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[RESENHA #609] Terebentina, de Alexandre Gil França


APRESENTAÇÃO

Alguns livros buscam a linha reta, a promessa organizada de um começo, meio e fim, não necessariamente nessa ordem, porém razoavelmente garantidos na organização mental de quem se dispõe a ler.

Mas há alguns livros que parecem se deleitar com a matéria irracional do mundo; nesses livros, as estórias se espraiam caoticamente (ou numa “caosmose”, como conceituava Félix Guattari): uma invade a outra, sem compreendermos bem se há ali qualquer relação causal, se estão mesmo concomitantes, ou se o próprio tempo ameaça ver sua trama se esgarçar diante dos nossos olhos.

É o caso desta Terebentina de Alexandre Gil França, em que a promessa de um livro de contos logo se torna uma espécie de labirinto no qual a prosa narrativa abre lugar ao modelo de um script cinematográfico ou de roteiro teatral, por vezes hesitante entre a prosa e o verso, e muitas vezes aceitando um narrador (ou roteirista) que invade o texto como um eu que altera os fatos que ele mesmo organiza. E cada coisa acontece num universo que pode saltar do mais obcecado realismo para cenas delirantes em passagens vertiginosas, num instante.

Gil França então constrói um mundo de instabilidade e cruzamentos que recusam as hierarquias organizacionais. Notícias de rádio e jornal se cruzam com atores vestidos de cartas de tarô; um ônibus de lotação pode se tornar um avião de primeira classe; torturadores passam por bailarinas e criam suspeitos; e mariposas podem ser o sinal de loucura, ou então um ataque inclemente etc. Tudo está acontecendo no cruzamento das suas possibilidades de leitura, porque essas possibilidades são os modos mesmo da existência aqui proposta.

E, um último detalhe, que conforma muito do que encontramos nesta obra: tudo é narrado com um fascínio absoluto pela matéria-mundo. Cheiros, cores, sabores, sons, texturas, do nojo ao deleite, e vice-versa: o mundo aqui reluz intenso, atinge todos os sentidos, como que para apenas desnorteá-los. Talvez esteja num grude que não sai mais, ou que sai apenas com terebentina, na medida mesma em que ela deixar seu cheiro e seu sabor nos novos corpos.

Guilherme Gontijo Flores

RESENHA


Este é o típico livro em que você se culpa se abandoná-lo, sua leitura requer que seja violenta, faminta, de uma vez só. Terebentina é aquela obra que observamos e compramos por sua capa esplendidamente reluzente entre as pilhas de livros em uma prateleira, mas também é aquela leitura que nos prende e nos acende em todos os capítulos como se fossemos tomado por uma sede insaciável e que só se esgota ao findar da última página lida.

Os doze contos presentes na obra exploram as experiências individuais de personagens peculiares, como um dançarino de TikTok, uma cantora de bar ou um ator de comerciais. Essas histórias abordam temas como apagamento e invisibilidade, especialmente para artistas que ainda não alcançaram o reconhecimento mainstream. A dicotomia entre sucesso e fracasso permeia essas narrativas, impactando e sendo impactada pelas relações afetivas construídas pelos personagens. O autor mergulha na perspectiva desses artistas socialmente invisibilizados, explorando suas histórias, angústias e, principalmente, seus sentimentos.

A escrita de Alexandre Gil é potente e visceral, sua capacidade de narrar histórias se soma ao seu incrível talento de criar e contar histórias que dialogam com a realidade. Seus personagens vívidos e palpáveis merecem uma obra só de cada um, um único conto não é o suficiente, ao final de cada conto, queremos mais dos personagens, nossa fome aumenta e nossa exigência por aquela leitura tão deliciosa nos toma completamente. Seus roteiros descrevem sua genialidade em cada instante de leitura. Aqui, você irá rir, se surpreender e se atentar à cada detalhe, impossível não se apaixonar por uma leitura tão cativante.

Ao explorar as narrativas desses personagens, o autor revela as complexidades e os desafios enfrentados por artistas de menor visibilidade. Essas histórias são permeadas por uma profunda reflexão sobre a busca por reconhecimento e a luta para serem ouvidos e vistos em um mundo muitas vezes dominado pelo mainstream. O autor mergulha nas angústias e nos anseios desses artistas, revelando suas vulnerabilidades e a força que encontram em seus afetos.

Ao colocar em foco essas subjetividades particulares, a obra “Terebentina” nos convida a refletir sobre a importância de valorizar e reconhecer a diversidade de vozes e talentos presentes na sociedade. Os personagens se tornam representações de uma luta comum, evidenciando que o sucesso e o fracasso são conceitos subjetivos e a verdadeira realização muitas vezes reside na conexão emocional e na expressão artística.

Essa coletânea de contos nos convida a adentrar mundos desconhecidos e a explorar as profundezas da alma humana. Por meio de histórias envolventes e personagens cativantes, somos levados a questionar nossas próprias noções de sucesso, fracasso e reconhecimento, enquanto somos tocados pela autenticidade e humanidade desses artistas marginalizados.

Esta obra é um misto escancarado de um roteiro de cinema, ou uma prosa lírica altamente rica em diversos sentidos e motivos. A escrita do autor mescla uma série de estilos de escrita em uma capacidade descritiva elucidativa e potente, seu roteiro e sua perspicácia tornam todo cenário único, tornando a leitura cada segundo um instante breve, mas, marcante.

Personagens como Júnior, Lila, Janaína e Cíntia merecem um roteiro próprio, não há como descrever esta obra, o único formato que possibilita sua real compreensão é a leitura. Uma leitura incrível. Certamente, um dos melhores livros que li este ano, indico para todo leitor ávido em busca de uma leitura prazerosa e apaixonadamente impactante. A obra nos leva além das aparências superficiais e nos convida a mergulhar nas emoções e nas experiências íntimas desses artistas. Por meio de suas histórias, somos desafiados a enxergar além do que é considerado popular ou mainstream, e a valorizar a autenticidade e a originalidade presentes nas expressões artísticas menos reconhecidas.

O autor nos mostra que o apagamento e a invisibilidade enfrentados por esses artistas não são apenas questões externas, mas também internas. Eles lutam contra a pressão de se enquadrarem em padrões pré-estabelecidos de sucesso, e muitas vezes se veem questionando seu próprio valor e talento. No entanto, é por meio das relações afetivas que constroem que encontram força e inspiração para continuar perseguindo seus sonhos. Ao explorar as narrativas desses personagens socialmente invisibilizados, o autor nos convida a repensar nossas próprias percepções e preconceitos em relação ao sucesso e ao fracasso. Ele nos lembra que o verdadeiro valor da arte está na sua capacidade de tocar as pessoas, de transmitir emoções e de criar conexões profundas. Esses artistas, mesmo diante de desafios e obstáculos, encontram significado e realização em suas paixões e em seus relacionamentos.

Em suma, “Terebentina” é uma obra que nos convida a refletir sobre a importância de valorizar e apoiar artistas de todas as esferas, reconhecendo que o sucesso não deve ser medido apenas pela fama ou pelo reconhecimento público. É uma celebração da coragem, da resiliência e da vitalidade das vozes artísticas menos ouvidas, que nos inspira a enxergar o mundo de forma mais inclusiva e empática.

O AUTOR

Alexandre Gil nasceu em Curitiba em 1982. Já trabalhou com poesia, música e teatro. Publicou, em 2015, seu primeiro romance, Arquitetura do mofo (Selo Encrenca). Atualmente, edita junto com a poeta Iamni Reche Bezerra a Mathilda Revista Literária. É mestre em artes cênicas pela usp e doutorando em teoria e história literária pela Unicamp. Terebentina, para alguns, é seu primeiro livro de contos; para outros, seu segundo romance. O autor prefere dizer que é o seu segundo livro em prosa.


ENTREVISTA | O impacto da invisibilidade social na construção de afetos: conheça a escrita densa e experimental de Alexandre Gil França

Foto: Alexandre Gil França // Divulgação

Destacando-se por sua escrita experimental e híbrida, "Terebentina" (156 pág., editora Urutau) é o novo livro de contos do escritor Alexandre Gil França (@alexandregfranca). Trazendo a ótica de personagens socialmente invisibilizados, especialmente artistas pequenos ou de pouco reconhecimento, o autor explora suas narrativas, angústias e, principalmente, seus afetos. A obra tem orelha assinada pelo prestigiado poeta, tradutor e ensaísta Guilherme Gontijo Flores, vencedor do Prêmio APCA em 2018, e está à venda no site da editora.

Os doze contos que integram a obra são protagonizados por essas subjetividades particulares, como, por exemplo, um dançarino de Tiktok, uma cantora de boteco ou um ator de comerciais. Tratando-se também de histórias que evocam pequenos e anônimos artistas, que ainda se veem distantes do mainstream, as temáticas do apagamento e da invisibilidade em "Terebentina" são atravessadas pela dicotomia do sucesso e do fracasso. Nas histórias, esses conflitos impactam e são impactados pelas relações afetivas construídas pelos personagens.

Nascido em Curitiba (PR), em 1982, Alexandre Gil França já trabalhou com música, poesia e teatro. É mestre em Artes Cênicas pela USP e doutorando em Teoria e História Literária pela Unicamp. Estreou na literatura em 2015, com o romance "Arquitetura do Mofo" (Selo Encrenca/ Arte e Letra). Atualmente, é editor da Mathilda Revista Literária, ao lado da poeta Iamni. Também trabalha em um novo livro de contos e promete uma nova peça de teatro para 2024.

Quais são as suas principais influências?

Tive contato com Ulysses, de James Joyce, há muitos anos atrás, nos meus 18 pra 19 anos. Nessa época, esse livro era um vulto difícil de atravessar. Fui ler “entendendo” somente no começo do doutorado na Unicamp, em que me debrucei pra valer sobre ele. Uma obra que parece locupletar os recursos narrativos de inventividade: mistura de campos semânticos, de estilos, épocas, a dessacralização do espaço, as coincidências ultra arquitetadas, todo o espírito de ruínas da modernidade nessa figura sem pátria ou religião que é o Bloom. Isso tudo me impregnou definitivamente, e está presente, de uma forma ou de outra em “Terebentina”.

Considero os contos de Jorge Luis Borges como pequenas catedrais de sabedoria. Precisão na maneira de contar e no conteúdo. Seus labirintos de sentido também fizeram parte da minha formação literária, e influenciaram também os jogos de linguagens utilizados em “Terebentina”.

Já o Gilles Deleuze é sem dúvida o filósofo que mais estudei na vida. Sua ideia de diferença, de sentido, de acontecimento, fazem parte da minha rotina, da minha forma de pensar. Eu tento enxergar o mundo de uma maneira deleuziana, ou seja, para além das imagens do pensamento, do senso comum fabricado pela sociedade forjada no metal duro das identidades e das categorias: na maioria das vezes, eu fracasso. Penso que “Terebentina” é, um pouco, a dramatização desses fracassos e dos raros acertos.

Além disso, cito os cineastas Charlie Kaufman e Eduardo Coutinho. Os dois trabalham com a ideia de “pessoa comum”. Kaufman, de uma maneira, digamos, mais borgeana; Coutinho, de uma maneira documentarista, tentando pegar a verdade do depoimento. A ideia de “comum” tanto de um, quanto do outro, está bem presente no meu livro.
Capa da obra Terebentina


O que motivou a escrita do livro? Como foi o processo de escrita?

O livro foi motivado pelo enclausuramento da pandemia. Como minhas atividades artísticas estavam suspensas (a música e o teatro), a escrita foi um refúgio e ao mesmo tempo um momento de imersão em mim mesmo. Acho que, de certa forma, todos nós “fracassamos” com essa pandemia, seja perdendo pessoas próximas, seja suspendendo nossas atividades. Terebentina reflete, em parte, esse espírito da época.

Escreve desde quando? Como começou a escrever?

Escrevo desde a adolescência. Acho que comecei com uns 15 anos de idade. Se bem que desde pequeno me fascinei pela ideia de livro — sempre quis fazer um livro; esse tipo de porta-histórias, porta-vidas. Um episódio marcante da minha adolescência foi uma tentativa de livro que mostrei, um dia, na praia, para a filha de um amigo dos meus pais. Ela criticou duramente o que eu havia feito (disse que faltava enredo, personagens consistentes etc.). Olha, eu devia ter uns 12 pra 13 anos: não sabia de nada! Aquilo me marcou bastante — como se, de certa maneira, a cada novo conto, eu precisasse completar aquele primeiro livro que não havia dado certo. Mais pra frente, um professor da graduação em comunicação, o Caibar, foi fundamental para que eu não parasse de escrever. Eu mostrava os contos pra ele, e ele me devolvia com comentários precisos sobre o que eu estava fazendo, e o que eu poderia melhorar.

Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam? Por que escolher esses temas?

Como vivem esses artistas invisíveis que estão por aí, incrustados no ao redor que esquecemos às vezes de observar? Penso que a descoberta do amor por essas pessoas invisíveis se configura como um território profundo de descobertas humanas. Minha intenção com o livro foi investigar justamente como o afeto pode circular por esses meios (como o set de filmagem de um comercial, o ensaio de uma coreografia viralizada no tiktok ou a apresentação de uma cantora de meia-idade em um botequim). É sobre isso, também, o título do livro – “Terebentina”: palavra usada para designar o solvente para pincéis, mas também um apelido popular para cachaça. Ou seja, apagamento e embriaguez andam juntas nessas histórias.

“Terebentina” é estruturado como se fosse uma exposição artística. Poderia comentar um pouco sobre essa escolha e estilo de escrita?

Acho que é um estilo múltiplo, que se utiliza de recursos diversos na construção de um cenário singular de leitura. A ideia é sempre dar a melhor possibilidade de imaginação e participação para o leitor. Vou utilizando recursos formais diferenciados, e, até mesmo, delirantes em alguns momentos. A linguagem dramatúrgica é misturada à poesia, à prosa e a um roteiro de cinema escrito por uma das personagens.

Sobre a estrutura, remete à questão do artista e de sua exposição. Tem a abertura, o hall de entrada, o primeiro andar, onde são distribuídos alguns personagens, que seriam as “obras”. E esses personagens são indivíduos comuns e invisíveis que transitam, na minha opinião, em certos ambientes singulares onde podemos encontrar a maior concentração de humanidade possível. Acho que o livro vasculha justamente esses espaços e tenta dar carne e nervos para essas pessoas comuns.

Foto: O autor Alexandre Gil França // Divulgação

Como é o seu processo de escrita?

Geralmente, sento e escrevo até onde o fôlego aguentar. Não tenho uma preparação para a escrita. Mas, é um ato de recolhimento. Preciso estar sozinho para a coisa fluir bem. Para contos, a meta é sempre ir até a página dez, mais ou menos. Depois, vou cortando o que considero gordura.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?

Não. Escrevo quando dá na telha. Geralmente, nos períodos sem muitas obrigações profissionais.
Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?

Já estou escrevendo um novo, de contos. E, penso que para 2024, devo ter uma nova peça de teatro também escrita. São obras que estão ainda na primeira gestação: acho difícil detalhar sobre o que se trata, mas posso dizer que a temática do homem comum deverá estar presente nas duas.

[#LeiaNacional] Entrevista com Raquel Schaedler, autora de ❝Todos os poemas que escrevi pro amor perdido❞


Poder, entrega e superação. A obra de Raquel Schaedler tem a influência capaz de unificar o período do término e da superação de uma relação perdida por meios poéticos, de forma singela, única e com uma abordagem brilhantemente escrita. O lançamento da obra está previsto para o dia 12/05, às 20h, no Restaurante Nina, Curitiba. 

É nessa região de desterro, tateando modos de dar voz a uma perda, que se ergue este Todos os poemas que escrevi pro amor perdido de Raquel Schaedler. “Dar voz”, quero dizer, no sentido de circunscrever a ausência com o que resta daquilo que foi presença. Às vezes vem em eco, essa voz; surge “sem fundo”, tal como a própria saudade. Outras, chega com a força das preces, numa tentativa de “emancipar as palavras foragidas desde uma partida”. Há ainda horas em que nem sequer se sustém; antes vacila, entre “qualquer suspiro/grito/qualquer possibilidade/de ter vivido”.


1. Primeiramente, fale-nos um pouco sobre você.

Nasci em Curitiba, onde formei-me em cinema, pela Universidade do Paraná. Sou aluna egressa do Núcleo de Dramaturgia e Encenação do SESI-PR, a escola que abrigou a produção de minhas primeiras peças de teatro, e talvez tenha sido ali que meu caminho com a escrita profissional tenha se iniciado, ainda que eu fosse percebê-lo muito tempo depois. Dirigi minhas primeiras peças e depois de me formar mudei-me para São Paulo, onde vivi por 6 anos, trabalhando no cinema e no teatro como atriz, assistente de direção e tradutora. Foi neste período que comecei a escrever poesia mais seriamente, porque antes tinha produzido muito pouca coisa neste formato. Acabei descobrindo ser uma de minhas formas de expressão mais genuínas. Mas foi só durante a pandemia de covid-19, em 2020, que voltei para Curitiba e passei a dedicar algum tempo maior para isso, pela pertinência do momento. Assim editei “Todos Os Poemas Que Escrevi Pro Amor Perdido”, meu primeiro livro, que saiu em setembro de 2022 pela Editora Urutau.


2. Há quanto tempo você escreve, como começou?

Escrevo desde a adolescência. Comecei por volta dos 15, 16 anos. Escrevia pequenos contos, autoficções, crônicas poéticas. Depois, o cinema me levou aos roteiros para curta-metragens e, da mesma forma, o teatro me levou às dramaturgias para o palco. A poesia veio já na juventude/ início da vida adulta, quando minha escrita (assim como eu mesma) atingiu uma certa maturidade e muito mais liberdade. Mas eu fugi da escrita tanto quanto pude. Nunca desejei me tornar escritora. O ofício do escritor é muito solitário, e nunca nutri nenhuma espécie de romantização por este estilo de vida. A escrita era sempre uma etapa que eu precisava cumprir para ter em mãos o material de trabalho que desejava: uma peça para encenar, um filme para fazer. Mas com o passar dos anos, fui encontrando particular prazer na feitura do texto em si, uma espécie de atividade quase meditativa e que, quando ocorre, me proporciona uma concentração muito prazerosa e difícil de ser atingida na vida cotidiana. Sou uma pessoa muito dispersa. Além disso, apesar de não ter sido desde sempre meu maior sonho, reconheço a escrita como aquilo que faço com maior organicidade. Aí entendi que ela corria em minhas veias e me constituía assim como todos os meus outros órgãos vitais. E que eu faria isto sempre, de uma forma ou de outra. Isto sempre esteve comigo.


3. Você teria algum segredo de escrita? Algo que faça com que você se sinta inspirada/o antes de iniciar um novo livro?

No geral, planejo muito pouco. Escrever é um tanto de mistério também para mim, mas foi-se desvelando com o passar dos anos; hoje eu diria que é uma pulsão em algo domesticada. Porque posso escolher fazer com ela algumas coisas que desejo. Ainda assim, muita coisa surge da imprevisibilidade do acaso e gosto que seja assim. Para mim, a escrita, e principalmente a poesia, é uma forma de responder ao mundo. Para isso, é preciso estar viva: se me deprimo, não escrevo. Mas, quando estou viva, o mundo me move, e respondo a ele em forma de poesia. Quando vejo uma notícia triste, impactante, ou quando algo me emociona, um texto nasce dentro de mim e pede para vir ao mundo. Eu obedeço. Não ouso dizer que não, porque esta é uma palavra muito perigosa.

4. Quais foram suas principais referências na literatura, arte e/ou cinema?

Talvez o cinema tenha sido mesmo a arte primeira a me influenciar. Marcou toda a minha vida, desde a minha primeira infância. Meus filmes preferidos eram “ET”, “Em Busca do Vale Encantado” e “Benji”, que assistia repetidas vezes, a depender da fase em que me encontrava. Todos bastante narrativos, dramáticos e tocantes (risos). Na vida adulta, o cinema que seguiu me movendo mais foi sempre o cinema narrativo clássico. Eu gosto de histórias. E não à toa; fui criada para isto. Meu pai é um contador de causos e uma de nossas brincadeiras favoritas quando eu era criança era inventarmos histórias de planos infalíveis do Cebolinha contra a Mônica. Tenho isso gravado em fitas k7 até hoje. Muita gente tem para si esta ideia do talento nato, e isto é uma falácia: todas as pulsões e habilidades que trazemos em nós foram sendo gestadas ao longo de nossa história (pregressa ou não). Meus pais já escreviam poesia quando eu era criança. Meu pai é compositor e vivia exaltando textos bem escritos, letras de músicas do Chico Buarque, um grande letrista. Minha mãe é advogada e poeta e, ainda que não praticante, traz em si também a lida da palavra. Eu escrevo passivamente desde que nasci, porque o caldo das minhas relações, harmoniosas ou não, era recheado de vernáculos.

Uma das coisas que me fez querer estudar cinema foram os filmes do Wes Anderson. Aquela estética cheia de métrica, paralelismos e plasticidade é muito encantadora, mas no fundo está toda ela a serviço de uma grande narrativa clássica, que foi o que sempre me encantou. Sou apaixonada por bons roteiros, principalmente se estão falando de sentimentos, de humanidade. Outro filme que me marcou muito foi Paris, Texas. Acho que é meu filme preferido de toda a vida, até hoje. Já assisti umas dez vezes e sempre me emociono como se fosse a primeira vez. No fundo, olhando retrospectivamente, toda a minha apreciação artística delata o que vim a compreender muito recentemente, numa maturidade artística já bastante tardia: o amor é minha força motora, para todas as minhas criações e também para todas as minhas pequenas ações cotidianas. Amar é minha maior arma; sempre foi a única coisa capaz de me salvar dos piores acontecimentos e a única motivação genuína que carrego dentro de mim. O romantismo é certamente uma herança emocional que recebi de minha família, com todo seu mel e seu fel.

Até hoje, este traço do amor pelo mundo é o caminho que unifica toda minha pulsão e meu interesse, pela arte e pela vida.


5. Qual a parte mais difícil de se escrever um livro?

Editar o “Todos os Poemas” foi mais complicado do que escrevê-lo, para ser sincera. Isto porque minha poesia tem um caráter bastante confessional e, apesar do trabalho inerente de lapidá-la, de aprimorar o seu texto depois de escrita, sempre surge em mim como pulsão. Mas organizar o livro exigiu de mim uma escuta deslocada de minha própria criação, para entender quais poemas cabiam neste recorte, qual era o encadeamento mais potente para eles dentro da obra como um todo, que ritmo criava a melhor experiência para o livro. Foi um trabalho muito prazeroso de se fazer, mas também complexo. Li e reli muitas vezes, compartilhei com alguns amigos de confiança para entender se havia fluidez, como a leitura chegava a quem ainda não estava familiarizado com os poemas. Quis estruturar o livro de forma que o passeio pela experiência fosse conduzindo o leitor de forma orgânica e coesa. O livro tem a sua própria narrativa. Em alguns momentos você quer que flua livre, em outros quer criar deslocamentos, contrastes. São temperaturas que vão se complementando. Há uma evolução, uma espécie de caminho que conduz a leitura para quem gosta de perpassá-la do começo ao fim, ainda que a poesia também possa ser acessada de forma randômica e funcionar muito bem assim.


6. Qual foi seu primeiro livro, o que pensou ao iniciar sua escrita? o que te incentivou?

“Todos os Poemas” é minha primeira publicação. A ideia, especialmente do nome, veio mesmo da perda de um amor, de um fim de relacionamento. Mas o tema do livro foi se expandindo, porque só fui lançar muitos anos depois. Então, quando falo em amor, já não é mais só sobre a ideia do amor romântico, sobre relacionamentos amorosos. Acho que o livro fala muito sobre a falta e as projeções dela em nossos relacionamentos no geral. Amorosos, familiares, enfim. Tem muita coisa neste mesmo caldo. No livro há poemas que foram escritos em muitas épocas diferentes e não foram escritos para uma única pessoa; na verdade, a maioria deles não foi escrita para ninguém. São parte de minha expressão pessoal, um testemunho da minha experiência no mundo durante um certo período e refletindo sobre algumas solidões cujas arestas se tocam.


7. Tem algum personagem que você tenha criado ao qual foi difícil desapegar?

Não. Sempre tive o texto como uma espécie de roteiro não definitivo. Mesmo as poesias, vivo alterando trechos depois que já estão prontas, vivo mudando de ideia. As coisas estão vivas, todas elas. É sempre possível mudar, modificar, aprimorar. No caso da minha poesia, não há exatamente personagens. Acho que há uma persona, algo de mim. E para ser honesta, escrever é às vezes até uma forma de expurgar, de tornar datados alguns sentimentos. “Todos os Poemas Que Escrevi Pro Amor Perdido” certamente cumpriu o papel de dar como resolvidas algumas angústias com as quais eu lutava, então é bem o oposto do apego, na realidade. É escrever para seguir em frente. No caso do teatro e do cinema, todo texto é uma plataforma de onde se pode extrair milhares de obras de arte diferentes. É preciso ter o entendimento de que, ao transpor o texto do papel para a encenação, muita coisa irá mudar. Não adianta estar apegado a uma determinada frase se ela não permanece viva na boca do ator. Os personagens também não estão prontos quando se termina de escrever, eles vão viver ainda muitas vezes no corpo dos atores, nas interações entre eles, e, ainda, na mente de cada espectador. É assim também com a poesia e com os romances. O seu texto quer dizer algo muito específico para você, mas quando é lido por outras pessoas, significa outras coisas. E isso é muito bom. Da mesma forma que lido com o texto, lido com os processos todos como bastante transitórios. Percebo-os como etapas, e vivenciar isto é o suficiente para mim. É necessário saber quando a obra está satisfatória e seguir em frente para criações novas, e neste sentido também os personagens têm sua data de validade, por assim dizer. Fazem sentido naquele momento, naquele período. Estão ali para servir àquela experiência. Depois, é poder seguir em frente, o que é o maior presente proporcionado por este ofício.


8.Quais são suas principais referências literárias na hora de escrever?

Difícil dizer. Difícil dizer, de tudo que li, o que entrou em mim, e o que está saindo. Posso citar nomes que me impactaram quando entrei em contato com suas obras. Guimarães Rosa, Cortázar, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Aldous Huxley, Hermann Hesse, Matilde Campilho, Mar Becker, Drummond, Ferreira Gullar, Natassja Martin, Shakespeare, Beckett, Harold Pinter, Hilda Hilst, Milan Kundera, Jung, Bergmann. Todos muito diferentes entre si. Com certeza estou esquecendo vários outros. Mas também não sou uma leitora assim tão ávida. Hoje em dia, leio muito menos do que escrevo. E acredito que o que forma a escrita de cada um é a forma como se descobriu possível se expressar as coisas, colocá-las na mesa. Não tem a ver só com o que se leu, mas com o que se traz dentro de si – e isso é o acúmulo de todas as experiências pelas quais se passou. Acho que uma das partes mais fascinantes da escrita é que é impossível decifrar de todo de onde ela vem em cada um.

9. Você reúne notas, anotações, músicas, filmes e/ou fotografias para se inspirar durante a escrita?

Não, não como referência para me inspirar depois. O que tenho por hábito é anotar ideias que me acometem em momentos inusitados, porque se não as anotamos, corre-se o risco de perdê-las.

Às vezes, a inspiração vem em momentos que não podemos dedicar à escrita, o que é uma pena. Mas anotar nos permite eventualmente retornar a algo do âmago do momento, a posteriori. Tenho um grupo comigo mesma no WhatsApp e lá me envio tudo que me ocorre. Às vezes estou no ônibus, no metrô. Outras vezes me surgem lampejos no meio da noite, como continuações de algum sonho, ou logo ao acordar, pela manhã, ainda meio entre o sono e a vigília. Às vezes chego a vislumbrar cenas ou frases inteiras neste estado. Essas inspirações, sobretudo, se não tomar nota delas, realmente não acesso mais. Repousam sobre uma fina membrana que recobre o inconsciente e é até difícil transpô-las ao papel. Mas é sempre uma forma de resguardar uma poeira de sua essência e fazer algo com elas depois, lapidá-las de forma mais racional. Algumas vezes, se estou sozinha em casa e é madrugada, começo a anotar a ideia e acabo sentando para escrever, desenvolvendo-a, porque o texto tem também sua vontade própria e exige nossa presença. Mas essas não são necessariamente as melhores escrituras que consigo atingir. Muitas vezes lapido bastante o texto depois. É só uma das formas de parir esta fagulha inicial. A língua é toda ela escultura, artesania. Como dizia Drummond: “Penetra surdamente no reino das palavras”. Labore.


10. O que você faz para driblar a ausência de criatividade que bate e trava alguns momentos da escrita? Existe algo que você faça para impedir ou driblar estes momentos?

Quando estou embotada, se preciso, se tenho um prazo e tenho que finalizar um texto com algum propósito; sento e escrevo, e de fato, depois de algum tempo, algo acontece. Isto porque escrever é um pouco como fazer exercício físico: tonificar os músculos da escrita, e nem todo dia se está naturalmente no espírito.

Mas quando se começa, o corpo se aquece, e a mente também. Aliás, isso é uma coisa interessante de se pontuar: não se escreve só com a cabeça. Escreve-se com o corpo. Para a filosofia tradicional chinesa, é impossível separar corpo e mente (a cabeça está encaixada no corpo, não é? risos). Então, esse é um método sempre muito eficaz pra mim: se minha energia está estagnada, se estou bloqueada; saio para andar, e o milagre se mostra. A mente antes e depois de o corpo se mexer são muito distintas, e a pessoa que retorna para casa é outra; escreve e pensa muito melhor. Muitos escritores mantêm no horizonte o estereótipo do artista apaixonado que se entrega totalmente à escrita, que deixa de dormir, pula refeições, perde eventos sociais para estar de amor e à serviço das palavras: eu pessoalmente não poderia encontrar nada pior do que isto. Quanto melhor vivo, melhor escrevo, mais vida tem em mim. A escrita tem, dentro de meu cotidiano, seu lugar, seu horário. Ele pode até variar, mas não é o tempo todo, não toma conta de tudo. E quanto mais estável é essa rotina, mais se tem liberdade e se flui dentro dela. O corpo se habitua a liberar a criatividade em determinados horários e espaços. Do mesmo jeito que se habitua a ter sono à noite ou a ir ao banheiro de manhã.

Também vale dizer que o texto tem a sua própria vontade, e às vezes precisa só da oportunidade para caminhar sozinho. É como se fôssemos o cavalo do texto. Precisamos nos dispor a estar lá para que ele aconteça e possa viver. Quando digo isto, nada tem que ver com mediunidade ou psicografia, mas com o fazer em si. Um músico, depois de muito estudar, improvisa em seu instrumento sem precisar pensar. Uma pessoa que dirige há muitos anos opera o veículo de forma praticamente automática, vivendo sobressaltos apenas em momentos de emergência ou que exijam aumentada prontidão. Para escrever é a mesma coisa. Quanto mais se escreve, melhor se escreve (e reescreve). E há o tempo para que isso aconteça; da mesma forma que também o músico e o atleta se aquecem, você se senta, começa a escrever, e algum tempo depois, o texto flui. Parece mágica, mas é técnica. Prática.

Por outro lado, se não tenho um prazo e não preciso entregar nada, quando me sinto bloqueada muitas vezes simplesmente não escrevo. Deixo meu tempo se decantar até que essa pulsão retorne de forma genuína. Gosto de alternar minha rotina e tenho fases em que produzo muito e outras em que não produzo nada. Há fases em que estou muito mais mergulhada na música; outras, na escrita. Sou bastante sazonal. Mas tenho outras ocupações: sou tradutora, assistente de direção, atriz. Não vivo só de escrever. Talvez isso até faça com que eu cresça bem lentamente com a minha escrita, porque não me dedico inteiramente a ela. Se tivesse que escrever sempre, e só fizesse isto, diria: rotina, disciplina. Exercício físico.


11. A maioria dos autores possuem contatos e amigos de confiança para mostrar o progresso do seu trabalho durante o percurso da escrita. Você teria um time de “leitores beta”, para analisar seu livro antes de prosseguir com a escrita?

Não. Costumo mostrar meus textos quando já se encontram em um estado avançado de lapidação. Não tenho inseguranças em relação a isso, nem vergonha das etapas dele e nenhuma timidez em torná-lo público. Mas lapidá-lo é um processo muito prazeroso, e gosto de percorrê-lo sozinha, senti-lo totalmente meu. Mais tarde, quando o texto já possui um esqueleto, uma musculatura que se sustenta em pé, aí sim abro pra jogo. No processo de edição de uma obra, na etapa da publicação, é interessante ouvir as pontuações que um outro faz sobre a nossa escrita. Enriquece e expande nossa perspectiva. E aí é outro momento, não é mais você consigo mesmo. É a hora de o filho ir pro mundo, conquistar seus próprios caminhos; ele agora vai conversar com outras pessoas – às vezes até vai encontrar o seu público em pessoas que não são as que você esperava, as que você não o aconselhou como boas companhias.

E você quer que o livro encontre seu lugar no mundo, não é? Então isso sempre vai ser benéfico. Mesmo que seja diferente da sua projeção.

No geral, é mais comum eu compartilhar o meu processo quando estou escrevendo dramaturgia, para o teatro ou audiovisual: a costura da narrativa, o alinhavo dos eventos muitas vezes encontra uma oxigenação muito rica na interlocução com terceiros. Mas minha poesia é absolutamente confessional. Não encontro sentido em abrir processo neste caso, a não ser já numa etapa muito avançada, de refinamento de léxico ou pontuação. Porque é meu testemunho. E é também o caminho que encontrei ao longo de uma vida para tirar de dentro de mim o que não era possível comunicar a ninguém de nenhuma outra forma, e foi uma conquista encontrar a minha própria forma de fazê-lo. Escrevo para continuar viva e para que certas coisas que brotam de dentro de mim encontrem chão e sejam ditas. Então é uma troca extremamente íntima, nesse primeiro momento. É uma espécie de religião dentro da qual não gosto de trair a minha verdade (risos).


12. O que motiva você a continuar escrevendo?

O que me motiva a escrever é certamente sempre a vida, os eventos, o mundo. Interior e exterior. Muitas coisas acontecem só dentro da gente também. E sempre acreditei que não são menos reais por isso, porque a vida de cada um é a experiência de se estar aqui, com tudo o que ela abrange. Cada um de nós é seu próprio universo. Tudo o que penso e sinto, em resposta ao mundo, de alguma forma é digerido e devolvido a ele em forma de criação. Existem duas coisas na vida que me interessam: a arte e a natureza. E não posso inventar a natureza. A ela, só posso contemplar, venerar, agradecer a cada dia. Nada do que eu criar em vida jamais estará à altura do que este planeta nos deu. Trago dentro de mim de forma veemente esta convicção. A única outra coisa que encontrei que me aproxima do sagrado de forma semelhante foi a arte. Por isso me dedico a ela. No fundo, me auto diagnostico como uma romântica entediada. Preciso sentir que estou lidando com a possibilidade do milagre. Sem isso, a vida perde sua graça. Se não fosse artista, certamente seria cientista. Era esta minha outra opção. Porque meu trabalho no fundo é fazer perguntas. Enquanto as pessoas geralmente buscam ter as soluções mais fáceis para seus problemas, a mim me interessa percorrer o meu próprio caminho, mesmo que seja lento, e encontrar minha própria forma de fazê-lo. Gosto de entender como as coisas funcionam, desmontar as peças dos objetos, desvendar seus mecanismos, conhecer de que materiais são feitos. E o que é um escritor senão alguém que reescreve a realidade ao olhar para ela? Acho que inventar a roda diariamente é minha atividade favorita.

13. Que conselho você daria para quem está começando agora?

Não existem conselhos. Um conselho é uma mentira que muito provavelmente vem a trair a verdade íntima de quem o recebe. Existe o caminho de cada um, e o início de todos eles é uma mata virgem, não desmatada. Infelizmente não há facilitador para isto. É preciso empunhar a foice e abrir passagem. O ofício da escrita é uma atividade muito diversa e pessoal, e o mais importante de tudo é encontrar a própria voz, fugindo de equações prontas que busquem formatar esse fazer. E às vezes alguém que começa agora já o faz intuitivamente de forma muito mais bem resolvida e eficaz do que alguém que está há anos nutrindo vícios, acumulando frustrações. Mas uma coisa é certa: escrever é reescrever. Alguma constância e rotina fazem muito bem a quem escreve, se há o desejo de se ter uma produção que não se resuma muito sazonal. O mais importante para mim sempre foi deixar emergir de dentro de mim o que precisava ser dito, e aí encontrar também a forma dentro da qual apenas eu poderia dizê-lo. Minha busca sempre foi por estar cada vez mais perto desta verdade, nunca em competição com outros escritores.


14. Para você, qual o maior desafio para um autor/a no cenário atual? Você tem algum hábito ou rotina de escrita?

Certamente, o maior desafio é a divulgação, a pulverização do trabalho depois de pronto. O lugar que as redes sociais ocuparam em nossas vidas é gigantesco, e promover uma obra na internet é um trabalho hercúleo e em quase tudo distinto do trabalho do escritor. Um trabalho que eu, particularmente, adoraria não ter. Mas muitos de nós, especialmente escritores estreantes, não dispomos da possibilidade de terceirizar este trabalho. É exaustiva e, infelizmente, necessária esta segunda jornada, porque há muita gente produzindo no mundo, em todas as esferas, e a única forma de ter o seu trabalho lido é fazendo-o chegar a seu público. Esta é para mim a etapa mais trabalhosa.

15 Como você enxerga o cenário literário atual e a recepção dos leitores da atualidade em relação aos novos autores?

Acredito que há muita abertura. Me percebo lendo muitos autores contemporâneos e muita gente a meu redor também. Talvez isto se resuma a uma bolha consumidora de literatura, mas não sei. Esta é a parte boa do inferno da internet: como tudo, ela traz consigo sua dor e sua delícia. Antes, dificilmente teríamos acesso a produções menores que não se tornassem tão conhecidas. E tornar uma obra conhecida poderia levar uma vida inteira. Hoje, apesar de bastante trabalhoso, é possível distribuir um trabalho de forma totalmente independente e é possível também consumir o trabalho de muitos artistas totalmente diferentes ao mesmo tempo, enquanto estão vivos. Essa é uma grande beleza que percebo: cada vez mais, a competitividade fará menos sentido neste âmbito. Acho que a democratização do acesso que temos hoje através da internet veio horizontalizar essas relações e nos trazer cumplicidade para nossos caminhos pessoais. Você pode estar aqui, no Brasil, escrevendo sobre uma angústia o mais específica que seja, e em algum momento vai se deparar com alguém do outro lado do mundo escrevendo a respeito de algo muito similar. Além disto, hoje, que temos acesso a muita coisa, percebemos que a pluralidade das criações é tamanha que não faz sentido se comparar um escritor com outro. Me sinto muito acolhida pela cena atual, no sentido de me saber caminhando em paralelo a muita gente boa. Inúmeras vezes leio coisas que julgo serem profundamente elaboradas e totalmente diferentes daquilo que crio, e que jamais criarei; e fico sempre muito feliz quando descubro algum escritor contemporâneo que encontrou sua voz. Assim como o que escrevo só pode ser feito por mim, o que ele escreve, só ele pode escrever, e que bom que está sendo feito. Assim eu posso lê-lo, tê-lo como companhia, porque se alguém neste mundo exprimiu algo que sinto, ou com que me relaciono; pôde capturá-lo e dar-lhe algum nome, já me sinto, com isso, um pouco menos só. E não estar só será sempre muito melhor do que ter sido o único a pensar em alguma coisa.


16. Se pudesse indicar quatro obras literárias que te inspiraram, quais seriam?

Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa)

O lobo da Estepe (Hermann Hesse)

Jóquei (Matilde Campilho)

Todos os fogos o fogo – Júlio Cortázar


17. Que conselho você daria para quem está começando a escrita do primeiro livro?

Que não é preciso dizer tudo que se deseja em uma única obra. Acho que essa é uma das maiores ansiedades de quem nunca publicou, e é um desserviço ao trabalho, é contraproducente. Quando se trata de antologia de poesia, contos ou crônicas, é preciso fazer um recorte coerente para o livro, deixando de fora o que não se enquadra, mesmo que seja muito bom e que você goste muito. Se for dramaturgia ou romance, é preciso entender que encadeamento de eventos potencializa o que se quer transmitir com aquela história. De uma forma ou de outra, é sempre preciso estar atento e disposto a ouvir do que aquela obra precisa, e não o que se quer dizer. Criar uma obra é dar forma a uma experiência, e cada experiência terá sua própria temperatura, sua própria cor. Nem tudo cabe dentro de uma mesma obra.


18. O que esperar para o ano de 2023 em relação à sua escrita?

Em breve, lanço meu segundo livro, também pela Editora Urutau. Desta vez é uma dramaturgia pelo selo feminista Quem Dera o Sangue. Também estou trabalhando no texto para um solo teatral que é um desejo que vem permanecendo há alguns anos.

De mais, o que espero é sempre que o mundo não deixe de me mover. Enquanto isso acontecer, escreverei, cantarei, e estarei viva.

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A obra tem lançamento previsto para o dia 12/05 às 20h, no Restaurante Nina Curitiba.
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