Resenha: TOXIC: Mulheres, fama e a misoginia dos anos 2000, de Sarah Ditum

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APRESENTAÇÃO


Britney, Paris, Lindsay, Aaliyah, Janet, Amy, Kim, Chyna, Jennifer. Em Toxic: Mulheres, fama e a misoginia dos anos 2000 , a jornalista Sarah Ditum descreve como cada uma delas sofreu por ser uma celebridade em uma das épocas mais hostis para ser mulher.

Considerando o período entre 1998 e 2013, o livro de Ditum mostra como a cultura de celebridades considerava aceitável difamar mulheres, revirando a vida delas de cabeça para baixo, porque, afinal, ser “famosa” significava não ter privacidade. Tudo era assunto para os tabloides, desde a virgindade de Britney Spears, o divórcio e a fertilidade de Jennifer Aniston, as consequências do vício de Amy Winehouse, ao fatídico show de Janet Jackson no Super Bowl... O limite do que temos como tolerável hoje em dia era constantemente ultrapassado em todos os casos discutidos.

Com escrita afiada, Toxic destrincha a misoginia que estampava as manchetes e impulsionava vendas e cliques. Ainda adolescente na época retratada neste livro, a autora levanta a questão: tivemos conquistas nos últimos vinte anos, como leis contra crimes virtuais e uma forma mais empática de ver o outro, mas talvez, com a cultura de cancelamento, será que as coisas mudaram tanto assim?


RESENHA


Toxic narra os problemas de gênero na sociedade e a forma com a qual os crimes sexuais ou de violação de espaço no universo das celebridades femininas nos anos 2000 foram crescendo em uma escala acelerada e jamais vista antes, sobretudo, pelo advento dos celulares com câmeras digitais, onde, de certa forma, todos estavam com seu espaço privado inundado pela ausência de responsabilidade jurídica, retirando assim, a culpa da invasão de privacidade dos homens, que eram, em sua maioria, os grandes responsáveis pelos atos. Para ilustrar a raiz do problema, a autora narra um episódio ocorrido em 2006, quando uma jovem anônima teve a parte debaixo de sua saia fotografada sem sua permissão, o que levou a prisão do indivíduo, que foi, posteriormente inocentado sobe a desculpa de que 'a pessoa fotografada não estava em local com expectativa razoável de privacidade', em outras palavras,  a privacidade não lhe assegurada em ambientes públicos, uma vez, que, não se espera este direito em um ambiente público de livre circulação, onde, claro, estamos aptos a nos deparar e até mesmo presenciar situações constrangedoras como esta. A nota do júri foi replicada em outros casos, o que deixou as mulheres em uma situação desfavorável e complicada em relação à sua privacidade.


Ela ainda explica que, o site, Fleshbot, responsável por replicar fotos debaixo das saias de mulheres famosas sempre se postulavam como 'inocentes', uma vez, que, as mulheres famosas sempre mostram 'sem querer' suas partes famosas para os paparazzis é, justamente, de forma proposital, afinal, que jeito melhor de chamar a atenção da mídia para se manter no estrelato? Após o ocorrido, sites que divulgam fotos de mulheres seu seu consentimento as levando ao constrangimento, perseguições de paparazzis e apoio da rede jurídica, este problema se tornou cada vez mais avassalador, uma vez, que, tornou-se demasiadamente complicado evitar que situações como essas ocorressem, uma vez, que, o tempo, normalizaria tudo. Emma Watson, atriz da série de filmes Harry Potter, comenta ao Daily Mail que em seu aniversário de 18 anos, na época, fora inundado por fotógrafos que empenhavam-se cada vez mais em tirar fotos de si com o semblante de bêbada, sobretudo, debaixo de suas saias, alguns, até deitando no chão. Ela comenta como isso se tornou um problema que a fez duvidar de sua privacidade e se sentir extremamente violentada.


Ditum explora como a cobertura negativa dessas mulheres afetou não apenas elas, mas também as mulheres que as consumiam. Com o advento das redes sociais, as celebridades ganharam mais controle sobre suas narrativas, mas ainda enfrentam desafios em relação à privacidade.


A jornalista britânica Ditum começa seu ensaio analisando o início da carreira de Britney Spears, cujo álbum de estreia “…Baby One More Time” foi lançado em 1998. Segundo a autora, o sucesso da estrela pop era baseado em sua capacidade de combinar sensualidade e inocência, especialmente por ter sido uma ex-membro do Mickey Mouse Club que usava um anel de pureza. A questão da virgindade de Spears era constantemente discutida, culminando em uma entrevista polêmica com Diane Sawyer, na qual a cantora foi levada às lágrimas ao falar sobre sua vida sexual. Ditum destaca que o tema do sexo foi tratado de forma séria e sombria, fazendo com que Spears se sentisse pressionada a se desculpar publicamente.


A autora também destaca a diferença entre celebridades como Spears e Lindsay Lohan, que se tornaram famosas antes da era digital; Paris Hilton, que se tornou uma estrela durante essa revolução; e Kim Kardashian, que se destacou depois que smartphones e a pornografia na internet se popularizaram. No segundo ensaio, Ditum se concentra em Hilton, a herdeira que ganhou destaque como socialite em 1999. A autora retrata Hilton como uma jovem empreendedora e adaptável, que entendia que seu papel na mídia era representar um estilo de vida privilegiado.


Sobre Kardashian, Ditum comenta que sua busca pela fama ocorreu no final da década, o que lhe permitiu utilizar a internet a seu favor, ao invés de ser prejudicada por ela. A autora destaca a habilidade de Ditum em trazer novos insights sobre figuras conhecidas, além de sua capacidade de argumentar sobre a importância de ídolos e bodes expiatórios na sociedade, como no caso da comunidade negra em resposta ao abuso de R. Kelly.


O livro Toxic: Mulheres, fama e a misoginia dos anos 2000, de Sarah Ditum, é uma leitura extremamente relevante e necessária para entendermos como a cultura de celebridades tratava as mulheres durante essa época. A autora apresenta uma análise afiada e perspicaz sobre os problemas de gênero na sociedade e como isso afetava as celebridades femininas, como Britney Spears, Paris Hilton, e Kim Kardashian. Ditum expõe de forma corajosa e incisiva a misoginia que permeava a cobertura midiática dessas mulheres, mostrando como a invasão de privacidade, o julgamento público e a objetificação eram constantes em suas vidas. Além disso, ela destaca o impacto que essa cobertura negativa tinha não só sobre as celebridades em si, mas também sobre as mulheres que consumiam essa mídia.


Com uma escrita envolvente e argumentos bem fundamentados, Ditum nos faz refletir sobre como a cultura de celebridades mudou ao longo dos anos e se as conquistas em termos de leis e empatia realmente foram suficientes para proteger as mulheres no mundo do entretenimento. Toxic é uma obra que nos faz questionar o papel da mídia e da sociedade na forma como tratamos as mulheres famosas e nos faz repensar nossos próprios preconceitos e julgamentos.

Três poemas de Rodrigo Cabral

Foto: Acervo pessoal // Divulgação

Rodrigo Cabral, nascido em Campos dos Goytacazes (RJ) no verão de 1990, fundou a editora Sophia em Cabo Frio (RJ). A editora tem como foco a publicação de autores da Região dos Lagos, com ênfase na história e memória locais. O espaço cultural da editora promove uma extensa programação literária, incluindo círculos de leitura, saraus, debates e lançamentos. Em 2024, Rodrigo conquistou o segundo lugar no Prêmio Off Flip na categoria Contos e foi destaque na categoria Poesia. No ano anterior, em 2023, ficou em terceiro lugar no Festival de Poesia de Lisboa e em 2022 foi finalista do prêmio Off Flip na categoria Poesia. Atualmente, está se preparando para lançar seu primeiro livro de poemas em 2024.


Confira três poemas do autor.



monóculo fotográfico



atrás 

do vidrinho

a vida solta

sinais de fumaça

pelas montanhas


atrás

do vidrinho

pigmentos

descascam

fabricações

premonitórias


atrás

do vidrinho

remadores rumam

à boca da barra

pronunciando

caymmi


atrás

do vidrinho,

meu velho,

eu sou

hoje

o seu 

tórax





dobradura 


eu construo barcos

você me fornece o atlântico

eu transformo chapéu em proa

crio tormentas com mindinhos

meu barco é firme

está afundando

você sorri

orgulhosa







canção


a vibração das cordas

o aço das ondas

a bruma na boca


   : é o céu

   : é o corpo

   : é o súbito


Resenha: Em agosto nos vemos, de Gabriel García Márquez

Foto: Arte digital

 

APRESENTAÇÃO

Todo mês de agosto, Ana Magdalena Bach pega uma barca para uma ilha caribenha a fim de colocar um ramo de gladíolo no túmulo de sua mãe. Todos os anos, ela se hospeda em um hotel e, antes de dormir, desce para comer algo no bar. Para não ter erro, ela pede sempre o mesmo sanduíche de presunto e queijo e depois sobe para seus aposentos. Até que, certa vez, um homem a convida para uma bebida. E, depois do primeiro gole de seu gim com gelo e soda, sentindo-se atrevida, alegre, capaz de tudo ― inclusive de se despir de suas amarras conjugais, esquecendo momentaneamente marido e filhos ―, ela cede aos avanços do desconhecido e o leva para seu quarto.

Essa noite específica faz com que Ana Magdalena ― e sua vida ― mude para sempre. E, depois dessa experiência, ela passa a ansiar por cada mês de agosto, quando não apenas visita o túmulo de sua mãe como também tem a chance de escolher um amante diferente todos os anos.

Escrito no estilo fascinante e inconfundível de um dos maiores ícones da literatura latino-americana, Em agosto nos vemos pinta o retrato de uma mulher que descobre seus desejos e se aprofunda em seus medos. Uma preciosidade que vai encantar fãs do saudoso Gabo, assim como novos leitores desse grande escritor.


RESENHA


A narrativa nos apresenta a personagem principal, Ana Magdalena Bach, uma mulher de quarenta e seis anos que retorna à ilha onde sua mãe está enterrada. Através de uma descrição detalhada de suas ações e pensamentos, somos levados a conhecer um pouco mais sobre a vida e os sentimentos dessa mulher solitária e introspectiva.


Ana Magdalena Bach é retratada como uma mulher reservada, de poucas palavras, que mantém uma rotina anual de visitas à ilha para prestar homenagem à sua mãe falecida, onde se desnuda de seus compromissos, filhos, matrimônio - e de toda história deixada para trás. No entanto, nessa viagem em particular, ela se envolve em um encontro inesperado com um homem misterioso no hotel em que está hospedada.


Seu nome era Ana Magdalena Bach, tinha completado quarenta e seis anos de vida e vinte e sete de um matrimônio bem estabelecido com um homem que amava e que a amava, com quem se casou sem terminar o curso de Artes e Letras, ainda virgem e sem ter namorado antes. A mãe tinha sido uma célebre professora de escola primária montessoriana que, apesar de seus méritos, não quis ser outra coisa até o último suspiro. Ana Magdalena herdou dela o esplendor dos olhos dourados, a virtude das poucas palavras e a inteligência para controlar seu temperamento [...] (p.17).


O encontro entre Ana Magdalena e o homem desconhecido é descrito de forma sensual e delicada, mostrando a vulnerabilidade e a ousadia da personagem. A autora nos leva a acompanhar a intimidade revelada entre os dois, em meio a uma tempestade que ecoa as paixões e conflitos internos da personagem.


[...] só restavam três casais em mesas dispersas, e, bem na frente dela, um homem distinto que não tinha visto entrar. Usava linho branco, os cabelos metálicos. Tinha na mesa uma garrafa de brandy, uma taça pela metade e parecia estar sozinho no mundo. [...]  Achou que o homem da mesa da frente não a tinha visto, mas o surpreendeu observando-a quando o fitou pela segunda vez. Ele enrubesceu [...] Ela se apressou em atacá-lo com beijos suaves na orelha, no pescoço, ele a procurou com os lábios e os dois se beijaram na boca pela primeira vez.  (p.19 - 22).


Após a aventura, ela se depara com a partida repentina do homem e a solidão que se segue para Ana Magdalena, evidenciando a efemeridade dos momentos de prazer e a complexidade das relações humanas. - Só então se deu conta de que não sabia nada dele, nem mesmo o nome, e a única coisa que restava de sua noite louca era um triste cheiro de lavanda no ar purificado pela borrasca. Só quando apanhou o livro na mesinha de cabeceira para guardar na maleta foi que percebeu que ele havia deixado entre suas páginas de terror uma nota de vinte dólares. (p. 23)


Com uma prosa cuidadosamente construída e um olhar apurado para as emoções e desejos dos personagens, o livro nos envolve em uma história de encontros fugazes e descobertas pessoais. A personagem de Ana Magdalena Bach, com sua dualidade entre a responsabilidade cotidiana e a busca por conexões emocionais, se revela como um retrato fascinante da condição humana.


Magdalena sente durante o retorno à barca, que jamais voltaria a ser a mesma mulher após aquele encontro. Como lidar com um encontro efêmero que nos marca profundamente, e talvez, para sempre? Ao retornar para sua rotina em casa, ela percebe que tudo está diferente, e que algo havia mudado, o que a faz começar analisar sua casa e a rotina fio por fio, até entender, em certo ponto, que ela é quem havia mudado de dentro para fora.


Embora não estivesse ciente das razões de sua mudança, tinha algo a ver com a nota de vinte dólares que levava na página cento e dezesseis de seu livro. Ela tinha padecido com um sentimento insuportável de humilhação e sem um instante de sossego. (p.25)


Ela então sente-se, em partes, culpada por sua aventura, o que a faz confrontar seu marido sobre a noite anterior, o fazendo ficar sem entender nada. A conversa se extende até banheiro onde ambos se deliciam com a água correndo pelo corpo. Ele se chamava Doménico Amarís, um homem descrito como extremamente educado, bonito, fino e muito bem estruturado financeiramente. O relacionamento de ambos toma contornos de tensão e desconfiança, enquanto ela, Ana Magdalena, culpabiliza os recentes comportamentos de sua filha rebelde, Micaela, pelo ocorrido, o que claro, é rebatido pelo marido: você voltou assim.


— Fiz alguma coisa errada? — Não sei, porque nem eu mesma tinha percebido — respondeu ela, com o temperamento que tanto assombrava o esposo. — Mas talvez você tenha razão. Não será a impertinência de Micaela? — É anterior a isso — disse ele. E se atreveu a dar o passo final: — Você chegou da ilha assim.


Após este episódio, Ana Magdalena Bach, viaja novamente para ilha para visitar o túmulo de sua mãe, onde, por ironia do destino, é convidada por um homem jovial à dançar, ao qual ela, conhecedora da dança e suspeita da idade dele, o guia pelo salão. Eles tomam champanhe e ela o segue até o quarto em um encontro casual e quente descrito com o tecido mais leve e fino da sensualidade dos encontros casuais. Mais tarde, ela encontrou o homem do ano seguinte, na barca que a levava para a ilha. 


Ana Magdalena Bach encontra o advogado Aquiles Coronado no barca para a ilha, onde relembram sua longa amizade e flertam discretamente, tentando seduzir-la ao longo dos anos, mas ela mantém a amizade sem ceder às investidas amorosas.


Ela retornou para casa e confrontou o marido com inúmeras perguntas, tentando descobrir se ele encobriria, de alguma forma, um episódio de traição enquanto sentia um peso na consciência pelo acordo silencioso que nutririam à anos quando se casaram, tinha dito a ele que não se importaria se ele fosse para a cama com outra, com a condição de que não fosse sempre com a mesma, ou que fosse só uma vez. Após indagá-lo sobre como fora o procedimento dele em relação à aventura fora do casal, ambos acabaram em risos frenéticos, mas não sem antes, ela se esvair em fúria e ódio.


Ao regressar no ano seguinte à ilha, Ana se depara com a ajuda de um estranho para conseguir um novo quarto, desta vez, em um outro hotel. Eles se encontraram e ela se deleitou em como ele a tratou com tanto amor e suavidade, mas acabou rasgando seu cartão de visitas no final da noite para não sobrar rastros de suas aventurais anuais. Ela então regressa para casa, sente a indiferença da família devido aos inúmeros compromissos do marido com o trabalho, do filho com a música e da filha pela vida no convento. Ela então começa a refletir sobre como os encontros inundavam a forma com a qual ela enfrentava o relacionamento e enxergava a si própria, ela então retoma à ilha no ano seguinte decidida a acabar com as aventuras de uma noite só. O enredo se acaba com uma cena pouco provável ou imaginada pelos leitores, mas que evoca, em uma única linha, o âmago das decisões bem pensadas. 


Um enredo poderoso e poético que Garcia Márquez nos deixou de forma tão abrupta. Um enredo que desdobrou-se a explorar as relações e o âmago das nossas escolhas e a forma com a qual entendemos e compreendemos as nuances que a cobrança da culpa nos impõe no dia a dia. A prisão que cultivamos em nossas escolhas e nos pensamentos, a forma como dirigimos e digerimos nossa vida e a forma com a qual nos relacionamentos com nosso interior. Poderoso e implacável, certamente, um último livro incrivelmente arrebatador.

Resenha: Declaração de amor, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO


Lançado pela Editora Record em 2005, Declaração de amor volta às livrarias nesta nova edição, revista e ampliada, com a seleção dos mais belos poemas de amor de Carlos Drummond de Andrade.


“Que pode uma criatura senão, / entre criaturas, amar?”, pergunta Carlos Drummond de Andrade em um poema desta coletânea, organizada por dois de seus netos, Luis Mauricio Graña Drummond e Pedro Augusto Graña Drummond, e pelo estudioso de sua obra Edmílson Caminha. Aqui, o amor não é tema abstrato, sonho, fantasia, mas atração plena de libido, de desejo, de pulsão de vida. Um dos maiores nomes da literatura mundial no século XX, o poeta não derrapa na pieguice, no melodrama, no apelo à emoção, mas cria versos que encantam o leitor pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Muitas vezes, também pela delicadeza e o senso de humor.


Lançado pela Editora Record em 2005, Declaração de amor volta às livrarias nesta nova edição, revista e ampliada, com capa dura, a que se acrescentam seis poemas do livro Poesia errante: “A essa altura da vida”, “Amor – eu digo”, “Canção de namorados”, “Nossa história de amor”, “Papinho lírico no Dia dos Namorados” e “Quero sentir”. Declarações amorosas que nos fazem concordar com Drummond, quando escreveu: “Amor é primo da morte, / e da morte vencedor, / por mais que o matem (e matam) / a cada instante de amor.”


Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Poeta, contista e cronista, considerado um dos maiores nomes da poesia brasileira do século XX, foi autor, entre outros, de Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, Claro enigma, Fazendeiro do ar e Fala, amendoeira. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1987, aos 84 anos.


RESENHA


Declaração de Amor, relançado em edição revista e ampliada, reúne os mais belos poemas de amor de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores nomes da literatura mundial do século XX. Através da cuidadosa seleção de seus netos e do estudioso Edmílson Caminha, esta coletânea oferece um panorama comovente da visão única de Drummond sobre o amor.


Longe de ser um tema abstrato ou idealizado, o amor em Declaração de Amor é pulsante, carnal e cheio de vida. Drummond não se furta de explorar a paixão em toda sua intensidade, com versos que celebram a atração física, o desejo e a pulsão vital. Ao mesmo tempo, o poeta demonstra maestria na construção de poemas que encantam pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Em alguns momentos, encontramos delicadeza e humor, enquanto em outros, a paixão se manifesta com toda sua força e intensidade.


Em "Amar", Carlos Drummond de Andrade nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza complexa e multifacetada do amor. Através de versos densos e carregados de simbolismo, o poeta explora as diversas formas que o amor pode assumir, desde a sua expressão mais pura até a sua faceta mais obscura. O poema abre com uma pergunta contundente: "Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?". Essa indagação estabelece o amor como o elemento central da existência humana, algo que nos conecta uns aos outros e define a nossa essência.



Drummond não se limita a uma definição simplista do amor. Ele explora as suas diversas nuances, desde a entrega total ("amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar?") até a contemplação platônica ("amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante"). O poeta também reconhece a faceta dolorosa do amor, marcada pela perda e pela finitude. A imagem do mar que "traz à praia" e "sepulte" é uma metáfora poderosa para a efemeridade da vida e do amor. Essa dualidade se manifesta ainda na frase "Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas". O amor, em sua imensidão, pode ser direcionado tanto para objetos que o retribuem ("coisas pérfidas ou nulas") quanto para aqueles que o ignoram ou o rejeitam.


Apesar da dor e da ingratidão, o eu lírico reconhece a necessidade humana de amar, mesmo que isso signifique doar-se a algo que não nos retribui. A "procura medrosa, paciente, de mais e mais amor" revela a busca incessante por um amor que preencha o vazio existencial.


Em "Ausência", Carlos Drummond de Andrade nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza do amor e a ilusão da busca pela sua plenitude. Através de versos simples e carregados de simbolismo, o poeta explora a frustração e a solidão do eu lírico diante da ausência do amor. O poema se inicia com a imagem do eu lírico subindo ao "Pico do Amor", acreditando encontrar lá a presença do sentimento tão almejado. A expectativa de encontrar o amor no topo da montanha reflete a crença humana na existência de um lugar ideal onde a felicidade e a plenitude residem. No entanto, ao chegar ao topo, o eu lírico se depara com a "serenidade de nuvens sussurrando ao coração: Que importa?". Essa frase revela a decepção e o vazio diante da ausência do amor. O pico, símbolo da busca pelo ideal, se torna um lugar de questionamentos e dúvidas.


O eu lírico então especula sobre a possibilidade de encontrar o amor em outros lugares, como em uma "lagoa decerto" ou em uma "grota funda". Essa busca por lugares próximos, mas ainda inacessíveis, representa a esperança do eu lírico em encontrar o amor em lugares inesperados. No entanto, a última estrofe traz a negação final: "Ou? mais encoberto ainda, onde se refugiam coisas que não são, e tremem de vir a ser.". Essa frase sugere que o amor que o eu lírico busca pode ser algo ilusório, algo que não existe na realidade e que apenas "treme de vir a ser".O poema termina com uma sensação de incerteza e inconclusão. O eu lírico fica sem saber onde encontrar o amor, ou se ele realmente existe. Essa ausência de respostas pode ser interpretada como um convite à aceitação da realidade e à superação da busca incessante por um ideal inatingível.


Em "Toada do Amor", Carlos Drummond de Andrade tece uma canção poética sobre a natureza cíclica e passional do amor, utilizando uma linguagem simples e direta, marcada por expressões coloquiais e imagens vívidas. O poema nos convida a refletir sobre a complexa relação entre amor, briga, perdão e a própria essência da vida. Os versos iniciais estabelecem o tom do poema: "E o amor sempre nessa toada: briga perdoa perdoa briga." Essa repetição cria um ritmo musical e enfatiza a natureza cíclica do amor, marcado por momentos de conflito e reconciliação.




O eu lírico reconhece a inutilidade de "xingar a vida", pois, apesar das dificuldades, a vida segue seu curso e a gente "vive, depois esquece." No entanto, o amor se diferencia dessa fluidez natural, retornando constantemente para "brigar" e "perdoar", como um "cachorro bandido trem". A metáfora "amor cachorro bandido trem" evoca a imagem de um animal selvagem e imprevisível, simbolizando a paixão e a intensidade do amor. Essa paixão, por vezes turbulenta, leva à "briga", mas também abre espaço para o "perdão", demonstrando a capacidade do amor de superar conflitos e se renovar. O eu lírico questiona: "Mas, se não fosse ele, também que graça que a vida tinha?". Essa pergunta revela a importância do amor como elemento fundamental da existência humana. Mesmo com suas contradições e desafios, o amor é visto como algo que dá sentido à vida, que a torna mais rica e intensa.


Na última estrofe, o eu lírico se dirige à "Mariquita" e pede o seu "pito", afirmando que "no teu pito está o infinito." Essa imagem simbólica pode ser interpretada de diversas maneiras, desde uma referência à sexualidade até uma metáfora para a própria vida, com suas possibilidades infinitas.


Em "Receita para não engordar sem necessidade de ingerir arroz integral e chá de jasmim", Carlos Drummond de Andrade nos convida a um banquete poético, onde o amor se torna o ingrediente principal para uma vida plena e livre de preocupações com dietas restritivas. Através de versos singelos e carregados de humor, o poeta nos oferece uma receita inusitada e deliciosa para alcançar a felicidade. O poema se apresenta como uma "receita", subvertendo a expectativa do leitor e convidando-o a pensar de forma diferente sobre os conceitos de dieta e bem-estar. O "regime sensacional" proposto por Drummond não se baseia em restrições alimentares, mas sim em uma prática constante e integral do amor.



A metáfora do "amor integral" é central para a compreensão do poema. O amor, em sua forma mais completa e plena, é apresentado como o alimento essencial para a alma, nutrindo-a e proporcionando-lhe a energia necessária para viver com alegria e vitalidade. Drummond nos convida a "praticar o amor integral" desde a "aurora matinal até a hora em que o mocho espia", sugerindo que o amor deve permear cada momento da nossa existência. Essa prática constante nos permite aproveitar ao máximo a vida, abraçando-a em toda a sua plenitude e efemeridade. O poema nos convida a abandonarmos as preocupações com dietas e a buscarmos a felicidade em experiências autênticas e significativas. O "arroz integral" e o "chá de jasmim", símbolos de regimes alimentares restritivos, são deixados de lado em favor de um amor que nos liberta da obsessão com o corpo e nos permite viver com mais leveza e liberdade.


A frase "Pois a vida é um sonho e, se tudo é pó, que seja pó de amor integral" nos convida a refletir sobre a finitude da vida e a importância de aproveitarmos cada momento ao máximo. O amor, em sua forma mais pura, nos permite transcender a efemeridade da existência e deixar um rastro de beleza e significado no mundo.


Em "O Chão é Cama", Carlos Drummond de Andrade nos convida a mergulhar na intensidade de um amor arrebatador que transcende os limites do convencional. Através de versos curtos e linguagem direta, o poeta celebra a urgência da paixão e a busca por refúgio no corpo do outro. O poema abre com a contundente afirmação: "O chão é cama para o amor urgente". Essa frase estabelece o tom da obra, caracterizado pela urgência, pela pulsão e pela impossibilidade de adiamentos. O amor em questão não se contenta com a espera, ele exige expressão imediata, mesmo que isso signifique prescindir do conforto e da privacidade de um quarto.


Drummond não se furta de explorar a paixão em toda sua intensidade, com versos que celebram a atração física, o desejo e a pulsão vital.  Ao mesmo tempo, o poeta demonstra maestria na construção de poemas que encantam pela riqueza humana, pela força dos sentimentos e pelo apuro da forma. Em alguns momentos encontramos delicadeza e humor, enquanto em outros, a paixão se manifesta com toda sua força e intensidade. Em suma, "Declaração de Amor" é uma obra-prima da poesia brasileira, que nos convida a uma jornada profunda e emocionante pelo universo complexo e multifacetado do amor, em todas as suas manifestações.

Resenha: Contos de aprendiz, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Nascido em uma região rural, Drummond incorpora essa experiência em muitas dessas quinze histórias, a exemplo de “A salvação da alma”, em que a infância e a adolescência de cinco irmãos são atravessadas pelo clima bucólico e ingênuo do interior do país na primeira metade do século XX, e “O sorvete”, no qual dois meninos enfrentam o dilema de experimentar ou não pela primeira vez uma até então desconhecida iguaria.

Aos poucos, as histórias avançam em direção às grandes cidades, mostrando sua lenta transformação. O talento de Drummond para a clareza e a elegância narrativa colabora para a construção psicológica de seus personagens. Na longa narrativa tchekhoviana “O gerente”, o autor vai aos poucos construindo (e desconstruindo) o protagonista Samuel, um bancário que frequenta o jet set carioca e é acusado de um crime bizarro, sendo por isso apelidado pelos jornais de “o Vampiro dos Salões”. Drummond cadencia as revelações e deixa o leitor “espiar” os acontecimentos, ao mesmo tempo que mostra a complexidade de “pessoas comuns”.


RESENHA


O livro "Contos de Aprendiz" de Carlos Drummond de Andrade apresenta uma série de narrativas que exploram temas como a infância, a vida interiorana, as relações familiares e sociais, e o cotidiano de forma geral. Através de contos curtos e objetivos, o autor consegue capturar a essência das situações descritas, levando o leitor a refletir sobre questões profundas e muitas vezes perturbadoras. Em cada conto, Drummond apresenta personagens complexos, muitas vezes confrontados com dilemas morais, sociais e existenciais. A narrativa muitas vezes aborda temas como a solidão, o medo, a morte, a busca por aceitação, a relação com o outro e a própria identidade. Além disso, o autor utiliza uma linguagem simples e direta, mas carregada de significados e simbolismos, o que enriquece a leitura e convida à reflexão.


A variedade de temas abordados nos contos de Drummond mostra a versatilidade e a profundidade do autor, que consegue transitar com maestria por diferentes gêneros e estilos literários. Sua capacidade de criar personagens marcantes e situações impactantes é uma das marcas registradas de sua obra, e em "Contos de Aprendiz" isso não é diferente. 


A salvação da alma: A história narra a relação conturbada entre cinco irmãos em uma cidade onde as brigas eram comuns. Com a partida do irmão mais velho, Miguel, os outros irmãos se viram sozinhos e continuaram com os conflitos entre si. Ester, a única filha, era explorada pelos irmãos para conseguir dinheiro. Com a chegada dos padres, os meninos foram levados para se confessar e Tito, o penúltimo filho, pediu perdão ao irmão mais novo com quem brigava constantemente. No entanto, após um incidente durante a punição, os irmãos não puderam comungar no dia seguinte.


Sorvete: Joel e seu colega moravam em uma pequena cidade e ficaram impressionados ao ver um anúncio de sorvete de abacaxi em uma confeitaria. Eles inicialmente foram ao cinema, mas não conseguiram se concentrar pensando no sorvete. Abandonaram o filme e foram experimentar o sorvete, mesmo odiando. Joel comeu até o fim para não ferir a honra da família, e seu amigo foi obrigado a fazer o mesmo.


A doida: Um grupo de crianças na cidade tem medo de uma mulher considerada louca, que vive isolada em uma casa. Um dia, eles tentam assustá-la, mas um dos meninos acaba descobrindo que ela está muito doente e decide ficar com ela até o final de sua vida.


Presépio: Das Dores era uma jovem ocupada com tarefas dadas pelo pai para que ela não ficasse ociosa. Mesmo assim, ela tinha um namorado chamado Abelardo. Na véspera de Natal, Abelardo foi visitá-la, atrasando a finalização do presépio, tarefa que apenas Das Dores sabia fazer corretamente. Ela estava dividida entre terminar o presépio e ir à missa de galo para ver Abelardo. Enquanto montava o presépio, só pensava nele, mesmo com várias distrações e a pressão do tempo passando rápido.


Câmara e cadeia: Valdemar estava na Câmara Municipal onde todos os homens discutiam sobre impostos, mas apenas ele estava trabalhando. Enquanto o calor abafava a sala, Valdemar foi até a janela e lembrou-se da cadeia que ficava embaixo da câmara. De repente, um preso fugido entrou na sala dos homens, contando sobre a sua fuga e as condições horríveis da cadeia. Valdemar tentou prendê-lo novamente, mas o preso acabou fugindo enquanto os policiais tentavam capturá-lo.


Beira rio: As terras da companhia lideradas pelo capitão Bonerges proibiam bebidas alcoólicas, o que deixava os trabalhadores desanimados. Um negro que vendia bebidas clandestinamente trouxe animação e disposição para o trabalho, mas foi expulso por Bonerges com a ajuda da polícia. Mesmo após ter sua vendinha destruída, o negro partiu calmamente, apesar dos tiros.


Meu companheiro: O homem na estrada pagou mais do que o necessário por um cachorrinho que não passava de um vira-lata, mas tinha traços de cães de raça. Levou-o para casa e o nomeou Pirulito. Sua esposa não era muito fã de animais de estimação, mas o cachorro se aproximava mais do homem, que se tornou seu companheiro. Os dois conversavam e tinham uma conexão especial, apesar dos meninos implicarem que o cachorro gostava de gente "velha". Um dia, Pirulito desapareceu, deixando o homem triste e sem entender o motivo de seu amigo ter ido embora.


Flor, telefone e moça: Uma moça vivia ao lado de um cemitério e arrancou uma flor do chão, lançando-a fora sem pensar. Logo depois, começou a receber ligações de uma voz suplicante pedindo a flor de volta. Mesmo com a ajuda policial, a voz persistia, levando a família a buscar ajuda espiritual. A voz continuou até que a menina, perturbada, faleceu.


A baronesa: Luis vivia na casa da rica baronesa há muito tempo, mas só a viu algumas vezes. Quando ela morreu, correu para buscar Renato, o sobrinho-neto, e juntos foram até a casa da baronesa em busca de suas jóias. Renato pegou um colar que sobrara do corpo da baronesa, incomodando sua posição de morte, e depois eles fizeram a partilha justa das jóias no banheiro.


O gerente: Samuel, o gerente bem-sucedido do banco, vive uma série de incidentes estranhos que envolvem mulheres perdendo a ponta dos dedos após serem cumprimentadas por ele. Apesar de ser acusado, a polícia não encontra provas contra ele, e ele é afastado do banco e vai morar em São Paulo. Anos depois, encontra uma das vítimas que teve que amputar o braço devido a uma infecção. Eles se encontram novamente, mas apenas bebem muito e no dia seguinte Samuel volta a São Paulo sem concluir seus negócios no Rio.


Nossa amiga: Uma menina de três anos vivia entre duas casas e para evitar a mão bisbilhoteira foi criada a personagem Catarina, uma borboleta "bruxa" que quebrou um cachorrinho de vidro. Também havia o personagem Pepino, um velho bêbado que assustava as crianças. Mesmo com medo, a menina acabava indo de uma casa para outra, sendo enganada com a promessa de uma festa com Pepino. Por fim, ela brincava de mamãe, usando frases de adultos em suas brincadeiras.


Miguel e seu furto: Miguel era um homem simpático, mas sem ocupação na vida. Após perder seu sustento, ele dormia em jornais e teve a ideia de roubar o mar. Com as novas regras impostas, Miguel se tornou incrivelmente rico, queimava sua riqueza para ter onde guardar suas aquisições. Mas, um dia, crianças nadaram no mar e o povo retomou sua posse. Miguel depositou sua fortuna em bancos e passou a colecionar conchinhas para lembrar de sua ex-propriedade.


Conversa de velho com criança: Um homem idoso e uma menina chamada Maria de Lourdes conversam em um ônibus. O homem, chamado Ferreira, descobre o nome da menina sem precisar perguntar, e a menina descobre o nome dele da mesma maneira. A menina traz um pacote de balas que parece ser seu tesouro, enquanto o homem carrega sacolas de compras e está em pé. Quando o cobrador vem cobrar a passagem, o homem tem dificuldade em encontrar a moeda e acaba deixando-a cair na rua, mas não precisa pagar a passagem pois não encontraram a moeda. A menina oferece uma bala ao homem, indicando que são amigos próximos, e o homem percebe que ela fez isso para poder comer também. Ao descerem do ônibus, o homem se questiona se são realmente amigos próximos ou apenas avô e neta que se dão muito bem.


Extraordinária conversa com uma senhora de minhas relações: Um homem tem uma conversa com uma senhora conhecida em um ônibus, onde ele tenta lembrar quem ela é através de sua voz. Eles trocam cumprimentos e ele nota o vestido dela e suas curvas. Ela pergunta como ele está e ele responde com versos, mas depois corrigi para uma resposta mais educada. Ela fala sobre suas preocupações, mas ele está mais preocupado em ultrapassar limites. Quando ela desce do ônibus, ele reflete que foi a conversa mais extraordinária que teve com uma dama de sua relação.


Um escritor nasce e morre: Um escritor talentoso nasce em uma cidade pequena após ouvir sobre o Pólo Norte na escola. Se destaca na escrita desde jovem e é reconhecido pela sua professora. Ele cresce, escreve contos e poesias, sempre se mantendo humilde e criticando outros escritores. Uma voz em sua mente o chama de artista nato. Aos trinta anos, ele falece, deixando um legado de obras literárias.


O livro se chama "Contos de Aprendiz" porque cada uma das histórias apresentadas no livro mostra personagens em processos de aprendizagem e transformação. Os contos exploram as experiências dos personagens, suas relações e conflitos, levando-os a enfrentar dilemas morais, sociais e existenciais. Ao longo das narrativas, os personagens são confrontados com situações que os fazem refletir e crescer, aprendendo lições importantes sobre si mesmos, sobre os outros e sobre o mundo ao seu redor. Dessa forma, o título "Contos de Aprendiz" reflete a jornada de aprendizagem e amadurecimento dos personagens ao longo das narrativas apresentadas no livro.


Em resumo, o livro "Contos de Aprendiz" de Carlos Drummond de Andrade é uma obra que explora de forma criativa e profunda as nuances da vida, os dilemas da existência e as complexidades das relações humanas. Através de narrativas envolventes e personagens cativantes, o autor nos leva a refletir sobre questões essenciais do ser humano e do mundo que nos cerca. A leitura do livro é essencial para quem busca entender melhor a obra de Drummond e se aprofundar em sua visão de mundo e de literatura.

Resenha: Amar se aprende amando, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

“O mundo é grande e cabe / nesta janela sobre o mar. / O mar é grande e cabe / na cama e no colchão de amar. / O amor é grande e cabe / no breve espaço de beijar.” Com versos assim, que conciliam sofisticação e simplicidade, esta


coletânea exalta o mais nobre “sentimento do mundo”.

Publicado originalmente em 1985, apenas dois anos antes da morte de Drummond, Amar se aprende amando nos revela as diferentes facetas do amor. Para falar delas, o poeta sempre encontra um viés inusitado (como nos saborosos neologismos “sempreamar” e “pluriamar”), que evidencia sua aversão à retórica e evita a pieguice que ronda a poesia quando se fala das “coisas do coração”. Seus versos fazem aquilo que para muitos é impossível: traduzem sentimentos indescritíveis em palavras.

Se o amor romântico, aquele precedido pela paixão arrebatadora, tem destaque em poemas impactantes como “Amor” e “Lira do amor romântico”, Drummond também mostra que “O amor antigo tem raízes fundas, / feitas de sofrimento e de beleza”. Na segunda seção do livro, abre o leque para compor poemas magistrais sobre o amor fraterno, com destaque para o comovente “Companheiro”, feito para os 80 anos do amigo Pedro Nava. Na última parte, o poeta incorpora o cronista em versos tirados da realidade brasileira, que, àquela altura, caminhava para uma transição democrática depois dos amargos “anos de chumbo”.


RESENHA


Em Amar se aprende amando, Drummond fala sobre o amor na velhice e como ele muda com o passar dos anos. O poeta reflete sobre a importância de cultivar o amor e aprender com ele, mesmo diante de um mundo marcado pela brutalidade e pela indiferença. Ele aborda questões políticas e sociais, como a violência e a desigualdade, e como esses elementos afetam o amor e a esperança. Drummond mostra que, apesar das dificuldades, é preciso continuar cultivando o amor e mantendo a esperança viva, sem expectativas de uma felicidade universal.


Essas reflexões acerca do envelhecimento do corpo, que fazem alusão à capa da obra na qual se retrata o dorso de um corpo jovem, são destacadas por Drummond em suas reflexões do poema "Fazer 70 anos". Ele inclui a ideia de que atingir a idade de 70 anos não é uma tarefa simples, pois ao longo da vida somos confrontados com perdas e transformações no âmago de nosso ser. O poema fala sobre a necessidade de lidar com as memórias e ruínas do passado, bem como com a incerteza do futuro. Além disso, há uma reflexão sobre a dualidade de sentimentos que acompanha a chegada dos 70 anos, como a alegria misturada com a tristeza. Por fim, o poema destaca a importância da amizade e do apoio mútuo nessa fase da vida, ressaltando a estranha felicidade que pode surgir da velhice.


O poema "Reconhecimento do Amor" fala sobre a descoberta e aceitação do amor em uma amizade. O eu lírico descreve como inicialmente não entendia o verdadeiro significado do amor e como, aos poucos, foi se deixando envolver por ele de forma suave e doce. Através da amizade e da entrega mútua, o eu lírico percebe que o amor dissipa a individualidade e une os amantes em uma só essência, onde não há mais separação entre eles. O poema enfatiza a importância do amor como força transformadora e redentora, que transcende a razão e a própria existência individual para se integrar em um todo perfeito. No final, o eu lírico expressa a sua felicidade em estar completamente mergulhado no mar do amor, onde não há mais espaço para a superficialidade do mundo exterior. É um poema que celebra a beleza e a plenitude do amor verdadeiro.


O envelhecimento e as datas do calendário são vistos como mitos, enquanto o amor é descrito como algo atemporal, que nasce a cada momento. O poema destaca a ideia de que o amor é a conexão que une dois corações para a eternidade. O autor reflete sobre como o tempo não passa quando se trata do amor que sentimos no coração. Ele descreve o amor como algo eterno, que transcende qualquer medida de tempo. O autor enfatiza que o amor é a essência da vida e que, além do amor, não há nada.


O autor nos fala sobre a busca do ser humano por outro ser, que ao ser encontrado, gera um sentimento de estar completo e dividido ao mesmo tempo. O amor é descrito como um selo sublime que dá cor, graça e sentido à vida. No entanto, apesar da beleza e do perfume da rosa que simboliza o amor, o narrador não consegue senti-lo diretamente.


Em síntese, o livro 'Amar se aprende amando' é uma obra profunda e reflexiva que aborda questões universais como o amor, o envelhecimento e a busca pela felicidade. Drummond consegue conectar o leitor com suas palavras poéticas e sensíveis, levando-o a refletir sobre a importância do amor e da esperança mesmo em meio às adversidades da vida. O livro é uma verdadeira lição sobre como cultivar o amor e manter a fé nos dias difíceis, tornando-se uma leitura inspiradora.

Resenha: Moça deitada na grama, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte Digital

 APRESENTAÇÃO


Carlos Drummond de Andrade inaugura este volume contemplando uma moça esparramada na grama: “Eu vi e achei lindo. Fiquei repetindo para meu deleite pessoal: ‘Moça deitada na grama. Moça deitada na grama. Deitada na grama. Na grama’. Pois o espetáculo me embevecia. Não é qualquer coisa que me embevece, a esta altura da vida”. Essa e outras situações irrompem nas crônicas de Drummond para provar que a realidade também é feita de lirismo ― e vice-versa.

Derradeiro livro entregue à editora, em 1987, Moça deitada na grama é uma seleção das últimas crônicas escritas pelo poeta, que por décadas colaborou para os jornais mais relevantes do país. O insólito e o lírico são faces de uma mesma moeda nestes textos que descrevem o Rio de Janeiro e seus moradores, em situações cômicas e despretensiosas, com boas doses de filosofia.


RESENHA


"Moça deitada na grama" é um livro que nos convida a contemplar a realidade sob uma perspectiva lírica e despretensiosa, por meio das últimas crônicas escritas por Carlos Drummond de Andrade antes de sua partida. Nesta obra, o poeta nos leva por situações cotidianas e singelas do Rio de Janeiro e de seus moradores, com um olhar que mescla humor, filosofia e poesia. Com uma seleção de textos que vão desde a reflexão sobre o lirismo encontrado em uma simples moça deitada na grama até a crônica sobre a linguagem dos animais, Drummond nos faz refletir sobre a beleza e a complexidade do mundo ao nosso redor. Na obra de Drummond, encontramos uma poesia que se destaca pela liberdade formal e pela abordagem de questões sociopolíticas. Apesar disso, o que mais ressalta em seus textos são os temas do dia a dia, que, embora enraizados em sua cultura, transmitem uma mensagem universal.


Nesta obra, Drummond tece fortes críticas à sociedade, essa característica de descrever cenas cotidianas de forma despretensiosa que, como sabemos, aproximam-se da realidade em igual caráter, apresentam um novo Drummond em seus últimos dias, um poeta preocupado não somente com as aparências e com as descrições minuciosas do espaço e do deleite da vida, mas do que fazemos deste deleite na linha entre a ação e o tempo. Drummond apresenta cada linha um parâmetro de debate sociológico profundo acerca de sexualidade, relações sociais e situações freneticamente repletas do inesperado com uma dose de humor, característica do autor em criar e descrever enredos que aproximam o leitor da realidade expressa em suas críticas.


Em 'moça deitada na cama', texto de título homônimo ao livro, ao descrever a cena de uma mulher deitada na grama aproveitando o dia e sendo abordada por um guarda, que, baseado em cenas características da preocupação - ou ausência dela - de civilidade acerca das regras convencionais que regem os espaços públicos, sobretudo, de uma crítica profunda acerca da igualdade de gênero, pede para que ela se retire do espaço. Aqui, Drummond traz uma reflexão sociológica sobre as questões de gênero, poder e hierarquia presentes na sociedade. A moça, deitada na grama, representa a liberdade, o conforto e a tranquilidade, mas é rapidamente interrompida por um guarda que a aborda de forma autoritária e sexista, impondo-lhe regras e normas sociais. Historicamente, as mulheres têm sido constantemente subjugadas e controladas pela sociedade patriarcal, que impõe padrões de comportamento e limita sua liberdade. A moça da poesia desafia essas normas ao questionar o porquê de não poder deitar-se na grama como os homens e ao defender a igualdade de direitos.


Seguindo suas linhas, o autor expressa, sobretudo no texto 'o medo e o relógio', novamente a figura de uma mulher sendo abordada por um homem na rua e sendo 'roubada', após sair para resolver algumas questões. Aqui, Drummond trabalha diversas nuances que se relacionam com as intenções das personas, do homem que fica em casa adoentado e seguro de que sua mulher conseguirá, com destreza e foco, concluir a tarefa, a mulher, com medo do seio social e dos problemas que podem decorrer de sua saída sozinha na cidade, que, como podemos concluir, estabelece uma linha de pré-julgamento da mulher em relação ao homem que, em contraponto, rouba um relógio que, até a confirmação de suas incertezas - ou parte delas - ocorreu o que ela mais esperava: o inesperado. Esse fluxo de consciência dentro da narrativa expressa um trabalho característico de análise de tempo e ação dos personagem acerca de sua inevitabilidade de julgamentos acerca das pessoas, dos momentos e dos medos. O texto é uma forma de elucidar o enfraquecimento contemporâneo das certezas que carregamos baseados em ideais pré-estabelecidos por nós sem uma análise prévia da situação. A descrição do autor é extremamente cativante e transforma seu enredo em uma deliciosa experiência literária dos acontecimentos que nos são palpáveis.


Se havia muita gente no local, de repente apareceu mais ainda. O bolo se adensou, e era difícil as pessoas se mexerem. O homem que agarrara o braço de dona Irene queria correr, mas aí é que não dava mesmo jeito de escapar. Num lance rápido, ele colocou alguma coisa na mão dela, que não compreendeu bem o gesto mas apertou o objeto, e só um instante depois viu que era relógio. Quando deu fé que este lhe fora restituído – coisa surpreendente, difícil de acreditar e mais ainda de acontecer –, já o cara tinha sumido. Coração aos pulos, emocionada pelo roubo e pela devolução imprevista, o que dona Irene desejou foi tomar um helicóptero e fugir incontinenti dali. Como não há helicópteros à disposição de senhoras aitas, ela tomou um táxi para chegar em casa ainda arfante, com o multíplice receio do que lhe pudesse acontecer até abrir a porta do apartamento – e mesmo depois, quem sabe lá o que pode irromper de terrível hoje em dia? (p. 20)


Alguns resumos de outros textos presentes na obra:


Aviso na vitrineO texto fala sobre a experiência de um cliente que frequenta uma farmácia há dez anos e se vê desolado com o fechamento repentino do estabelecimento. Ele lamenta a falta de aviso prévio e a mudança repentina em seus hábitos, destacando a importância que aquela farmácia tinha em sua vida. O texto também aborda a reflexão do personagem sobre sua possível responsabilidade no fechamento da farmácia, e sua incerteza sobre como lidar com a situação. No final, ele questiona onde irá encontrar um lugar que proporcione a mesma familiaridade e gentileza que ele encontrava na antiga farmácia.


O saveiro e a nuvem: O narrador conta a história de como teve que vender seu saveiro chamado Nuvem do céu é você, que era o nome de uma mulher que ele admirava. Mesmo após vender o barco, ele insistiu que o nome não poderia ser vendido junto com o casco. Anos depois, ao retornar à Bahia, descobre que outro homem comprou o saveiro com o nome e se envolveu com a mulher que inspirou o nome. Sentindo-se traído, ele tenta tirar o nome do barco e acaba preso. Ao ser libertado, decide não dar nome a mais nada, pois acredita que os nomes têm importância apenas para as pessoas, não para as coisas.


O assalto diferente: A narradora conta sua experiência de ter sido assaltada, onde os assaltantes levaram suas joias e dinheiro, mas não a levaram junto com eles. Ela especula sobre a possível cumplicidade da mulher que estava no carro dos assaltantes e se sente grata por não ter sido levada. Os amigos com quem conversa elogiam sua postura e consideram que os assaltantes agiram como cavalheiros. No final, a narradora revela que os assaltantes a devolveram suas joias e dinheiro com um cartão pedindo desculpas, levando-a a se considerar uma mulher formidável digna dessa homenagem.


Uma notícia completamente falsa: O protagonista da notícia falsa, Elisiário Batista de Aguiar, reclama ao diretor de um jornal por ter tido sua honorabilidade pública e privada ferida devido a informações errôneas. Ele contesta o fato de ter sido confundido com Antenor Crisóstomo de Sousa, não ser funcionário da Caixa Econômica Federal, ter passado o sábado em casa com amigos, não frequentar bares embriagado, não ter invadido um mercado e não conhecer a sra. Ingrid Feldman. Elisiário também nega a intenção de fundar um partido político e investiga a origem das informações falsas para levar os responsáveis à justiça. Ele pede retificação da notícia e agradece as providências.


Infação, mon amour: A inflação tornou-se uma parte inseparável da vida do narrador, apesar de inicialmente ser vista como um monstro assustador. Ele tentou compreendê-la através de diversas teorias econômicas, mas sem sucesso. Agora, ele aceita a inflação como parte de sua vida cotidiana, até mesmo pensando nela como seu anjo da guarda. No entanto, quando fica sabendo de uma campanha publicitária para combatê-la, ele se vê defendendo a inflação, pois se acostumou com sua presença e não quer se livrar dela. Conclui seu texto declarando seu amor incondicional à inflação.


Os etceteras da vida: O autor fala sobre os "etcéteras da vida", como a construção de um motel em Buritizeiro, problemas de desigualdade de gênero, o desaparecimento dos sacos de trigo antigos e até mesmo a ausência de uma rolinha que costumava cumprimentá-lo todas as manhãs. Ele destaca a importância de prestar atenção nas pequenas coisas da vida e sugere sorrir para si mesmo diante do espelho todas as manhãs como um ato de autocuidado e positividade. Etcéteras, segundo ele, são o que realmente importa e podem ser fonte de imaginação e importância escondida.


João Brandão e João Pedro Rampal: João Brandão e João-Pedro Rampal são dois personagens que vivem uma experiência musical única em uma noite gelada. Enquanto Rampal se apresenta em um concerto na Sala Cecília Meireles para centenas de pessoas, Brandão prefere ficar em casa, ouvindo sua música preferida em um LP do músico. A música é intensa e pura, capaz de mergulhar Brandão em seu próprio mundo interior, onde ele se sente parte da música, em um estado de pura existência. A experiência de ouvir música à noite é transformadora para Brandão, que se sente renovado e em sintonia com sua essência mais profunda. Ao final da noite, o silêncio da agulha do LP marca o término dessa imersão musical, deixando Brandão com uma sensação de renascimento e conexão com a realidade.


Os textos têm em comum a narrativa de experiências vividas pelos personagens, com destaque para reflexões sobre suas rotinas, sentimentos e pensamentos. As narrativas abordam aspectos do cotidiano, como a perda de lugares importantes, relações pessoais, experiências pessoais singulares e reflexões sobre a vida e ações dos personagens. Há também uma abordagem poética e subjetiva nas narrativas, que exploram sentimentos e sensações dos personagens diante das situações descritas. "Moça deitada na grama" é uma obra que nos cativa desde a primeira crônica, nos envolvendo em reflexões profundas sobre a vida cotidiana e as relações humanas. O olhar sensível e poético de Carlos Drummond de Andrade nos leva a enxergar a beleza nos detalhes simples do dia a dia, nos fazendo questionar nossos próprios valores e preconceitos. Suas críticas sociais são habilmente entrelaçadas com momentos de humor e filosofia, criando uma atmosfera rica e envolvente. Certamente, este livro é uma verdadeira joia da literatura brasileira, que nos convida a olhar para o mundo ao nosso redor com novos olhos e corações abertos.

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