crítico considerável para abordar com autoridade assuntos sociais e temas atemporais necessários a fim de levar reflexão importante aos leitores

Escritora de "O Mistério da Mansão Walker". Adora escrever sobre protagonistas complexas e em suas histórias reina o empoderamento feminino.

Aos 26 anos, já realizou diversas parcerias e entrevistas com autores nacionais ao longo dos últimos cinco anos. E segue em sua página do blog Amante da Arte da Literatura e nas redes sociais como @sapphiredebbie, divulgando autores nacionais contemporâneos em prol da valorização de toda a ampla literatura nacional. Curadora @clubeliteraturanacional.

“Sob a Luz Negra”: suspense psicológico de André Souto questiona a condição destrutiva do homem enquanto espécie


André Souto (@andresouto_escritor) é servidor do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) e conhece bem as estruturas de segXurança pública. “Sob a Luz Negra” (Editora Penalux, 220 pág.), seu romance de estreia, ambientado em Brasília, onde o escritor mineiro reside, apresenta um panorama do cárcere e violência urbana no país, provocando discussões sociais, políticas e existenciais. A obra está concorrendo ao Prêmio Literário da Fundação Biblioteca Nacional (categoria Romance - Prêmio Machado de Assis).

O assunto complexo é conduzido através da escrita descritiva de André em um livro que cerca um mundo negligenciado pela população – mas diretamente relacionado ao bem-estar comum. A leitura apresenta as ‘regras do jogo’ entre policiais e bandidos, investigando a maldade humana, sem deixar a desejar no suspense e estabelecendo uma trama envolvente. Uma adaptação para o teatro está sendo preparada pela companhia “Fábrica Grupo de Teatro”, sob produção e direção de Wellington Dias, e será anunciada em breve.

Narrado por um protagonista paranoico, o livro é, como explica o próprio autor, uma metáfora sobre verdades e evidências fora do espectro visível, onde nada é o que parece. À medida que a história avança, os medos dos personagem passam a transbordar as páginas até revelar o que uma pessoa é capaz de fazer quando vê sua sobrevivência em risco – e nas palavras de André, “quando se torna uma ameaça à própria espécie”.


Drama psicológico envolto de um relacionamento conturbado e uma realidade assombrosa


A história introduz seu personagem principal em meio a uma fuga, sem maiores detalhes, para logo depois revelar como ele e a esposa grávida vieram a ocupar uma casa abandonada no meio do nada. Oscar e Nina vivem como se cada passo pudesse os levar para um beco escuro e sem saída. Ele é agente num presídio federal de segurança máxima e lida todos os dias com líderes de facções e alguns dos bandidos mais ferozes do Brasil. Em razão de sua função, a mente perturbada de Oscar faz com que adote rígidos protocolos de sobrevivência e imponha a sua esposa seus medos, arrastando-a para o centro de suas paranoias.

O casal lida com a pressão sofrida por Oscar no trabalho e com as condições de seu relacionamento, uma vez que Nina também lida com um transtorno de saúde relacionado ao controle de seus impulsos. E chega a desenvolver certo fascínio por armas à medida que o pânico e os sentimentos pelo marido se misturam.

André abre seu romance com “O homem é o lobo do homem”, citação inserida em “O Leviatã”, obra mais famosa de Thomas Hobbes. Com a sentença, o autor reflete sobre a natureza violenta da humanidade. Hobbes acreditava que o ser humano precisa ser regido por leis para coibir essa essência de dominação e brutalidade. “O Leviatã” e o pensamento do filósofo inglês são o ponto de partida para a concepção de “Sob a Luz Negra”.

“Tracei um drama psicológico começando a pensar em um enredo o qual permeia a tensão interna e externa de um casal’’, afirma o autor, que cita também como referências diretas da obra “O estrangeiro”, de Albert Camus, “O Senhor das Moscas”, de William Golding”, “Ilha do Medo”, de Dennis Lehane e “Gog Magog”, de Patrícia Melo. Também o influenciam como escritor Machado de Assis, Augusto dos Anjos, Álvares de Azevedo, Milton Hatoum e Ana Paula Maia.

O escritor explora as tensões existentes entre poderes políticos, a força policial, a imprensa e os encarcerados. Ele conta que escolheu o tema para retratar a partir do cotidiano de pessoas comuns os medos e anseios dos indivíduos que compõem a organização do Estado e da sociedade. Não à toa, as neuroses de seu protagonista se manifestam por vozes que Oscar chama de seu “animal interior” – e enxerga a população carcerária como “lobos” prontos para devorá-lo.

“Sob a Luz Negra” tece um romance que, além das reviravoltas, surpreende e cativa os leitores pelo domínio que o autor tem de seu universo. André consegue não apenas fazer com que seja possível encarar o mundo pela perspectiva obscura e doente de Oscar, como também o torna possível assimilar os elementos presentes em sua rotina de trabalho.

Além do Direito, André diplomou-se Mestre em Engenharia Civil e em Geografia pela UFG. Fora os textos acadêmicos, escreveu e protagonizou a peça "Ventre Nosso", produzida profissionalmente para o Ministério da Saúde em 2004, com espetáculos em várias capitais. Entre os anos de 2017 e 2020 foi agenciado pela Increasy. Na bagagem do autor, também estão ‘Ossos do Clima’, novela literária publicada em 2017 e o e-Book ‘‘Anjos do Haiti’’, que concorre ao Prêmio Kindle de Literatura em 2023. Seu próximo romance está em desenvolvimento e também se passa em Brasília.

Confira um trecho de “Sob a Luz Negra”:


‘‘Somos selvagens, dotados de uma malignidade intrínseca e imutável. É a ação coercitiva do Estado que mantém a ordem entre os seres humanos, inaptos por natureza para viverem em grupos. (...) Ao conhecer as engrenagens do crime, como nascem os lobos, logo se nota que, na realidade, as forças de segurança são as somas de todos os medos, uma máquina que gira seus mecanismos para combater a violência com mais violência, quando lhe é conveniente’’. (pág. 99)


Adquira a obra direto na loja da Editora Penalux: https://www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/sob-a-luz-negra

ENTREVISTA | O prazer e a dor de amadurecer: uma entrevista com a escritora potiguar Clara Bezerra sobre o livro “Roupa de Ganho”

Composto por um pouco mais de 100 poemas e aforismos, Roupa de Ganho” (Editora Paraquedas, 140 pág.), primeira obra de Clara Bezerra (@clara_bezerra), presenteia o leitor com versos que descrevem as dores, os prazeres e os desencontros do crescimento. Para revestir as emoções, a autora se vale de um vocabulário ancorado na geografia marítima. As águas, portanto, são abundantes na escrita, e povoam o livro em suas mais diferentes formas, trazendo consigo um sem número de metáforas possíveis. 


A nomenclatura dos capítulos, inclusive, fazem alusão a esse universo. São eles: Córrego, Correnteza, Travessia, Mergulho e Fôlego. Em cada um, a escritora busca agrupar poemas relacionados e que de alguma forma conversam entre si. A cadência da escrita segue a metáfora dos nomes dados a cada parte do livro com a dramaticidade dos versos dilatando à medida que as páginas são viradas, como se fosse a metamorfose da inocência para consciência. 


As águas que se derramam por toda a obra tem influência do território ocupado por Clara Bezerra da infância até os dias de hoje. A potiguar, nascida em Acari e criada em Cruzeta, municípios vizinhos e que ficam a cerca de 215 km de Natal, hoje, adulta, vive na capital do Rio Grande do Norte. Formada em Letras - Língua Portuguesa e em Comunicação Social - Publicidade, Clara tem especialização em Planejamento Estratégico em Comunicação e mestrado em Estudos da Mídia. Trabalha com Comunicação Institucional e escreve de forma paralela, além de estudar psicanálise e dançar por prazer. 


Confira a entrevista completa com a autora:


O que motivou a escrita do livro? Como foi o processo de escrita?

Este livro é a reunião de textos que escrevi desde os 20 anos, portanto, são os registros de processos de vida que se passaram em mim nos últimos 15 anos. Eles falam do meu amadurecimento, do meu caminho de me tornar adulta e mulher, das coisas que perdi, dos lugares por onde passei, dos meus medos, mas principalmente da minha coragem porque também é uma exposição muito íntima. Como poesia, não é linear, não conta uma história com início, meio e fim e o processo de decisão em fazê-lo também não foi assim. Pensei em fazê-lo inicialmente há uns cinco anos. Reuni o que tinha e desisti. Há dois anos decidi retomar o projeto. Filtrei os textos que já tinha escolhido, adicionei outros, pedi a uma amiga que me ajudasse com a ordem e a estrutura. No final de 2022 entrei em contato com algumas editoras e decidi publicá-lo pela Paraquedas.

Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam?

Acho que a palavra que mais tem neste livro é água. A segunda é casa. Não são os temas, mas são significantes que dão uma certa condução ao livro. Eu diria que ele fala dos caminhos que uma mulher fez para validar sua existência, com fluidez como a água, mas na busca do abrigo que encontramos em uma casa. É uma mulher nordestina que sai do seu lugar de origem e passa por muitos outros, buscando construir um lugar de morada dentro de si. O nome “Roupa de Ganho” veio de uma inspiração nas lavadeiras que conheci na minha infância. Essa expressão era usada na cidade onde cresci para designar as mulheres que lavavam roupa como trabalho. Quando postei a capa do livro uma amiga historiadora perguntou se tinha a ver com “escravos de ganho”. Fui pesquisar o que era e descobri que lavagem de roupa era um dos serviços que esses escravos prestavam a fim de receber renda, a qual era revertida em parte para os “seus donos”. A capa do livro é uma foto de 1886, de lavadeiras, e imagino que poderiam ser escravas. Alguns textos do livro trazem essa temática, especialmente o da página 57 (óvulo). Essa coincidência me lembra também o misticismo e a intuição que estão no poema “água de anil”, na página 16. Este título, inclusive, seria o nome do livro. Mudei em uma conversa com uma amiga, quando falei a expressão “Roupa de ganho” e ela perguntou do que se tratava. A partir daquele momento considerei que esse outro título dava mais concretude ao livro. Por se tratar de caminhos, busca, também o vejo como um processo de libertação. Ele está dividido em cinco partes: Córrego, que traz o início desse percurso; Correnteza, quando essas águas que vão seguir começam a ficar mais fortes, mais volumosas e mais claras do que são; Travessia, que marca os lugares atravessados; Mergulho, tocando a busca pelo amor, e Fôlego, dedicado ao trabalho com a palavra, que dá forma a isso tudo.

Por que escolher esses temas?

Eles não foram escolhidos, foram percebidos e extraídos dos textos escritos nesses últimos 15 anos. Como uma admiradora da psicanálise, é como se fossem a leitura extraída do inconsciente, que aos poucos vai construindo uma história e um conhecimento não conhecido. Eles foram sendo construídos no meu percurso de vida e de escrita.

Quais são as suas principais influências literárias? 

Cresci lendo os livros da biblioteca pública da cidade onde morava e do armário da minha mãe, que era professora de Língua Portuguesa. Meus primeiros contatos foram quase que diretamente com os clássicos da literatura brasileira e portuguesa: li uma coleção inteira de Aluísio de Azevedo com cerca de 12 anos, se não me engano, além de Machado de Assis, José de Alencar, Eça de Queiroz e por aí vai. Uma paixão dessa época é José Mauro de Vasconcelos e o Meu Pé de Laranja Lima. Minha mãe não gostava muito de poesia, lembro de apenas um livro de poemas entre os que ela guardava: Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade. Encontrei a poesia nos trechos que vinham nos livros didáticos da escola e em outros materiais. Desde o início me fisgaram. Eu saltava as páginas dos livros de Língua Portuguesa no início do ano para ver o que encontrava. Então, inicialmente, foram os poetas brasileiros, principalmente os do Modernismo, que costumavam estar mais presentes nesses materiais. Depois fui encontrando aos poucos, aleatoriamente, e construindo um caminho de leitura que me levou a Cecília Meireles, Hilda Hilst, Ana Cristina Cesar, Manoel de Barros, Drummond, Orides Fontela, entre outras e outros.


Que livros influenciaram diretamente “Roupa de Ganho”?


Os que li nesse percurso, mas alguns de forma mais forte. Penso que existe nele as marcas de uma melancolia que encontrei em um José Mauro de Vasconcelos e em um Manuel Bandeira, de uma certa coragem e transgressão de uma Ana Cristina Cesar, de um misticismo que vi em Hilda Hilst, de uma certa doçura que encontrei em Cecília Meireles, de uma força transformadora que vejo em Drummond e de uma simplicidade que aprendi com Manoel de Barros.


Tenho um texto que gosto muito sobre essa minha relação com os livros. Vou deixar aqui o link: https://medium.com/@clarabezerra/carta-de-amor-aos-livros-c90ff769a3cb

Escreve desde quando? Como começou a escrever?

A primeira lembrança de escrita que tenho é de quando eu tinha oito anos. Estava na segunda série e a professora trouxe um poema para a gente copiar em um cartão para o Dia das Mães. De forma muito espontânea, sem nem perguntar se podia, eu não copiei o poema: fiz os meus próprios versos. Lembro até hoje: “Mamãe, mamãezinha, / Me ensina por favor / Esse mistério tão bonito / Que é o amor”. O cartão eu dei para minha mãe e ela perdeu, mas também lembra até hoje das palavras. Depois disso, a escrita sempre foi minha companheira, mas era algo muito secreto, que eu não mostrava a ninguém. Com as redes sociais, comecei a compartilhar algumas coisas, mas sempre de uma forma muito espontânea também, como legendas de fotos e reações a coisas que sentia. Lançar este livro é dar concretude à pessoa que venho me tornando, mas também de dizer para mim mesma: sim, eu escrevo.

Como você definiria seu estilo de escrita?

Difícil para mim dizer isso. Como água, acho que é fluido, mas consistente, formando imagens fortes, mas de forma cuidadosa e delicada. Ele se aprofunda nos dilemas de uma mulher, mas faz isso de uma forma simples, ao passo que leitoras e leitores de diferentes formações podem se atrair e se identificar.

Como é o seu processo de escrita?

Espontâneo, acho que essa é a melhor palavra. Quando o texto vem não espera e também não dificulta a escrita (talvez por isso também seja fluido). Posso trabalhar também de uma forma determinada e objetiva, mas a grande maioria dos textos que estão neste livro surgiram de forma espontânea, sem planejamento: como se eles simplesmente saíssem de mim, claro que com um trabalho posterior de burilamento, às vezes até reescrita.

Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?

Não. Pretendo experimentar uma rotina de escrita para ver o que sai disso, mas até agora, tudo o que escrevi de forma paralela ao trabalho de comunicadora veio de forma espontânea.

Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?

Neste momento, curtir o lançamento deste que é o meu primeiro livro.

[#LeiaNacional] Entrevista com Cris Oliveira, autora de ❝Escova de dentes❞


Com uma escrita experimental, que traz influências da poesia concreta, da poesia narrativa e do haicai japonês, "Escova de dentes” (104 pág) é o livro de estréia da bibliotecária paulistana Cris Oliveira (@cris_taiane), uma das finalistas da chamada de publicação em poesia da Editora Claraboia. Publicado pelo selo de publicação assistida da Claraboia, a Editora Paraquedas, o livro tem orelha assinada pela escritora Ana Rüsche, finalista do Prêmio Jabuti em 2019. 


Nascida em 1974 em São Paulo, capital, Cris Oliveira é formada em Biblioteconomia e Documentação pela USP e trabalha com gestão de coleções digitais e metadados na sede da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra, na Suíça, onde reside. Participou em antologias da I Jornada de Poesia Virtual e do VI Festival de Poesia de Lisboa, tem textos publicados na Ruído Manifesto, selo Off Flip e no blogue da Bibliotrónica Portuguesa da Universidade de Lisboa. 


Hoje, Cris nos conta um pouco mais sobre como se deu seu processo criativo em uma entrevista esclarecedora. Confira abaixo:

1. Escova de dentes é um livro sobre cotidiano e sobre como somos afetados por momentos, tensões e sentimentos no decorrer do dia a dia, porém, a obra não constitui um fio condutor, tornando a leitura fluida e única para cada leitor. Como optou por escrever uma obra nesta temática e com essa forma tão específica?

Sim, escrevi os poemas ao longo de quatro anos a partir de observações e reflexões feitas durante minhas perambulações e em momentos do cotidiano que envolvem desde tarefas triviais a experiências mais importantes como relações e sentimentos. Essa pergunta é muito boa porque me obriga a tentar entender a minha escrita, coisa que ainda não domestiquei, e que também não quero. Acho que a obra foi tomando um rumo sem eu me dar conta, e durante o processo surgiram perguntas, crises e muita reescrita. Encontrei poemas mais antigos que estavam na gaveta e que cabiam, e assim acho que foi nascendo o conjunto da obra, que fui descobrindo enquanto fazia. Acho que isso é o que mais gosto da escrita, a descoberta, seja fechando um poema com um verso ou uma rima, seja na revisão, na construção e reconstrução. Citando Peninha, “quando a poesia fez folia em minha vida”, o que mais me fascinava, e ainda me fascina, é a ideia da poesia nesse lugar onde tudo é possível, que nos convida a sair do costumeiro, de regras e formatos, de padrões, que nos convida a mudar o olhar. Eu acho que feras devem ser eternamente feras, e a escrita é isso pra mim, um bicho lindo, um instinto de criação que vem da natureza, de fora e de dentro da gente, que cria e recria sem parar, com a qual devemos conviver e compartilhar, não controlar. Momentos bons são momentos de harmonia com essa força, a poesia só pode ser isso, e é preciso entender menos e sentir mais. Pensar com o corpo. Esse é o lugar onde quero estar. A poesia é o portal e é o destino ao mesmo tempo. Gosto muito das provocações, do encanto poético, alguns poemas são mesmo respostas a poemas de grandes mestres, um atrevimento que é todo meu nessa experimentação que flerta com o sublime da poesia concreta, do haicai e da poesia narrativa. Talvez seja esse um fio condutor, a poesia experimental, essa forma. E, quando prestamos atenção, o ponto exato está ali, num detalhe. A palavra é o invento que faz o livro. Enfim, a poesia é tão primorosa que ela pode ser o que ela quiser, gosto de pensar que ela me dá carona. A última parte do livro, “Free soul”, é também essa afirmação. 

2. O título do livro é homônimo a um de seus poemas que exprime toda ideia central da obra. Ele foi o primeiro a ser escrito? Como optou pelo nome da obra?

Na verdade, o poema de título homônimo ao título do livro é um dos mais recentes, eu acho que foi o penúltimo poema que escrevi antes da publicação. Dar títulos a poemas não é uma tarefa fácil para mim. Eu brinco que um título pode ser um spoiler ou pode arruinar um poema, sobretudo quando limita a interpretação e condiciona a leitura. O Escova teve dois outros títulos, um pouco tristonhos. Precisei entender o que queria com minha escrita; gosto do encantamento da poesia através do humor, do jogo de palavras e de imagens. Foi relendo o “Escoliose” da Ana Frango Elétrico e o “Grapefruit” da Yoko Ono que tomei coragem de ousar, e o título veio do poema “visual arts”, e já tinha escrito o poema da epígrafe, que passou a ser epígrafe quando escolhi o título. “Hábitos atômicos” veio depois. Em espanhol tem uma palavra que eu adoro (por sua sonoridade e significado), que é “desubicado”, que é algo ou alguém fora do lugar, e a escova de dentes na geladeira é arte, é distração e é provocação para sair do piloto automático. O Escova talvez seja um livro desubicado.

3. Uma obra que aborda coragem e determinação ao mesmo passo em que somos tomados por sentimentos e aflições, um convite a encorajar-se nas questões difíceis. O caminho percorrido nas linhas tem algum motivo específico? por que decidiu falar sobre sentimentos de forma tão implícita?

Touché. Puxa, eu acho uma maravilha essa troca que a poesia proporciona, gosto de pensar que podemos ter a arte como cura porque ela é, é nosso alento, é inspiração, é nossa voz, é nossa resistência, é nossa união e identidade, individual e coletiva. Não é possível nadar no mar sem sentir a força das ondas, é meio clichê, mas a vida são esses movimentos, são momentos, a sensação que o tempo nos dá de ancorar, de não dar mais pé, de afundar, ou de boiar, esse entendimento de que é uma parceria mais do que uma luta para poder seguir nadando. Ao mesmo tempo, o poeta é um fingidor, bem disse Fernando Pessoa, os últimos anos não foram fáceis para ninguém. Quiçá na minha busca pela palavra exata, as dores sou eu e o verso são os outros. Quanto à franqueza, vou culpar a minha lua em virgem.

4. Pretende lançar outras obras dentro da mesma temática?

Eu gostaria muito de, independentemente do tema, conversar mais com o lirismo contemporâneo, que pra mim é um lirismo sem frescura, é lúcido, crítico e bem humorado, é popular e sofisticado ao mesmo tempo. Este é um desejo que surgiu quando li Marília Garcia, Alice Sant’anna, Filipa Leal e Ana Martins Marques: gosto da poesia narrativa. Talvez seja a continuação ou o contar de uma história o que me atrai como próximo desafio. Por outro lado, sempre gostei de poemas curtos. Quanto ao tema, eu ainda não sei ao certo, mas estou num ponto de inflexão na minha vida e novas reflexões não faltarão.

5. Como você se sente com as recepções que sua obra vem tendo?

Quando eu comecei a escrever eu não sabia o que queria com minha escrita e não imaginava que chegaria a publicar um livro. Eu fazia postagens de versos novos no instagram ou mostrava para pessoas mais próximas, e só quis publicar o livro quando me senti menos insegura (demorou). Pula para 2023, meu livro foi lançado em maio e tive um retorno muito caloroso da minha família e amigos num primeiro momento. Como novata, estou aprendendo os tempos do livro e me surpreendendo com o seu alcance. Gosto muito de como as leituras podem ser variadas, aprendo com cada comentário que me mandam e com as resenhas, me emociono. Adoro quando me mandam mensagens: até agora foram todas positivas. Veremos!

6. A obra possui uma divisão específica em capítulos que leva o leitor a uma abordagem metodológica em relação ao porvir, por que optou por não usar um sumário em sua obra?

Originalmente, no processo de organização do livro, quando criei as quatro partes, também criei um sumário, mas não entrou na diagramação.

7. Qual sua relação com a poesia? Por que decidiu escrever uma obra poética?

Gosto muito de contar essa história, meu contato diário com a literatura e o cancioneiro popular começou desde muito criança, eu acho que é o caso de muitos brasileiros, somos muito musicais. Digo isso porque eu acho que as rimas e as métricas da canção e como e onde ela nos toca, tudo isso foi muito importante na minha formação de poeta. Eu gostava das aulas de redação na escola, nunca abandonei a leitura, mas no mercado de trabalho só escrevia textos técnicos, e-mails e memorandos. Eu acho que meus poemas, que brotavam diariamente, surgiram num primeiro momento de uma necessidade de expressão, talvez de uma crise precoce de meia idade e de identidade, na minha condição de estrangeira morando em Genebra. Genebra é uma cidade internacional onde a gente anda de ônibus e ouve cinco ou seis línguas facilmente, é algo fascinante. Eu tinha perdido um pouco o contato com o que estava acontecendo na cena musical brasileira contemporânea antes de descobrir o programa Som a Pino da Roberta Martinelli, quem gentilmente topou assinar a quarta capa do meu livro. E quis muito que fosse assim por ela ter sido o cupido. A Roberta faz um trabalho muito lindo, ela mantém um espaço importantíssimo para artistas fora do mainstream e para nós ouvintes e amantes da música. Eu jamais tomaria conhecimento, morando longe do Brasil, de tanto repertório. Então foi mesmo um marco importante, foi quando eu passei a frequentar shows de música e voltei a escrever cada vez mais, até que decidi me matricular no curso de poesia da Universidade de Oxford. Nessa época, ainda não havia cursos à distância em língua portuguesa, muito menos de poesia.

8. Todo seu manuscrito nos leva para reflexões diárias e algumas até passageiras, qual a relação do seu emocional no ato da escrita com o resultado final da obra?

Alguns poemas que compõem o Escova de Dentes passaram por diferentes fases. Acho que sim, o emocional está presente até nesse inventar. Eu já chorei e já ri com meus próprios poemas, e ainda acontece. No início, ousava mais e era mais ingênua, e fui amadurecendo a escrita com leituras e reescrita. Nessa persistência, que durou dois anos, eu acho que consegui tirar o eu da poesia. Nos cursos discutimos a questão do distanciamento necessário para que o poema não seja sobre ou para mim mesma. Aprendi diferentes técnicas, mas não gosto de formas predefinidas e regras na hora da criação, tenho a impressão que o consciente é para reescrever, a criatividade e a loucura para criar precisam de outros recursos mentais ligados à espontaneidade e ao inconsciente, e por que não, à emoção.

9. Qual conselho daria para quem está começando seu primeiro livro?

Eu acho que participar de saraus, bate-papos de literatura, clubes do livro, cursos e oficinas, e enviar poemas para revistas e blogs independentes de literatura são excelentes oportunidades para mostrar nosso trabalho e ao mesmo tempo conhecer outros poetas e leitores de poesia. Eu uso as redes sociais e acho que funciona para ganhar seguidores e também conhecer o trabalho de outros poetas, às vezes acontece toda uma troca de dicas e de belezas. Ou seja, tirar os poemas da gaveta, revisá-los e organizá-los, circular sem medo de se expor, é um bom começo para depois publicar. Já com o manuscrito organizado, eu recomendaria fazer uma leitura beta ou crítica como parte do processo de revisão e finalização antes de mandar para as editoras. 

10. Quais são seus projetos para seus próximos livros, o que podemos esperar por aí?

Ainda não tenho projeto de livro, mas continuo escrevendo. Em maio sucumbi às tais newsletters e criei o “Poetim Frívolos Trejeitos”, um boletim poético de notícias do momento, é meu flerte com a prosa, que na verdade é um desejo de prosear com leitores. Estou começando, e aqui fica o convite para quem quiser acompanhar (vou adorar): https://crisoliveira.substack.com. Tem até uma carta pra Clarice Lispector. Além disso, meus planos até o final do ano são curtir a publicação do “Escova de dentes” e me dedicar ao estudo e prática de tradução literária.

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