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[RESENHA #589] Se a cidade fosse nossa, de Joice Berth

APRESENTAÇÃO

Nos últimos anos, Joice Berth angariou posição importante na opinião pública com argumentos preciosos sobre os desafios que as lutas antirracista e feminista enfrentam para avançar em pautas fundamentais de igualdade social – seja nos costumes, no mercado de trabalho ou na política institucional. Suas colocações a tornaram referência nas redes, fazendo com que a arquiteta e urbanista de formação fosse rapidamente reconhecida como uma das influenciadoras mais requisitadas para analisar fatos e comportamentos que escancaram nossas questões sociais mais alarmantes.

Em Se a cidade fosse nossa, Joice Berth se volta para o tema principal de seus estudos e preocupações: o direito à cidade. Neste livro, as disciplinas de arquitetura e urbanismo são singradas pela crítica racial e feminista. A autora, através de uma escrita propositiva e acessível, conta a história da formação das cidades brasileiras desde a colonização, para deixar evidente o quanto nossos projetos de urbanização, mesmo os mais recentes, carregam uma herança higienista que teima em se perpetuar. Dessa maneira, o pensamento e os projetos de arquitetos e urbanistas de renome, como Lúcio Costa, Lina Bo Bardi e Diébédo Francis Kéré, são pareados às referências de Angela Davis, bell hooks, Patricia Hill Collins, Paulo Freire e Milton Santos.

Após a leitura deste Se a cidade fosse nossa, dificilmente o espaço urbano continuará sendo visto como modelo uniforme que distancia centro e periferia, ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres. Aqui, Joice Berth propõe alternativas aos municípios brasileiros do século 21, para que possam se transformar em espaços de sinergia de saberes, congregação dos diversos modos de vida e de oportunidade de uma existência melhor para todos, sem distinção de gênero, raça, classe e orientação sexual.

RESENHA


Se a cidade fosse nossa é um ensaio primoroso acerca do pertencimento da cidade e das grandes metrópoles à todos, em uma provocativa série de questões que tornaram as grandes cidades um centro monopolizado de exclusão seletiva e imparcial.

Em conversas, eu inicio perguntando: A cidade tem gênero? E todo mundo fala que não, [que], a cidade é um espaço livre que a gente pode transitar por todos os cantos. Mas, não é bem assim, as percepções das pessoas com relação aos espaços das cidades precisam ser provocadas. A gente sabe que existem questões relacionadas ao assédio sexual nas ruas, nos transportes públicos, mas isso é só a pontinha do iceberg, que está imerso em muitos outros problemas. - Joice Berth

Arquiteta e Urbanista, Joice Berth traça em seu novo livro uma nova linha de análise da desigualdade econômica e social existentes no campo social. Sua escrita atomiza de forma significativa os inúmeros questionamentos acerca do desenvolvimento das grandes metrópoles e dos meios socioeconômicos e mercantis que potencializam, de forma crescente, as diferenças sociais que se estabelecem na mesma proporção de crescimento das metrópoles, quanto dos envolvidos no seio de seu desenvolvimento - ainda que de forma indireta - responsáveis pela produção desacelerada do capital e da urbanização de grandes centros superlotados da indiferença pela classe C, D & E.

A violência cresce de acordo com o capital inserido em um espaço-tempo, o que adere ao local um estilo de vida diferente de centros menos capitalizados, o que infla a grande massa que separa os poderes econômicos que estabelecem entre as ruas e os grandes centros as diferenças palpáveis da desigualdade. Essa diferença tensiona as chamados violência urbana direta e indireta, que obriga cidadãos de menor poder aquisitivo à se deslocarem de forma contínua às imposições exigidas pelo grande escalão, dentre outras palavras, quando o capital cresce de forma desacelerada surge um novo delineado de comportamento social. Este espaço tende à sofrer alterações não somente em suas estruturas, mas no comportamento de todos os envolvidos. Este percurso altera o seio do comportamento daqueles que não acompanham as nuances das transformações, que sempre - sempre -, são envoltos da exclusão social e paradigmática dos indivíduos em seus meios de vivência, ocasionando em expulsões de moradores de grandes áreas, derrubada de campos de acampamento, desabrigo de sem-tetos e agressões à pessoas em situação de vulnerabilidade. 

Nos últimos anos, Joice Berth ocupou posição de destaque na opinião pública com argumentos valiosos sobre os desafios enfrentados pela luta contra o racismo e pelos direitos das mulheres para fazer avançar as causas princípios fundamentais da igualdade social - seja na cultura, no mercado de trabalho ou na sociedade. Suas declarações fizeram dele uma referência, fazendo com que arquitetos e urbanistas rapidamente se tornassem um dos facilitadores mais requisitados para analisar acontecimentos e comportamentos que expõem nossos mais alarmantes problemas sociais.

A autora também explica que a sociedade é também um grande consolidador das grandes problemáticas envoltas dentro desta questão, pelo simples fato de não estarem de forma à se compreenderem no meio ao qual estamos inseridos, desta forma, nenhuma luta que visa a transformação coletiva de forma eficiente pode ser alcançada. Desta forma, falar de cidade e construção envolve uma série de questionamentos à se serem analisados de forma cautelosa levando em consideração inúmeros fatores que mesclam e tensionam a busca por uma resposta de forma satisfatória e concreta.

No capítulo 2 da obra, se a cidade fosse negra?, a autora nos convida à abrir nossos olhos para uma ação de performance acerca do conceito de raça, que atualmente, exclui de forma categórica e seletiva à participação e marginalização dos povos negros no desenvolvimento e participação social, causando o chamado racismo urbanista e racismo ambiental. Os capítulos seguintes analisam de forma mais abrangente os estudos da autora acerca de como seriam as cidades se elas fossem negras (p.109), das mulheres (p.155) e a possibilidade de manter o empoderamento e o direito à cidade em pauta unilateral, seria isso uma possibilidade?

Em Se a cidade fosse nossa, Joice Berth volta-se para o tema central de suas pesquisas e interesses: o direito à cidade. Neste livro, princípios de arquitetura e espaço urbano são combinados com críticas de raça e mulheres. A autora, descreve a história da construção das cidades no Brasil desde a formação das colônias, para esclarecer que os projetos de urbanização, mesmo os mais recentes, carregam um legado de exclusão avançando.

Depois de ler Se a cidade fosse nossa, a região metropolitana não seria mais vista como o mesmo padrão entre centro e periferia, ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres. Aqui, Joice Berth propõe vários caminhos para que as cidades autônomas do Brasil do século 21 se tornem um local de encontro de conhecimento, convergência de diferentes modos de vida e oportunidades de uma vida, para todos, independentemente de gênero, raça e classe. 

A obra é um poderoso convite à refletirmos sobre o espaço-tempo e o desenvolvimento dos grandes centros urbanos e das cidades, bem como seus reflexos racistas, excludentes e inapropriados para o desenvolvimento de uma sociedade justa e igualitária. Uma obra magistral.

A AUTORA

Joice Berth (São Paulo/SP, 1976) é arquiteta e urbanista, escritora, curadora e psicanalista. Voz firme e atuante nos debates antirracistas e antipatriarcais no Brasil, Joice Berth soma milhares de seguidores nas redes sociais e é colunista da revista Elle Brasil e do portal Terra. Em 2018, publicou Empoderamento, na coleção Feminismos Plurais, organizada por Djamila Ribeiro (selo Sueli Carneiro/Editora Jandaíra)  um dos livros mais importantes para o feminismo negro brasileiro da última década   , também lançado na França no ano seguinte. Em 2020, foi eleita pela revista Wired uma das cinquenta mentes mais criativas do Brasil. Se a cidade fosse nossa, obra que inaugura sua crítica sobre direito à cidade, opressões urbanas e luta por moradia, é seu livro de estreia no catálogo da Editora Paz & Terra.

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