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Resenha: Campo geral, de João Guimarães Rosa

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

A infância é o tempo de descobertas. É a fase da vida em que o ser humano recebe e retribui os sentimentos à sua volta com maior vigor e integridade. Com Miguilim, menino que protagoniza esta novela de João Guimarães Rosa, não é diferente. Contudo, a visão de mundo repleta de sensibilidade que vinca a personalidade da criança transforma o conjunto de situações que ela experimenta num redemoinho sem precedentes de sensações. Os leitores de Campo Geral naturalmente se envolvem e se emocionam ao tomar contato com as impressões e conclusões do menino sobre o mundo que o cerca. Tanto os medos mais profundos de Miguilim quanto seus sonhos mais intensos são concebidos pelo pincel multicor de Guimarães Rosa.

O convívio familiar, o cultivo das amizades, a dura vida no sertão e a necessidade incontornável de encarar os desafios que a condição humana apresenta são elementos centrais desta narrativa. Neste livro, tem-se o privilégio de captar o âmago da vida no sertão através do olhar de uma criança, uma escolha que revela a grandeza literária de Guimarães Rosa.

Foto: Arte digital

RESENHA

O livro “Campo Geral”, escrito por João Guimarães Rosa, é uma obra que nos transporta para o sertão mineiro, onde a vida se desenrola em meio à simplicidade e à complexidade das relações humanas. Através da história de Miguilim, um menino de oito anos, somos convidados a explorar os sentimentos, as memórias e os conflitos que permeiam sua existência.

O cenário é o remoto lugar chamado Mutúm, nos Campos Gerais. A mãe de Miguilim, apesar de bela, vive entristecida pela distância de tudo e pelo tempo sempre sombrio. O morro que separa o Mutúm do mundo exterior é uma barreira que ela não consegue transpor. A mata próxima causa medo em Miguilim, que tenta compreender o inexplicável.

Um certo Miguelin, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d’Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutúm. No meio dos Campos Gerais. (p.7)

A narrativa nos leva a passeios pela fazenda dos Barbóz, momentos de brincadeira, comida e interações com animais. Miguilim nutre um carinho especial pelos cachorros e, principalmente, pela cachorra Pingo-de-Ouro. Quando ela é levada por tropeiros, Miguilim chora e espera seu retorno, mesmo sabendo que ela está quase cega. A história triste do Menino que perdeu sua cuca no mato ecoa em sua mente, e ele passa a chamá-la de Cuca, nunca a esquecendo. No entanto, a vida de Miguilim não é apenas marcada por momentos felizes. Ele presencia a briga violenta entre seus pais, o pai agredindo fisicamente a mãe. Vovó Izidra é a única a defendê-lo, mas os irmãos estão acostumados com as brigas. Miguilim, em castigo, reflete sobre a natureza e o vaqueiro que prevê chuva. Seu sorriso para Dito, seu irmão, é um gesto de apoio silencioso.

Miguilim presencia uma briga entre seus pais, em que o pai agride fisicamente a mãe. O irmão mais novo, Dito, tenta distraí-lo e levá-lo para longe da situação, mas Miguilim entende o que está acontecendo. O pai bate em Miguilim, que chora e é colocado de castigo, enquanto a mãe chora no quarto. Vovó Izidra defende Miguilim, mas ninguém mais o protege. Os irmãos estão acostumados com as brigas, mas Dito espiava de longe, preocupado. Miguilim fica pensando enquanto está de castigo, até que o cachorro Gigão entra e ele brinca com suas verônicas, misturando suas lágrimas. Miguilim estava sob castigo, com sede, mas não queria pedir água para não ouvir reprimendas. 

— Pai está brigando com Mãe. Está xingando ofensa, muito, muito. Estou com medo, ele queira dar em Mamãe…(Pág. 14)

O Dito era considerado a melhor pessoa, mas não devia conversar com Mãitina, que bebia cachaça e falava bobagens. Mãitina era uma mulher velha, negra fugida do cativeiro, que acharam há muito tempo. A casa envelhecida durante a tempestade é um microcosmo de crenças e superstições. Miguilim, apesar de sua pouca idade, absorve as nuances do mundo adulto e busca compreender os mistérios que o cercam.

Miguilim passa seu último dia de vida deitado na cama, cercado pelo ambiente da fazenda e pelos cuidados de sua família. Ele reflete sobre a vida e a morte, sentindo saudades de todos que ama. Enquanto Drelina o consola, ele teme a morte iminente. Seo Aristeu chega para ajudar, mas Miguilim sente que está morrendo e chama pela mãe. Um dia triste chegou quando o Patorí foi encontrado morto. O pai precisou fazer uma visita ao Cocho, enquanto a mãe levou a família em um passeio noturno, sob a lua cheia. A morte de Dito abala profundamente Miguilim. Ele se sente desorientado e diferente dos outros, alternando entre tristeza e raiva. As lembranças da Mãe abraçando o corpo de Dito o atormentam, e ele busca desesperadamente guardar cada detalhe desse momento crucial de sua vida. No entanto, Miguilim ainda se sente perdido e confuso, buscando respostas em meio às conversas triviais dos outros.

[...] veio uma notícia meia triste: tinham achado o Patorí morto, parece que morreu mesmo de fome, tornadiço vagando por aquelas chapadas. Pai largou de mão o serviço todo que tinha, montou a cavalo, então carecia de ir no Cocho, visitar seo Deográcias, visita de tristezas. (pág.78)

Miguilim estava desorientado e entristecido com a morte do Dito e a presença de tantas pessoas em seu velório. Ele se sentia diferente de todos e tinha dificuldade em lidar com suas emoções, alternando entre tristeza e raiva. Lembranças da Mãe abraçando o corpo do Dito o atormentavam e ele se perguntava o que teria sido se o irmão não tivesse morrido. No meio de sua dor, Miguilim buscava desesperadamente guardar cada detalhe desse momento. Miguilim precisava de respostas sobre o Dito, havia falecido, mas todos ao seu redor só falavam de assuntos triviais. A única pessoa que parecia compreender seu sofrimento era a Rosa, que descrevia o Dito como uma alma especial. Miguilim e Mãitina decidiram fazer um enterro simbólico para o Dito, e Miguilim se emocionou ao ver as lembranças dele sendo enterradas. 

O Pai o obrigava a realizar tarefas na roça, mesmo quando ele não estava bem. Miguilim sentia raiva do Pai, que o tratava com desdém. Seu único amigo era o gato Sossõe, que o fazia se lembrar do falecido amigo Patorí. Seu pai expressava descontentamento com ele, comparando-o sempre ao falecido irmão Dito, que era considerado um bom menino. Mesmo se sentindo mal, ele pensou em cumprir uma promessa de rezar três terços e ficar um mês sem comer doces, frutas e café. Mesmo com o apoio de seu irmão, ele começou a se sentir fraco e com dor de cabeça. No entanto, ao sentir o cheiro da terra sombreada e lembrar de momentos felizes na fazenda dos Barboz, ele encontrou um pouco de conforto. 

Miguilim estava capinando quando de repente começou a sentir mal-estar, tonteira e tremores de frio, vomitando e sendo levado para casa carregado por Luisaltino. Ele estava com uma dor forte na nuca e acabou ficando prostrado e doente, perdendo a força e sendo cuidado por sua família. Enquanto estava doente, Miguilim viu seu Pai chorar desesperadamente, preocupado com a doença dos filhos. Ele também recebeu um presente do Grivo e viu seu pai trazer frutas para tentar melhorar sua saúde. Ele queria sonhar com seu irmão Dito, mas não conseguia. Quando Miguilim finalmente melhorou, descobriu que seu pai havia matado Luisaltino e se enforcado no mato. Vovó Izidra cuidou dele e contou sobre a morte do Pai, mas também falou sobre a eternidade de Deus e Jesus Cristo. Miguilim rezou e dormiu, buscando paz em meio à tragédia que envolveu sua família.

Seu Pai também está morto. Ele perdeu a cabeça depois do que fez, foi achado morto no meio do cerrado, se enforcou com um cipó, ficou pendurado numa môita grande de miroró… Mas Deus não morre, Miguilim, e Nosso Senhor Jesus Cristo também não morre mais, que está no Céu, assentado à mão direita!… Reza, Miguilim. Reza e dorme!” (pag. 116)

Miguilim após a morte de seu pai, com a chegada de parentes e vizinhos para prestar condolências. Miguilim está doente e se recupera aos poucos, recebendo visitas de Seo Aristeu e de um homem de fora. Aos poucos, Miguilim melhora e começa a apreciar a comida e a natureza ao seu redor. Ele sorriu para o tio que se parecia com o pai. Todos estavam chorando, inclusive o doutor. Miguilim entregou os óculos ao doutor e sentiu um soluço. Todos se despediam com tristeza, exceto Miguilim, que sempre foi alegre. Ele não sabia o que era alegria e tristeza. Sua mãe o beijava e sua irmã preparava doces para ele levar na viagem. 

Através de uma narrativa rica em detalhes e sentimentos, João Guimarães Rosa nos presenteia com uma obra poética e cheia de simbolismos. A história de Miguilim nos convida a refletir sobre a vida, a morte, o amor e a solidão, explorando de forma sensível as complexidades da existência humana. Com uma linguagem cuidadosamente elaborada, o autor nos transporta para o sertão mineiro e nos faz sentir a poesia e a melancolia que permeiam cada página. “Campo Geral” é uma obra que nos emociona e nos faz refletir sobre a nossa própria jornada, destacando a importância do amor e da memória na construção de nossas experiências. Uma leitura imperdível para quem busca se conectar com as profundezas da alma humana.

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