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Resenha: Em agosto nos vemos, de Gabriel García Márquez

Foto: Arte digital

 

APRESENTAÇÃO

Todo mês de agosto, Ana Magdalena Bach pega uma barca para uma ilha caribenha a fim de colocar um ramo de gladíolo no túmulo de sua mãe. Todos os anos, ela se hospeda em um hotel e, antes de dormir, desce para comer algo no bar. Para não ter erro, ela pede sempre o mesmo sanduíche de presunto e queijo e depois sobe para seus aposentos. Até que, certa vez, um homem a convida para uma bebida. E, depois do primeiro gole de seu gim com gelo e soda, sentindo-se atrevida, alegre, capaz de tudo ― inclusive de se despir de suas amarras conjugais, esquecendo momentaneamente marido e filhos ―, ela cede aos avanços do desconhecido e o leva para seu quarto.

Essa noite específica faz com que Ana Magdalena ― e sua vida ― mude para sempre. E, depois dessa experiência, ela passa a ansiar por cada mês de agosto, quando não apenas visita o túmulo de sua mãe como também tem a chance de escolher um amante diferente todos os anos.

Escrito no estilo fascinante e inconfundível de um dos maiores ícones da literatura latino-americana, Em agosto nos vemos pinta o retrato de uma mulher que descobre seus desejos e se aprofunda em seus medos. Uma preciosidade que vai encantar fãs do saudoso Gabo, assim como novos leitores desse grande escritor.


RESENHA


A narrativa nos apresenta a personagem principal, Ana Magdalena Bach, uma mulher de quarenta e seis anos que retorna à ilha onde sua mãe está enterrada. Através de uma descrição detalhada de suas ações e pensamentos, somos levados a conhecer um pouco mais sobre a vida e os sentimentos dessa mulher solitária e introspectiva.


Ana Magdalena Bach é retratada como uma mulher reservada, de poucas palavras, que mantém uma rotina anual de visitas à ilha para prestar homenagem à sua mãe falecida, onde se desnuda de seus compromissos, filhos, matrimônio - e de toda história deixada para trás. No entanto, nessa viagem em particular, ela se envolve em um encontro inesperado com um homem misterioso no hotel em que está hospedada.


Seu nome era Ana Magdalena Bach, tinha completado quarenta e seis anos de vida e vinte e sete de um matrimônio bem estabelecido com um homem que amava e que a amava, com quem se casou sem terminar o curso de Artes e Letras, ainda virgem e sem ter namorado antes. A mãe tinha sido uma célebre professora de escola primária montessoriana que, apesar de seus méritos, não quis ser outra coisa até o último suspiro. Ana Magdalena herdou dela o esplendor dos olhos dourados, a virtude das poucas palavras e a inteligência para controlar seu temperamento [...] (p.17).


O encontro entre Ana Magdalena e o homem desconhecido é descrito de forma sensual e delicada, mostrando a vulnerabilidade e a ousadia da personagem. A autora nos leva a acompanhar a intimidade revelada entre os dois, em meio a uma tempestade que ecoa as paixões e conflitos internos da personagem.


[...] só restavam três casais em mesas dispersas, e, bem na frente dela, um homem distinto que não tinha visto entrar. Usava linho branco, os cabelos metálicos. Tinha na mesa uma garrafa de brandy, uma taça pela metade e parecia estar sozinho no mundo. [...]  Achou que o homem da mesa da frente não a tinha visto, mas o surpreendeu observando-a quando o fitou pela segunda vez. Ele enrubesceu [...] Ela se apressou em atacá-lo com beijos suaves na orelha, no pescoço, ele a procurou com os lábios e os dois se beijaram na boca pela primeira vez.  (p.19 - 22).


Após a aventura, ela se depara com a partida repentina do homem e a solidão que se segue para Ana Magdalena, evidenciando a efemeridade dos momentos de prazer e a complexidade das relações humanas. - Só então se deu conta de que não sabia nada dele, nem mesmo o nome, e a única coisa que restava de sua noite louca era um triste cheiro de lavanda no ar purificado pela borrasca. Só quando apanhou o livro na mesinha de cabeceira para guardar na maleta foi que percebeu que ele havia deixado entre suas páginas de terror uma nota de vinte dólares. (p. 23)


Com uma prosa cuidadosamente construída e um olhar apurado para as emoções e desejos dos personagens, o livro nos envolve em uma história de encontros fugazes e descobertas pessoais. A personagem de Ana Magdalena Bach, com sua dualidade entre a responsabilidade cotidiana e a busca por conexões emocionais, se revela como um retrato fascinante da condição humana.


Magdalena sente durante o retorno à barca, que jamais voltaria a ser a mesma mulher após aquele encontro. Como lidar com um encontro efêmero que nos marca profundamente, e talvez, para sempre? Ao retornar para sua rotina em casa, ela percebe que tudo está diferente, e que algo havia mudado, o que a faz começar analisar sua casa e a rotina fio por fio, até entender, em certo ponto, que ela é quem havia mudado de dentro para fora.


Embora não estivesse ciente das razões de sua mudança, tinha algo a ver com a nota de vinte dólares que levava na página cento e dezesseis de seu livro. Ela tinha padecido com um sentimento insuportável de humilhação e sem um instante de sossego. (p.25)


Ela então sente-se, em partes, culpada por sua aventura, o que a faz confrontar seu marido sobre a noite anterior, o fazendo ficar sem entender nada. A conversa se extende até banheiro onde ambos se deliciam com a água correndo pelo corpo. Ele se chamava Doménico Amarís, um homem descrito como extremamente educado, bonito, fino e muito bem estruturado financeiramente. O relacionamento de ambos toma contornos de tensão e desconfiança, enquanto ela, Ana Magdalena, culpabiliza os recentes comportamentos de sua filha rebelde, Micaela, pelo ocorrido, o que claro, é rebatido pelo marido: você voltou assim.


— Fiz alguma coisa errada? — Não sei, porque nem eu mesma tinha percebido — respondeu ela, com o temperamento que tanto assombrava o esposo. — Mas talvez você tenha razão. Não será a impertinência de Micaela? — É anterior a isso — disse ele. E se atreveu a dar o passo final: — Você chegou da ilha assim.


Após este episódio, Ana Magdalena Bach, viaja novamente para ilha para visitar o túmulo de sua mãe, onde, por ironia do destino, é convidada por um homem jovial à dançar, ao qual ela, conhecedora da dança e suspeita da idade dele, o guia pelo salão. Eles tomam champanhe e ela o segue até o quarto em um encontro casual e quente descrito com o tecido mais leve e fino da sensualidade dos encontros casuais. Mais tarde, ela encontrou o homem do ano seguinte, na barca que a levava para a ilha. 


Ana Magdalena Bach encontra o advogado Aquiles Coronado no barca para a ilha, onde relembram sua longa amizade e flertam discretamente, tentando seduzir-la ao longo dos anos, mas ela mantém a amizade sem ceder às investidas amorosas.


Ela retornou para casa e confrontou o marido com inúmeras perguntas, tentando descobrir se ele encobriria, de alguma forma, um episódio de traição enquanto sentia um peso na consciência pelo acordo silencioso que nutririam à anos quando se casaram, tinha dito a ele que não se importaria se ele fosse para a cama com outra, com a condição de que não fosse sempre com a mesma, ou que fosse só uma vez. Após indagá-lo sobre como fora o procedimento dele em relação à aventura fora do casal, ambos acabaram em risos frenéticos, mas não sem antes, ela se esvair em fúria e ódio.


Ao regressar no ano seguinte à ilha, Ana se depara com a ajuda de um estranho para conseguir um novo quarto, desta vez, em um outro hotel. Eles se encontraram e ela se deleitou em como ele a tratou com tanto amor e suavidade, mas acabou rasgando seu cartão de visitas no final da noite para não sobrar rastros de suas aventurais anuais. Ela então regressa para casa, sente a indiferença da família devido aos inúmeros compromissos do marido com o trabalho, do filho com a música e da filha pela vida no convento. Ela então começa a refletir sobre como os encontros inundavam a forma com a qual ela enfrentava o relacionamento e enxergava a si própria, ela então retoma à ilha no ano seguinte decidida a acabar com as aventuras de uma noite só. O enredo se acaba com uma cena pouco provável ou imaginada pelos leitores, mas que evoca, em uma única linha, o âmago das decisões bem pensadas. 


Um enredo poderoso e poético que Garcia Márquez nos deixou de forma tão abrupta. Um enredo que desdobrou-se a explorar as relações e o âmago das nossas escolhas e a forma com a qual entendemos e compreendemos as nuances que a cobrança da culpa nos impõe no dia a dia. A prisão que cultivamos em nossas escolhas e nos pensamentos, a forma como dirigimos e digerimos nossa vida e a forma com a qual nos relacionamentos com nosso interior. Poderoso e implacável, certamente, um último livro incrivelmente arrebatador.

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