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Resenha: Moça deitada na grama, de Carlos Drummond de Andrade

Foto: Arte Digital

 APRESENTAÇÃO


Carlos Drummond de Andrade inaugura este volume contemplando uma moça esparramada na grama: “Eu vi e achei lindo. Fiquei repetindo para meu deleite pessoal: ‘Moça deitada na grama. Moça deitada na grama. Deitada na grama. Na grama’. Pois o espetáculo me embevecia. Não é qualquer coisa que me embevece, a esta altura da vida”. Essa e outras situações irrompem nas crônicas de Drummond para provar que a realidade também é feita de lirismo ― e vice-versa.

Derradeiro livro entregue à editora, em 1987, Moça deitada na grama é uma seleção das últimas crônicas escritas pelo poeta, que por décadas colaborou para os jornais mais relevantes do país. O insólito e o lírico são faces de uma mesma moeda nestes textos que descrevem o Rio de Janeiro e seus moradores, em situações cômicas e despretensiosas, com boas doses de filosofia.


RESENHA


"Moça deitada na grama" é um livro que nos convida a contemplar a realidade sob uma perspectiva lírica e despretensiosa, por meio das últimas crônicas escritas por Carlos Drummond de Andrade antes de sua partida. Nesta obra, o poeta nos leva por situações cotidianas e singelas do Rio de Janeiro e de seus moradores, com um olhar que mescla humor, filosofia e poesia. Com uma seleção de textos que vão desde a reflexão sobre o lirismo encontrado em uma simples moça deitada na grama até a crônica sobre a linguagem dos animais, Drummond nos faz refletir sobre a beleza e a complexidade do mundo ao nosso redor. Na obra de Drummond, encontramos uma poesia que se destaca pela liberdade formal e pela abordagem de questões sociopolíticas. Apesar disso, o que mais ressalta em seus textos são os temas do dia a dia, que, embora enraizados em sua cultura, transmitem uma mensagem universal.


Nesta obra, Drummond tece fortes críticas à sociedade, essa característica de descrever cenas cotidianas de forma despretensiosa que, como sabemos, aproximam-se da realidade em igual caráter, apresentam um novo Drummond em seus últimos dias, um poeta preocupado não somente com as aparências e com as descrições minuciosas do espaço e do deleite da vida, mas do que fazemos deste deleite na linha entre a ação e o tempo. Drummond apresenta cada linha um parâmetro de debate sociológico profundo acerca de sexualidade, relações sociais e situações freneticamente repletas do inesperado com uma dose de humor, característica do autor em criar e descrever enredos que aproximam o leitor da realidade expressa em suas críticas.


Em 'moça deitada na cama', texto de título homônimo ao livro, ao descrever a cena de uma mulher deitada na grama aproveitando o dia e sendo abordada por um guarda, que, baseado em cenas características da preocupação - ou ausência dela - de civilidade acerca das regras convencionais que regem os espaços públicos, sobretudo, de uma crítica profunda acerca da igualdade de gênero, pede para que ela se retire do espaço. Aqui, Drummond traz uma reflexão sociológica sobre as questões de gênero, poder e hierarquia presentes na sociedade. A moça, deitada na grama, representa a liberdade, o conforto e a tranquilidade, mas é rapidamente interrompida por um guarda que a aborda de forma autoritária e sexista, impondo-lhe regras e normas sociais. Historicamente, as mulheres têm sido constantemente subjugadas e controladas pela sociedade patriarcal, que impõe padrões de comportamento e limita sua liberdade. A moça da poesia desafia essas normas ao questionar o porquê de não poder deitar-se na grama como os homens e ao defender a igualdade de direitos.


Seguindo suas linhas, o autor expressa, sobretudo no texto 'o medo e o relógio', novamente a figura de uma mulher sendo abordada por um homem na rua e sendo 'roubada', após sair para resolver algumas questões. Aqui, Drummond trabalha diversas nuances que se relacionam com as intenções das personas, do homem que fica em casa adoentado e seguro de que sua mulher conseguirá, com destreza e foco, concluir a tarefa, a mulher, com medo do seio social e dos problemas que podem decorrer de sua saída sozinha na cidade, que, como podemos concluir, estabelece uma linha de pré-julgamento da mulher em relação ao homem que, em contraponto, rouba um relógio que, até a confirmação de suas incertezas - ou parte delas - ocorreu o que ela mais esperava: o inesperado. Esse fluxo de consciência dentro da narrativa expressa um trabalho característico de análise de tempo e ação dos personagem acerca de sua inevitabilidade de julgamentos acerca das pessoas, dos momentos e dos medos. O texto é uma forma de elucidar o enfraquecimento contemporâneo das certezas que carregamos baseados em ideais pré-estabelecidos por nós sem uma análise prévia da situação. A descrição do autor é extremamente cativante e transforma seu enredo em uma deliciosa experiência literária dos acontecimentos que nos são palpáveis.


Se havia muita gente no local, de repente apareceu mais ainda. O bolo se adensou, e era difícil as pessoas se mexerem. O homem que agarrara o braço de dona Irene queria correr, mas aí é que não dava mesmo jeito de escapar. Num lance rápido, ele colocou alguma coisa na mão dela, que não compreendeu bem o gesto mas apertou o objeto, e só um instante depois viu que era relógio. Quando deu fé que este lhe fora restituído – coisa surpreendente, difícil de acreditar e mais ainda de acontecer –, já o cara tinha sumido. Coração aos pulos, emocionada pelo roubo e pela devolução imprevista, o que dona Irene desejou foi tomar um helicóptero e fugir incontinenti dali. Como não há helicópteros à disposição de senhoras aitas, ela tomou um táxi para chegar em casa ainda arfante, com o multíplice receio do que lhe pudesse acontecer até abrir a porta do apartamento – e mesmo depois, quem sabe lá o que pode irromper de terrível hoje em dia? (p. 20)


Alguns resumos de outros textos presentes na obra:


Aviso na vitrineO texto fala sobre a experiência de um cliente que frequenta uma farmácia há dez anos e se vê desolado com o fechamento repentino do estabelecimento. Ele lamenta a falta de aviso prévio e a mudança repentina em seus hábitos, destacando a importância que aquela farmácia tinha em sua vida. O texto também aborda a reflexão do personagem sobre sua possível responsabilidade no fechamento da farmácia, e sua incerteza sobre como lidar com a situação. No final, ele questiona onde irá encontrar um lugar que proporcione a mesma familiaridade e gentileza que ele encontrava na antiga farmácia.


O saveiro e a nuvem: O narrador conta a história de como teve que vender seu saveiro chamado Nuvem do céu é você, que era o nome de uma mulher que ele admirava. Mesmo após vender o barco, ele insistiu que o nome não poderia ser vendido junto com o casco. Anos depois, ao retornar à Bahia, descobre que outro homem comprou o saveiro com o nome e se envolveu com a mulher que inspirou o nome. Sentindo-se traído, ele tenta tirar o nome do barco e acaba preso. Ao ser libertado, decide não dar nome a mais nada, pois acredita que os nomes têm importância apenas para as pessoas, não para as coisas.


O assalto diferente: A narradora conta sua experiência de ter sido assaltada, onde os assaltantes levaram suas joias e dinheiro, mas não a levaram junto com eles. Ela especula sobre a possível cumplicidade da mulher que estava no carro dos assaltantes e se sente grata por não ter sido levada. Os amigos com quem conversa elogiam sua postura e consideram que os assaltantes agiram como cavalheiros. No final, a narradora revela que os assaltantes a devolveram suas joias e dinheiro com um cartão pedindo desculpas, levando-a a se considerar uma mulher formidável digna dessa homenagem.


Uma notícia completamente falsa: O protagonista da notícia falsa, Elisiário Batista de Aguiar, reclama ao diretor de um jornal por ter tido sua honorabilidade pública e privada ferida devido a informações errôneas. Ele contesta o fato de ter sido confundido com Antenor Crisóstomo de Sousa, não ser funcionário da Caixa Econômica Federal, ter passado o sábado em casa com amigos, não frequentar bares embriagado, não ter invadido um mercado e não conhecer a sra. Ingrid Feldman. Elisiário também nega a intenção de fundar um partido político e investiga a origem das informações falsas para levar os responsáveis à justiça. Ele pede retificação da notícia e agradece as providências.


Infação, mon amour: A inflação tornou-se uma parte inseparável da vida do narrador, apesar de inicialmente ser vista como um monstro assustador. Ele tentou compreendê-la através de diversas teorias econômicas, mas sem sucesso. Agora, ele aceita a inflação como parte de sua vida cotidiana, até mesmo pensando nela como seu anjo da guarda. No entanto, quando fica sabendo de uma campanha publicitária para combatê-la, ele se vê defendendo a inflação, pois se acostumou com sua presença e não quer se livrar dela. Conclui seu texto declarando seu amor incondicional à inflação.


Os etceteras da vida: O autor fala sobre os "etcéteras da vida", como a construção de um motel em Buritizeiro, problemas de desigualdade de gênero, o desaparecimento dos sacos de trigo antigos e até mesmo a ausência de uma rolinha que costumava cumprimentá-lo todas as manhãs. Ele destaca a importância de prestar atenção nas pequenas coisas da vida e sugere sorrir para si mesmo diante do espelho todas as manhãs como um ato de autocuidado e positividade. Etcéteras, segundo ele, são o que realmente importa e podem ser fonte de imaginação e importância escondida.


João Brandão e João Pedro Rampal: João Brandão e João-Pedro Rampal são dois personagens que vivem uma experiência musical única em uma noite gelada. Enquanto Rampal se apresenta em um concerto na Sala Cecília Meireles para centenas de pessoas, Brandão prefere ficar em casa, ouvindo sua música preferida em um LP do músico. A música é intensa e pura, capaz de mergulhar Brandão em seu próprio mundo interior, onde ele se sente parte da música, em um estado de pura existência. A experiência de ouvir música à noite é transformadora para Brandão, que se sente renovado e em sintonia com sua essência mais profunda. Ao final da noite, o silêncio da agulha do LP marca o término dessa imersão musical, deixando Brandão com uma sensação de renascimento e conexão com a realidade.


Os textos têm em comum a narrativa de experiências vividas pelos personagens, com destaque para reflexões sobre suas rotinas, sentimentos e pensamentos. As narrativas abordam aspectos do cotidiano, como a perda de lugares importantes, relações pessoais, experiências pessoais singulares e reflexões sobre a vida e ações dos personagens. Há também uma abordagem poética e subjetiva nas narrativas, que exploram sentimentos e sensações dos personagens diante das situações descritas. "Moça deitada na grama" é uma obra que nos cativa desde a primeira crônica, nos envolvendo em reflexões profundas sobre a vida cotidiana e as relações humanas. O olhar sensível e poético de Carlos Drummond de Andrade nos leva a enxergar a beleza nos detalhes simples do dia a dia, nos fazendo questionar nossos próprios valores e preconceitos. Suas críticas sociais são habilmente entrelaçadas com momentos de humor e filosofia, criando uma atmosfera rica e envolvente. Certamente, este livro é uma verdadeira joia da literatura brasileira, que nos convida a olhar para o mundo ao nosso redor com novos olhos e corações abertos.

Resenha: Ascensão e reinado dos mamíferos: das sombras dos dinossauros até nós, de Steve Brusatte

APRESENTAÇÃO

Os humanos são herdeiros de uma dinastia que reina no planeta há quase 66 milhões de anos, sobreviventes de cataclismos de fogo e eras glaciais: os mamíferos. Nossa linhagem inclui tigres-dentes-de-sabre, mamutes-lanosos, tatus do tamanho de um carro, ursos três vezes mais pesados que um urso-pardo, roedores inteligentes que sobreviveram ao Tyrannosaurus rex e outros tipos de humanos, como os neandertais. Na verdade, a humanidade e muitos dos adoráveis mamíferos com quem partilhamos o planeta hoje – leões, baleias, cães – representam apenas uma fração dos sobreviventes de uma árvore genealógica extensa e surpreendente que foi podada pelo tempo e pelas extinções em massa. Mas a pergunta que não quer calar é: como exatamente chegamos aqui?


RESENHA


Os mamíferos partilharam o nosso planeta com os dinossauros ao longo do seu longo reinado, desde a divisão inicial do nosso ancestral comum amniota em sinapsídeos (nós) e diápsidos (eles), até à sua extinção no final do Cretáceo. Ao longo de cerca de 100 milhões de anos, um desfile de linhagens evoluiu – todos mamíferos arcaicos – desenvolvendo gradativamente as características que hoje reconhecemos como mamíferos: pelicossauros com dentes caninos, os primeiros “sussurros de uma revolução dentária” (p. 13); terapsídeos com os primeiros cabelos e uma nova forma de metabolismo, a endotermia; os cinodontes, alguns dos quais se miniaturizaram enquanto os dinossauros se tornaram gigantes; os mamíferos que desenvolveram uma nova articulação mandibular; os docodontes e haramiyidans planadores que tinham pelos; os multituberculados que tinham dentes cada vez mais complexos; e os therians que deram origem aos atuais placentários, marsupiais e monotremados. Contudo, o que foi dito acima não deve ser confundido com uma marcha linear de progresso. “[M] mamíferos eram um conceito ainda não realizado, que a evolução ainda não tinha montado. […] eles não estavam evoluindo [essas características] para se tornarem mamíferos. A seleção natural não planeja o futuro” (p. 20). Simultaneamente, não cabe a nós chamar esses grupos agora extintos de becos sem saída evolucionários. “Este é o privilégio da retrospectiva. […] Em sua época e lugar, esses mamíferos eram tudo menos obsoletos” (p. 88).


Com a extinção dos dinossauros, a ascensão dos mamíferos tornou-se um reinado. Isolados em várias massas de terra após a fragmentação do supercontinente Pangéia, estavam preparados para uma explosão estelar taxonómica em câmara lenta que se desenrolaria ao longo dos próximos 66 milhões de anos. No hemisfério norte, multituberculados e metatherianos foram substituídos por mamíferos placentários que, na esteira do Máximo Térmico Paleoceno-Eoceno, rapidamente evoluíram para primatas e ungulados de dedos pares e ímpares. Os ungulados de dedos ímpares originaram os brontotérios e os calicotérios, alguns dos maiores mamíferos terrestres de todos os tempos, enquanto os ungulados de dedos pares originaram os cetáceos, alguns dos maiores mamíferos marinhos de todos os tempos.


A força de Brusatte é dar vida à enxurrada de nomes acima, destacando as diferentes criaturas que surgiram ao longo da evolução. Com sua narrativa impressionante, ele nos faz refletir sobre como podemos deduzir a aparência e o comportamento dessas criaturas a partir de evidências fósseis. A história macroevolutiva apresentada pelo autor mostra um passeio selvagem, abordando a diversificação dos mamíferos, a expansão das espécies e o impacto da evolução dos hominídeos na extinção da megafauna. Além disso, Brusatte traz reflexões sobre a relação entre dinossauros e mamíferos, apontando que, assim como os dinossauros impediram o crescimento dos mamíferos, estes também impediram a diminuição dos dinossauros. A pesquisa atual, envolvendo estudos de DNA e a análise de fósseis de mamíferos arcaicos, mostra como estamos buscando entender melhor a linhagem evolutiva dessas criaturas. Como parte de um consórcio de pesquisa, Brusatte contribui para a construção de uma árvore genealógica mestre baseada na anatomia e no DNA, ampliando nosso conhecimento sobre a evolução dos mamíferos.


Nas últimas décadas, novos fósseis de mamíferos foram encontrados no Paquistão e na China. Brusatte passa um capítulo enfocando a evolução dos morcegos e das baleias, parentes distantes dos porcos e de outros ungulados. As baleias foram para a água pela primeira vez devido à disponibilidade de alimentos no Mar de Tétis, localizado entre o subcontinente indiano e a Ásia, tornando-se um campo de provas para os ancestrais dos cetáceos. As primeiras baleias pareciam lontras e depois evoluíram para espécies mais parecidas com focas, abandonando suas características terrestres após milhões de anos. A evolução não deve ser pensada como um processo progressivo, mas sim depende da combinação de mutação genética e circunstâncias ambientais. Um mamute lanoso, com suas características físicas adaptadas para climas frios, teve poucas chances de sobreviver após o derretimento das calotas polares e a chegada da humanidade. A recente epidemia de Coronavírus mostrou que, apesar da crença em nossa superioridade e invencibilidade como espécie, nosso comportamento autodestrutivo continua.


Brusatte deixa a humanidade com uma bênção nas mãos com essa obra. As alterações climáticas evitaram os piores efeitos da Idade do Gelo, uma vez que os dias de hoje ainda são considerados uma Idade do Gelo, com uma observação inquietante. A temperatura da Terra está actualmente a aumentar com o mesmo ímpeto que o Permiano. De volta ao Dimetrodon e aos pelicossauros. A extinção do Permiano matou 90% da vida na Terra. Ascensão e reinados dos mamíferos é um livro importante, cheio de mamíferos fascinantes e da dramática história da paleontologia dos mamíferos. Ele também vem com um aviso. As extinções em massa são uma ocorrência regular. Se as coisas não mudarem, pode acontecer novamente, mais cedo ou mais tarde. Espécies de mamíferos estão morrendo a um ritmo prodigioso. O futuro não está escrito e a humanidade pode não estar por perto para escrevê-lo. A Ascensão e Reinado dos Mamíferos é um sucessor mais do que digno de A Ascensão e Queda dos Dinossauros e já garantiu um lugar no meu top 5 pessoal para 2022. Brusatte mostra de forma convincente que a história evolutiva dos mamíferos é igualmente fascinante —se não mais—como o dos dinossauros.

Resenha: Ascensão e queda dos dinossauros: Uma nova história de um mundo perdido, de Steve Brusatte

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Em Ascensão e queda dos dinossauros , Steve Brusatte, jovem paleontólogo norte-americano que despontou como destaque na área - tendo nomeado quinze novas espécies e coordenado inovadores estudos científicos e trabalhos de campo nos últimos anos -, conta a história completa, surpreendente e inédita dos dinossauros. Baseando-se em descobertas científicas mais recentes, reconstitui esse mundo perdido e esclarece as origens enigmáticas, a evolução espetacular, a diversidade impressionante, a extinção cataclísmica e o legado duradouro para nós.

O autor relembra passagens interessantes de suas viagens ao redor do mundo durante um dos períodos mais incríveis para a pesquisa sobre dinossauros - que ele chama de “era dourada” - e conta sobre as principais descobertas feitas por ele e seus colegas, como um tiranossauro primitivo do tamanho de um ser humano; carnívoros monstruosos ainda maiores que o T. rex ; e o dinossauro chinês que possuía penas e rompeu paradigmas.

Brusatte acompanha a evolução dos dinossauros desde o início desfavorável como pequenas criaturas das sombras - beneficiários de uma extinção em massa causada por erupções vulcânicas no começo do período Triássico - até a variedade de espécies dominantes conhecidas por toda criança nos dias de hoje: T. rex , Triceratops , Brontossaurus , entre outros.

Hábil escritor e cientista, o autor recria o auge dos dinossauros durante o Jurássico e o Cretáceo, quando milhares de espécies se desenvolveram e quando também surgiram os primeiros dinossauros com asas e penas, ancestrais pré-históricos das aves atuais. A história continua até o fim do período Cretáceo, quando um asteroide ou cometa gigantesco atingiu o planeta e exterminou (quase) todas as espécies de dinossauros existentes, na mais extraordinária extinção em massa já registrada na Terra, que pode nos prevenir e ensinar muito sobre o período da chamada “sexta extinção” que se aproxima.


RESENHA


O trabalho de Brusatte aborda tanto o público em geral quanto os entusiastas e cientistas não paleontólogos interessados, narrando a história dos dinossauros não-aviários desde sua evolução inicial no Triássico até sua diversificação no Jurássico e no Cretáceo, culminando em sua extinção no final do Mesozóico. Além disso, o autor compartilha suas próprias aventuras como cientista, proporcionando uma perspectiva mais pessoal. Na obra "A Ascensão e Queda dos Dinossauros", Brusatte destaca principalmente suas áreas de pesquisa, equilibrando a representação frequentemente imprecisa dos dinossauros na cultura popular, como nos filmes Jurassic World. Ele explora a relação evolutiva entre aves e dinossauros não-aviários, mostrando que, apesar da extinção, os dinossauros mantiveram sua diversidade ao longo do tempo. No capítulo dedicado à conexão entre dinossauros e aves, Brusatte detalha o desenvolvimento das características corporais das aves e a evolução do voo, abordando a origem das penas e a hipótese de que as asas surgiram como estruturas de exibição. Sua descrição da história dos Dinosauria comunica de forma eficaz e precisa os avanços mais recentes nesta área de pesquisa, oferecendo conhecimento a um público mais amplo menos familiarizado com a conexão entre pássaros e dinossauros.


Brusatte analisa minuciosamente as características fisiológicas dos dinossauros, dedicando várias páginas às adaptações morfológicas para seu enorme tamanho corporal, como a pneumatização óssea, a morfologia dos membros e um eficiente aparelho de alimentação com pescoço longo, além de abordar a física e biologia por trás delas. Aspectos da biologia, como temperatura corporal, ontogenia e ecologia, são explorados, incluindo a diversidade ecomorfológica dos saurópodes no Jurássico Superior. A influência da geografia na evolução dos dinossauros também é destacada, mostrando sua importância na diversidade da vida. As notas de origem no final do livro envolvem os leitores com a literatura científica, oferecendo resumos breves de cada artigo e servindo como base para futuros escritos de paleontologia popular. O livro também discute o trabalho de campo em diversos ambientes, desde o deserto de Gobi até os sedimentos do Maastrichtiano na Romênia, mostrando a diversidade de locais onde os paleontólogos atuam.


Apesar da ênfase excessiva nos tiranossauros, Ascensão e Queda ainda oferece uma revisão fascinante e abrangente dos principais clados de dinossauros megapredadores. O autor, Steve Brusatte, consegue transformar a discussão sobre os tiranossauros em uma análise interessante e detalhada dos dinossauros do Mesozóico. Sua abordagem fornece uma visão abrangente da evolução e diversificação desses fascinantes animais, incluindo os aspectos menos conhecidos e explorados da paleontologia. Através deste livro, os leitores têm a oportunidade de explorar não apenas os dinossauros mais famosos, mas também outras áreas menos populares da paleontologia, ampliando assim seu conhecimento e compreensão sobre o tema. Em suma, Ascensão e Queda oferece uma contribuição valiosa para a divulgação científica, apresentando tanto os dinossauros populares quanto os menos conhecidos, e incentivando uma visão mais holística e abrangente sobre a evolução desses animais.


Talvez inesperadamente, o aspecto de Ascensão e Queda que parece mais relevante para a paleontologia como campo diz respeito à sua discussão sobre os paleontólogos. A narrativa apresenta ao leitor as pessoas por trás das descobertas, como seus colegas Jingmai O'Connor e Grzegorz Niedzwiedzki, e alguns dos retratos dados por Brusatte servem para quebrar o molde do explorador romântico que muitas vezes serve como a visão popular de um paleontólogo. Brusatte também enfatiza a importância do trabalho em equipe para a paleontologia e a sobreposição de disciplinas nas ciências biológicas e geológicas, observando sua admiração como estudante de graduação por um grupo de paleontólogos que ele carinhosamente chama de “o bando de ratos”. No entanto, a escrita de Brusatte também revela o estado competitivo em que o campo parece se encontrar agora, tanto a nível individual como de equipa.


Brusatte traz uma abordagem inovadora ao discutir a paleontologia e a história dos dinossauros em seu livro A Ascensão e Queda dos Dinossauros. Ele destaca a falta de representação feminina nas geociências, levantando uma questão importante que precisa ser abordada. Além disso, sua análise das descobertas e trabalhos de seus colegas adolescentes demonstra o potencial e a importância da próxima geração de pesquisadores nessa área.


O livro proporciona uma visão acessível e envolvente sobre a vida dos dinossauros e as práticas científicas utilizadas para estudá-los. Brusatte consegue cativar o leitor ao apresentar não apenas informações sobre dinossauros populares, como os tiranossauros, mas também ao explorar outros clades menos conhecidos. Suas narrativas sobre as paisagens antigas e as pesquisas recentes acrescentam uma dimensão fascinante à história desses animais extintos.


Apesar das críticas sobre o foco excessivo em determinados grupos de dinossauros, a obra de Brusatte ainda consegue transmitir o fascínio e a importância da paleontologia para um público mais amplo. Sua paixão pelo assunto é evidente em cada página, e mal posso esperar pelo próximo livro do autor, que certamente trará mais insights e descobertas emocionantes sobre o mundo dos dinossauros.

Maternidade e Poder: O debate de Elisabeth Badinter em 'O conflito'

Foto: Arte digital
 

APRESENTAÇÃO

Um livro que questiona o mito de que toda mulher tem o desejo e o instinto natural de ser mãe. Em O conflito: A mulher e a mãe, a autora reflete e pondera sobre os efeitos e causas da queda acentuada nas taxas de natalidade em todos os países desenvolvidos, o aumento do número de mulheres que não querem ter filhos, o renascimento do discurso naturalista para conquistar as mulheres no seu papel de mães e uma espécie de "ditadura do aleitamento materno". A maternidade agora está carregada de expectativas, restrições, obrigações e Badinter reflete sobre essas mudanças na sociedade de hoje.O conflito vendeu mais de 80.000 exemplares na França. O livro retoma o assunto de O mito do amor materno, que fez estrondoso sucesso na década de 80 e ficou meses em primeiro lugar nas listas dos mais vendidos da Europa, tornando-se um best seller na França. Existe grande interesse da imprensa em entrevistar a autora quando o livro for lançado. "[...] este livro torna urgente o questionamento sobre o lugar da maternidade em nossos dias, mas, sobretudo, afirma a liberdade de cada mulher." ― Márcia Tiburi"Denuncia a tirania da maternidade, que está mandando mulheres de volta para casa." ― L'Express"Um livro pungente." ― Le Point


RESENHA


O estilo de vida da mulher, caracterizado naturalmente pela diferença histórica e social a torna, sobretudo, donas de seu próprio caminho, podendo construir ou derrubar pontes sem pensar muito além do bem-próprio e de suas próprias intuições, independente do local onde se está inserida e o meio ao qual atravessa, claro que isso nem sempre foi assim, e este livro debate essa mudança de perspectiva na vida da mulher, sobretudo, do direito de optar ou não por ser uma profissional qualificada, uma mãe dedicada, uma esposa, ou simplesmente uma mulher solteira com ambições próprias e sem planejamentos concretos derivados de diálogos sociais impostos pela pressão social do ser mãe. Élisabeth Badinter nos lembra que a maternidade, apesar de ser gratificante, não é o único caminho para a realização pessoal. Na França, o modelo iluminista valorizava a emancipação feminina da maternidade, separando a identidade das mulheres desse papel. Atualmente, a ênfase está no desenvolvimento pessoal e na escolha consciente de ter filhos para enriquecer emocionalmente a vida de cada indivíduo. Para Badinter, a sociedade contemporânea é caracterizada pelo hedonismo e individualismo, influenciando as decisões relacionadas à maternidade.


Desde a década de 1970, testemunhamos uma revolução na forma como encaramos a maternidade. Esta transformação coincide com as revoluções sexuais e contraceptivas daquela época. E então, o que passou a ser uma forma natural de ser mãe, advinda do pensamento de que se é natural que toda mulher em idade fértil tenha um filho, Badinter discute sobre as múltiplas perspectivas que se acenderam com o passar dos anos, tornando as mulheres menos propensas à maternidade e elevando assim, a idade 'fértil' das mulheres, fazendo-as focar em relacionamentos saudáveis, vida a dois ou uma vida profissional despreocupada por um tempo sem o peso e responsabilidade da maternidade, o que as leva a desejar ou não ter filhos de forma mais tardia, não mais na casa dos vinte anos, mas agora, dos trinta e cinco aos quarenta, o que em sua maioria, ocorre apenas pela pressão do relógio biológico feminino, temendo então, desta forma, 'se atrasar' para se tornar mãe, embora algumas jamais optem por esta escolha.


A visão da criança e da maternidade foi transformada ao longo dos séculos, passando pela filosofia de Rousseau no século XVIII, pela ideologia natalista do final do século XIX e pelo advento da psicanálise no século XX. Isso fez com que a sociedade criasse um ideal de boa mãe que está sempre próxima e vigilante durante a criação do filho, o que claro, em partes, se perpetua até os dias atuais, e este é, talvez, um dos motivos que norteiam as decisões de mulheres em se tornar mães de forma mais tardia, assim, o filho se tornaria parte de uma vida agitada e vivida, não mais obrigacionista e direcionada unicamente ao desenvolvimento da criança. Essa visão de que toda mãe deve ser 'boa' e presente, trouxe consigo alguns problemas de curto e longo prazo, um deles, claro é o claro abandono da mulher em suas outras obrigações, ou, na maioria das vezes, agindo como um redutor de possibilidades na vida. Se antes a preocupação da criação do filho era uma preocupação social, pois, lidava diretamente com a felicidade da família, da mãe, da sociedade e do bem-estar da criança, hoje as preocupações se transformaram em uma onda de cuidados para o desenvolvimento humano, social e psicológico do individuo.


Tradicionalmente, há uma distinção entre o feminismo igualitário, defendido por Élisabeth Badinter, e o feminismo diferencialista, essencialista e, acima de tudo, naturalista. O autor critica fortemente este último, por ignorar a questão da igualdade de gênero. As mulheres desta corrente enfatizam suas diferenças de identidade e experiências biológicas, celebrando a natureza e qualidades femininas ligadas à maternidade. O naturalismo contemporâneo é influenciado por preocupações ecológicas, com pais cada vez mais interessados em práticas mais naturais, como parto natural e uso de fraldas reutilizáveis. No entanto, a autora critica esse naturalismo contemporâneo, acusando-o de alienar as mulheres. Esse modelo de parentalidade tem ganhado adeptos, especialmente entre as classes mais altas, muitas vezes mulheres qualificadas com alto capital cultural que optam por ficar em casa com os filhos. Isso contrasta com as advertências de Élisabeth Badinter. Embora nem todas as mulheres possam seguir esse modelo, está se tornando cada vez mais presente na sociedade, impactando as mães de maneiras variadas.


Outro problema, ou não, é o favorecimento da política acerca das práticas reprodutivas das mulheres, funcionando como uma válvula catalisadora da economia do país. Embora nem todos os países conseguem, de forma satisfatória, criar quadro de leis e imposições em prol da maternidade, o mesmo não ocorre na França, onde a taxa de natalidade é superior à de outros países da Europa, embora exista o paradoxo, da mãe que trabalhava em tempo integral à mãe que que esta sempre presente no seio da família. O que torna o peso da responsabilidade materna menor, em alguns aspectos, é o papel do Estado na educação do indivíduo, o que, como sabemos, recai totalmente sobre a educação, não sobre a criação recebida pela criança em casa, menos ainda sobre suas faltas psicológicas, problemas emocionais e outros fatores que norteiam o comportamento da criança. 


Neste trabalho, Élisabeth Badinter destaca a persistente contradição enfrentada pelas mulheres em relação à maternidade e ao trabalho. As mães que trabalham são criticadas pelos defensores da família tradicional, enquanto o mundo profissional as censura por terem filhos repetidamente. Embora a maternidade seja considerada a maior conquista das mulheres, ainda é socialmente desvalorizada.


Cada mulher vivencia a maternidade de maneiras distintas, buscando encontrar o equilíbrio entre sua vida pessoal, vida de casal e papel de mãe. Algumas decidem não ter filhos para focar em seu tempo e energia, enquanto outras escolhem ter filhos e abandonar o trabalho para lidar com as responsabilidades familiares.


Em meio a essas diferentes experiências, a maioria das mulheres francesas adota um modelo misto, continuando a trabalhar enquanto criam seus filhos. Elas buscam estratégias para conciliar essas vidas duplas, encontrando soluções para cuidar dos filhos e trabalhar em meio período, se necessário. As mulheres francesas são mulheres emancipadas, que buscam afirmar sua individualidade independentemente da escolha que fazem em relação à maternidade.


Compre o livro O conflito:

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Resenha: Gentidades, de Darcy Ribeiro

Foto: Arte gráfica

APRESENTAÇÃO

No livro "Gentidades" estão reunidos três textos do antropólogo Darcy Ribeiro que denotam sua fluência para desvendar os mistérios do homem. O educador analisa "Casa-grande & senzala", obra-mestra de Gilberto Freyre, reflete a respeito do índio Uirá que, um desterrado em sua própria terra, e escreve sobre Salvador Allende, presidente do Chile cuja história política Darcy acompanhou de perto. Esta obra atesta o dom de Darcy para seduzir nossas mentes com sua visão clara e ao mesmo tempo profunda sobre os dilemas humanos.


RESENHA

O livro gentidades, do autor, historiador e antropólogo Darcy Ribeiro, publicado pela editora global em língua portuguesa é uma miscelânea de três grandes ensaios do autor acerca em uma análise sucinta a obra 'casa grande e senzala', de Gilberto Freyre, o índio Uirá que vai ao 'encontro' de Maíra, e finalmente, sobre Salvador Allende, presidente do chile.

No primeiro capítulo, Gilberto Freyre - uma introdução a casa grande & senzada, o autor faz uma análise detalhada da obra e do método de Gilberto Freyre, mas também apresenta críticas e questionamentos. Destaca a importância de "Casa-grande & senzala" como a obra mais importante da cultura brasileira, elogiando a capacidade de Gilberto Freyre de recriar o contexto social concreto e único da sociedade colonial brasileira. No entanto, aponta a falta de uma teoria subjacente consistente na obra, questionando a ambiguidade política e o caráter reacionário do autor. Além disso, destaca a falta de um método claro e sistematizado, ressaltando a pluralidade de métodos utilizados de forma não convencional e até mesmo contraditória por Gilberto Freyre. No entanto, apesar das críticas, o autor reconhece o valor e a importância da obra do autor para a literatura e a antropologia brasileiras.

O capítulo, Uirá vai ao encontro de Maíra, narra as experiências de um índio Urubu que sai à procura de Deus, culminando em seu suicídio em novembro de 1939. O autor explora as raízes sociais e mítico-religiosas por trás da jornada de Uirá, relacionando-a a movimentos messiânicos e de revivalismo vividos por índios desesperados com a expansão da sociedade brasileira.

A análise do autor sobre a documentação coletada ao longo do tempo destaca a importância de compreender as reações individuais e coletivas de pessoas que se veem desesperadas e desiludidas com a vida como ela se apresenta. O autor também explora a cosmogonia Tupi e a figura de Maíra, o criador, como parte integrante da visão de mundo dos índios Urubu, demonstrando como essas crenças influenciaram o comportamento de Uirá em sua busca. A narrativa segue desde a vida tribal dos índios Urubu até a chegada de Uirá às cidades, onde é mal compreendido e acaba enfrentando violência e incompreensão, culminando em sua tentativa de encontrar Maíra no rio Pindaré e finalmente em seu ato final de suicídio.

O autor aborda questões complexas sobre identidade, desespero, crenças e a interação entre diferentes culturas, oferecendo uma reflexão profunda sobre a natureza humana e as diferentes formas de buscar significado em meio ao sofrimento e à desilusão. É uma leitura densa e provocativa que convida o leitor a refletir sobre as consequências da expansão civilizadora e seus impactos nas sociedades tradicionais.

No terceiro capítulo, Salvador Allende e a esquerda desvairada, o autor analisa a trajetória de Salvador Allende, presidente do Chile, e a luta da esquerda desvairada em seu governo. Allende é descrito como um estadista corajoso e lúcido, que buscava construir o socialismo em democracia, pluralismo e liberdade. O autor destaca a importância de Allende e sua luta, ressaltando que ele foi uma figura solitária enfrentando desafios e pressões tanto internas quanto externas. O autor revela as dificuldades enfrentadas por Allende, como a oposição da direita e a falta de apoio internacional, além das contradições e erros cometidos pela esquerda desvairada, que contribuíram para a queda do governo da Unidade Popular. A falta de unidade e a radicalização de alguns setores da esquerda prejudicaram o governo de Allende, facilitando a conspiração da direita e a intervenção estrangeira no Chile. O autor destaca a necessidade de autocrítica por parte das esquerdas, reconhecendo os erros cometidos durante o governo de Allende. Ele ressalta a importância de aprender com a experiência chilena e buscar um caminho mais pragmático e eficaz para a construção do socialismo. O autor finaliza refletindo sobre o legado de Allende e o desafio de seguir seu exemplo, lutando por um socialismo democrático e participativo mesmo diante de adversidades. É um texto potente e reflexivo, que convida à análise crítica e ao aprendizado com a história.

Em "Gentidades", Darcy Ribeiro demonstra mais uma vez sua habilidade ímpar em desvendar os mistérios da humanidade através de textos profundos e instigantes. Sua análise crítica e reflexiva sobre obras e figuras emblemáticas como "Casa-grande & senzala", o índio Uirá e Salvador Allende, revela a profundidade de seu pensamento e sua capacidade de seduzir o leitor com sua clareza e perspicácia. A maneira como o autor aborda questões complexas como identidade, desespero e luta política, evidencia sua sensibilidade para as nuances da condição humana. "Gentidades" é uma obra que encanta e provoca reflexões profundas, convidando o leitor a repensar conceitos e a compreender a complexidade do mundo que nos cerca. Uma leitura imprescindível para quem busca entender melhor a história e a sociedade em que vivemos.

Resenha: Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno, de Darcy Ribeiro

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APRESENTAÇÃO

Os índios e a civilização é obra da maturidade intelectual de Darcy Ribeiro. No livro, ele analisa com profundidade as relações entre as etnias indígenas e o contingente populacional em processo de expansão de novas áreas no território brasileiro ao longo da primeira metade do século XX.

O objetivo da reflexão de Darcy é expor de forma bem fundamentada – ladeado pelo conhecimento de quem compreendeu a diversidade dos povos indígenas com rara clarividência – como os primeiros habitantes do Brasil lidaram com a o crescimento da pecuária, da agricultura e com o avançado processo de urbanização ocorrido no país no período.

Ao mesmo tempo em que Darcy flagra as marcas do extermínio dos povos indígenas neste movimento de inserção deles na moderna sociedade brasileira, ele visualiza as formas de adaptação que possibilitariam sua sobrevivência e a perpetuação de seu rico legado.

RESENHA

O livro, os índios e a civilização, aborda a situação das populações indígenas no Brasil, evidenciando as dificuldades enfrentadas por esses grupos em meio à expansão da sociedade nacional. O autor destaca que a história e a cultura desse país vasto e desigual são marcadas por contrastes violentos, onde tribos indígenas isoladas coexistem com grandes metrópoles modernas. Ao longo do século XX, o processo de aculturação e assimilação das populações indígenas no Brasil não ocorreu como se esperava. Em vez de serem absorvidos pela sociedade nacional, muitos desses grupos foram exterminados, e os sobreviventes permaneceram como povos distintos, mantendo sua identidade indígena e sofrendo as consequências da dominação.

O autor relata as bases de seu estudo, que incluem observações diretas feitas ao longo de anos de trabalho como etnólogo, exame de arquivos do Serviço de Proteção aos Índios, entrevistas com especialistas e revisão da bibliografia etnológica existente. Ele destaca a importância de compreender as dinâmicas de interação entre índios e não índios para desenvolver uma teoria geral de mudança sociocultural. Darcy Ribeiro propõe uma nova abordagem para analisar o processo de transfiguração étnica das populações indígenas, que se tornaram índios-genéricos, despojados de sua especificidade cultural, mas não assimilados pela sociedade nacional. O autor destaca a necessidade de reavaliar noções tradicionais e desenvolver novos conceitos para compreender melhor a complexidade das relações entre sociedades tribais e nacionais no Brasil.

Em suma, a obra de Darcy Ribeiro lança luz sobre as tensões e desafios enfrentados pelas populações indígenas no Brasil, oferecendo uma análise crítica do processo de aculturação e transfiguração étnica desses grupos em meio à expansão da sociedade nacional. É uma contribuição valiosa para o entendimento das relações interétnicas no país e para o desenvolvimento de teorias mais abrangentes sobre mudança sociocultural.

No capítulo Amazônia extrativista, o autor apresenta um panorama histórico da ocupação europeia na região do delta do Amazonas, destacando a exploração econômica baseada na extração de produtos florestais como o cacau, cravo, canela, entre outros. Inicialmente, a mão de obra indígena era utilizada para a coleta e transporte desses produtos, sustentando uma economia mercantil extrativista na região.

O capítulo ressalta como a exploração da Amazônia se deu de forma desordenada, baseada na busca aleatória por produtos naturais, o que levou à dispersão da população ao longo dos rios e afluentes da região. Os povos indígenas foram primeiramente coagidos a participar das atividades extrativistas, o que resultou em conflitos e exploração dessas populações ao longo dos séculos. O autor segue esclarecendo, que, a chegada da era da borracha representou um ponto de virada na economia amazônica, impulsionando o desenvolvimento das cidades e incrementando a exportação do produto. Contudo, a exploração excessiva levou a consequências desastrosas, como a epidemia de doenças carenciais entre a população dos seringais e o abandono da agricultura, resultando em uma completa dependência da borracha.

O colapso da economia extrativista, com a concorrência da borracha cultivada no Oriente, gerou um período de miséria na região, porém, foi também o momento de libertação das populações indígenas e caboclas da opressão vivida durante a era da borracha. Gradualmente, outras formas de exploração dos recursos naturais da região surgiram, mantendo uma economia de trocas mais sustentável. O capítulo retrata a exploração desordenada e predatória da região amazônica ao longo dos séculos, revelando as consequências sociais, ambientais e econômicas desse modelo econômico baseado na extração de produtos florestais. A sobrevivência dos povos indígenas e a busca por alternativas mais sustentáveis de uso dos recursos naturais da Amazônia são temas centrais abordados na obra.

O capítulo segue analisando o vale do rio negro, discorrendo sobre a ocupação europeia no Vale do Rio Negro desde o século XVII, destacando as diferentes tribos e culturas presentes na região. O autor destaca a violência e exploração sofridas pelos índios, tanto por missionários religiosos quanto por colonos, resultando em graves rebeliões indígenas na Amazônia até meados do século XIX. O autor também aborda a chegada dos missionários salesianos em 1916, que se estabeleceram na região e construíram uma igreja e uma missão. Apesar de prestarem alguns benefícios aos índios, como assistência médica e educação, os salesianos são criticados por sua intolerância e destruição da cultura indígena. A substituição das malocas por choças individuais é apontada como um exemplo dessa atitude, que mina a tradição e a organização tribal dos índios. O autor ressalta que a atuação dos missionários salesianos não contribui de forma positiva para a preservação da cultura indígena, levando os índios a se identificarem cada vez mais com a sociedade branca e rejeitarem suas próprias tradições. A narrativa destaca a resistência dos índios e a importância de preservar suas formas de organização e sobrevivência, que são mais adequadas ao ambiente da floresta tropical. Em suma, o autor critica a postura dos missionários salesianos que, ao invés de promover a integração harmoniosa entre as diferentes culturas, acabam por destruir as tradições e modos de vida indígenas, resultando em uma perda irreparável para as comunidades do Vale do Rio Negro.

Seguindo sua exposição, o autor nos fala sobre os índios do Tapajós e do Madeira, abordando a resistência dos povos indígenas da região do Tapajós e do Madeira contra a colonização e dominação dos brancos ao longo dos séculos. Inicialmente, os Torá foram os primeiros a enfrentar os invasores, porém foram enfraquecidos e posteriormente substituídos pelos Mura, que resistiram com sucesso por um longo período, obrigando até mesmo algumas vilas a se mudarem para longe de sua área de ação. Os Mura, por sua vez, acabaram por conhecer elementos da cultura branca, como armas de fogo, e se concentraram na região do Autaz, mantendo uma população considerável até o século XX. Os Munduruku, tribo tupi do Tapajós, sucederam os Mura e expandiram seu território pelo médio e baixo Tapajós, enfrentando tanto tribos locais como os colonizadores. Sua combatividade foi recrutada pelos brancos para enfrentar tribos hostis, mantendo-se autônomos por um longo período. No entanto, devido a fatores como depopulação e influência missionária, as correrias guerreiras dos Munduruku chegaram ao fim. Por outro lado, os Parintintin surgiram como uma nova tribo guerreira no século XIX, ocupando o território dos Torá, Mura e Pirahã, e se tornando obstáculo à expansão dos colonizadores no Madeira. O autor também destaca a selvageria com que os caucheiros e seringueiros atacavam as populações indígenas, destruindo aldeias e causando mortes em busca dos recursos naturais da região. A resistência dos índios, que muitas vezes se rebelavam e aderiam a movimentos de revolta, como a Cabanagem, mostra a luta contínua dos povos indígenas pela posse de suas terras e contra a exploração a que eram submetidos. Ao final, muitos indígenas se adaptaram à sociedade como produtores e mão de obra, mas mantiveram sua identidade tribal e lutaram por sua libertação.

O autor expõe que a ocupação do Juruá-Purus ,região da Amazônia, originalmente habitada por indígenas, foi marcada pela rápida e violenta invasão dos seringueiros em busca de borracha. Com a chegada dos nordestinos fugindo da seca, a população da região rapidamente aumentou, mas em detrimento da população indígena, que foi praticamente dizimada. Os contatos superficiais entre os seringueiros e os povos indígenas resultaram em uma grande confusão em relação às tribos existentes na região, dificultando o trabalho dos etnólogos e linguistas. Os índios foram submetidos a violências, escravidão e exploração, sendo muitas vezes perseguidos, mortos e suas terras invadidas. Os relatórios do Serviço de Proteção aos Índios narram inúmeras chacinas e violências cometidas contra os indígenas, que eram forçados a trabalhar nos seringais em condições miseráveis. Mesmo após anos de conflitos, os índios tentaram resistir e se defender, mas acabaram se rendendo e sofrendo ainda mais opressão. Com o tempo, a presença dos indígenas nas terras concedidas pelo Governo Federal passou a ser vista como uma ameaça e eles foram expulsos, mesmo sendo utilizados como mão de obra gratuita. A exploração e a violência contra os indígenas continuaram, com relatos de massacres e firmas comerciais mantendo homens armados para matar aqueles que se opunham à ocupação predatória de suas terras. A ocupação do Juruá-Purus foi um exemplo trágico de como a ganância, a violência e a exploração dos recursos naturais levaram à destruição de populações indígenas inteiras, deixando um legado de dor e sofrimento para aqueles que habitavam originalmente a região.

Já no capítulo 2, as fronteiras da expansão pastoril, aborda a expansão das fronteiras pastoris no Brasil e o impacto dessa expansão nas populações indígenas do Nordeste. A ocupação do interior do país, inicialmente destinada à criação de gado, levou à dispersão dos criadores de gado por todas as regiões do Nordeste, resultando na ocupação econômica dos extensos sertões interiores. Esse processo de ocupação resultou em conflitos violentos entre os indígenas e os invasores europeus, com os primeiros resistindo à invasão de seu território. Os índios dos sertões do Nordeste opuseram resistência à invasão de seus territórios, sendo trucidados ou apresados como escravos para os canaviais da costa. Após a expulsão dos jesuítas, em 1759, a administração das aldeias indígenas foi entregue a sacerdotes menos interessados na obra catequética, resultando na exploração dos índios e na reversão das terras concedidas a eles para o domínio de grandes empresas agroindustriais. Os remanescentes indígenas do Nordeste, como os Potiguara, Xukuru, Fulniô, entre outros, enfrentaram dificuldades na manutenção de suas terras e tradições. Muitos foram obrigados a dispersar-se e a se assimilar à sociedade nacional, perdendo a língua tribal e abandonando práticas ancestrais. Mesmo assim, esses grupos indígenas persistiram em se identificar como índios, resistindo à pressão assimilacionista da sociedade envolvente. O autor ressalta a importância de preservar e proteger as terras e tradições dos povos indígenas do Nordeste, destacando a resistência e a resiliência desses grupos em meio às adversidades enfrentadas durante a expansão pastoril no Brasil.

O capítulo 3, expansão agrícola na floresta Atlântica, o autor aborda a expansão agrícola na floresta atlântica do sul do Brasil e o impacto dessa expansão sobre as tribos indígenas que habitavam essa região. O autor descreve como a chegada dos colonizadores e a necessidade de mão de obra escrava levaram à subjugação e, muitas vezes, extinção dessas tribos.

O capítulo também destaca a resistência das tribos indígenas, que lutaram para manter seus territórios e modo de vida tradicional, mesmo diante da invasão e da pressão dos colonizadores. Além disso, mostra como missionários e autoridades tentaram civilizar e catequizar os indígenas, muitas vezes resultando em conflitos e chacinas. A narrativa é detalhada e apresenta um panorama complexo da relação entre colonizadores e indígenas na região da floresta atlântica. O autor destaca o papel da economia, da política e das missões religiosas nesse processo, mostrando as contradições e os conflitos que marcaram a história dessas tribos.

O capítulo 4, penetração militar em Rondônia, discute a penetração militar em Rondônia, focando principalmente na atuação da Comissão Rondon, liderada por Cândido Mariano da Silva Rondon na construção das linhas telegráficas que ligariam Mato Grosso ao Amazonas. O autor aborda como os índios do Brasil eram caçados e oprimidos pela civilização, sendo escravizados e expulsos de suas terras. A atuação da Comissão Rondon se destaca como uma exceção, adotando uma postura amistosa e buscando a integração das tribos indígenas à sociedade brasileira. Rondon, inicialmente destacado para servir em Mato Grosso, teve seus primeiros contatos com populações indígenas, trabalhando para estabelecer relações pacíficas e demarcar terras indígenas. A narrativa destaca a importância de Rondon na proteção dos índios contra a exploração dos fazendeiros, na promoção do trabalho e na defesa dos direitos dos indígenas. Ao longo de sua carreira, Rondon enfrentou desafios e hostilidades, como a pacificação dos Bororo de Garças e a penetração no território dos Nambikwara, considerados índios violentos e antropófagos. Apesar das dificuldades, Rondon conseguiu conquistar a confiança e a amizade das tribos indígenas, evitando conflitos e promovendo a paz. A obra de Rondon não se limitou à construção das linhas telegráficas, mas também contribuiu para o conhecimento das populações indígenas, da geologia, da flora e da fauna do Brasil interior. Sua abordagem humanística e pacífica estabeleceu um novo padrão nas relações entre povos tribais e nações civilizadas. O autor destaca como a atuação de Rondon influenciou a formação dos primeiros indigenistas brasileiros e a criação do Serviço de Proteção aos Índios.

Já o capítulo 5, a política indigenista brasileira, traz a tona o esclarecimento de que a política indigenista brasileira nos primeiros anos da República era marcada por conflitos violentos entre colonos e índios, com tribos sendo exterminadas e terras sendo disputadas. A fundação do Serviço de Proteção aos Índios em 1910 foi uma resposta a esses conflitos, visando proteger os povos indígenas e garantir seus direitos. O autor destaca a atuação do general Rondon, que ganhou destaque por suas expedições e métodos pacíficos de interação com os índios. Ele substituiu a visão tradicional do índio como inimigo e fera indomada por uma imagem mais humanizada, onde os índios mereciam proteção e respeito. As discussões sobre a política indigenista brasileira se dividiam entre abordagens religiosas, que defendiam a catequese como solução, e visões laicas, baseadas no evolucionismo positivista de Auguste Comte. Os positivistas propunham uma política de proteção aos índios, com foco na autonomia das tribos e no desenvolvimento social e econômico. A crítica às missões religiosas também é abordada, mostrando como muitas delas falharam em pacificar os índios e acabaram causando mais conflitos. A proposta de Rondon e dos positivistas para a nova política indigenista incluía a manutenção das tradições tribais, a educação dos índios e o respeito à sua autonomia. Em resumo, o autor apresenta a evolução da política indigenista brasileira, desde os conflitos violentos até a busca por uma abordagem mais pacífica e respeitosa em relação aos povos indígenas. A atuação de figuras como Rondon e a influência do positivismo foram fundamentais para essa mudança de paradigma.

O capítulo 6, a pacificação das tribos hostis, narra que Telésforo Martins Fontes conseguiu finalmente estabelecer contato pacífico com os baenã, demonstrando sua coragem e determinação com um gesto ousado. Em uma situação de extrema tensão, despojou-se de suas roupas e se aproximou dos índios nu e desarmado, em um ato de confiança e busca pela paz. Esses exemplos de bravura e habilidade em lidar com situações delicadas são ilustrativos do processo de pacificação das tribos hostis realizado pelo SPI ao longo dos anos. Essas histórias destacam não apenas os desafios enfrentados pelos servidores do SPI, mas também a importância da perseverança e da compreensão mútua para o estabelecimento de relações pacíficas entre sociedade brasileira e populações indígenas.

Já o problema indígena, exposto no capítulo 7, esclarece, que, no Brasil, desde a atuação inicial do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) até a situação atual das terras indígenas no país, os fundadores do SPI acreditavam na transformação dos índios em lavradores e em sua assimilação completa à sociedade nacional. No entanto, a realidade demonstrou que os índios resistiam à mudança e preservavam suas características culturais. Os índios enfrentaram a exploração e o desrespeito desde a chegada dos portugueses ao Brasil. Mesmo com legislação que garantia seus direitos às terras que habitavam, os índios foram continuamente desalojados e tiveram suas terras usurpadas por fazendeiros, empresários e governos locais. O autor destaca que a posse da terra é essencial para a sobrevivência dos indígenas, mas a falta de fiscalização e ações efetivas do governo têm permitido a invasão e exploração das terras indígenas. Os interesses econômicos muitas vezes se sobrepõem aos direitos e à proteção dos indígenas, levando à perda progressiva de seus territórios. A discussão sobre as terras indígenas no Brasil é apresentada como um problema complexo, que envolve interesses econômicos, políticos e culturais. O autor destaca a necessidade de uma regulamentação eficaz e de ações concretas para garantir a posse das terras indígenas e a preservação das comunidades indígenas no país.

No capítulo 8, as etapas da integração, Darcy narra-nos, que, a integração dos grupos indígenas brasileiros na sociedade nacional ao longo do século XX, analisando as diversas etapas desse processo. Darcy destaca a importância de comparar a situação dos grupos indígenas em 1900 com a situação em 1957, a fim de entender o grau de integração na sociedade nacional e a conservação ou perda da autonomia cultural e linguística. A partir de uma análise sistemática, o autor divide os grupos indígenas em quatro categorias: isolados, em contato intermitente, em contato permanente e integrados. Por meio dessas categorias, ele analisa o comportamento e as transformações vivenciadas pelos grupos indígenas ao longo do tempo. Além disso, o autor discute a intervenção do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) como um fator que influenciou o processo de integração. Ao comparar os dados de 1900 com os de 1957, o autor observa que houve uma drástica redução no número de tribos isoladas e uma modificação profunda na composição dos grupos remanescentes em relação ao grau de integração. Ele destaca que a intervenção protecionista do SPI contribuiu para a sobrevivência de muitos grupos indígenas que, de outra forma, teriam desaparecido. Por fim, o autor ressalta que a integração dos grupos indígenas à sociedade nacional é um processo complexo, com diferentes etapas e desafios. A análise dos dados apresentados demonstra a importância de compreender as dinâmicas sociais e históricas que influenciam a integração dos povos indígenas e a necessidade de políticas de proteção e preservação das culturas indígenas. Em suma, o capítulo oferece uma visão abrangente e detalhada da integração dos grupos indígenas brasileiros ao longo do século XX.

O capítulo 9, as compulsões ecológicas e bióticas, destacam as graves consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, com foco nas doenças que são levadas aos povos indígenas e nas mudanças na organização social e nos hábitos alimentares que resultam desse convívio. As epidemias de gripe, sarampo, varíola e tuberculose são descritas como causas de alta mortalidade entre os índios, que muitas vezes não possuem imunidade contra essas doenças, levando a uma redução drástica das populações. Além disso, as mudanças na dieta e no estilo de vida dos índios resultam em deficiências nutricionais e problemas de saúde, como cáries dentárias e distúrbios motores. O autor também destaca o impacto da pacificação e do contato com civilizados na organização social e nos costumes tradicionais das tribos indígenas. A imposição de novas práticas e a interferência na vida dos índios resultam em desorganização interna, desmoralização e até mesmo no colapso de alguns grupos, que se veem obrigados a se adaptar a um novo modo de vida. Em resumo, a resenha do conteúdo apresenta um panorama sombrio das consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, destacando a importância da preservação da cultura e dos hábitos tradicionais dos povos indígenas para garantir sua sobrevivência e bem-estar.

No capítulo 10, o autor discute as repercussões das coerções socioeconômicas sobre os grupos indígenas que entram em contato com a sociedade brasileira em expansão. Ele destaca como a imposição de novos elementos tecnológicos, como ferramentas de metal e outros bens da civilização, influenciam a cultura e a vida tribal. A introdução desses elementos pode levar a mudanças profundas na estrutura econômica e sociocultural das tribos, afetando sua autonomia e levando a uma dependência econômica fatal. O autor discute como a adoção desses elementos pode trazer benefícios, como maior eficiência nas atividades produtivas e disponibilidade de tempo para o lazer, mas também desafios, como a desintegração das unidades sociais tradicionais, a estratificação étnica e a desorganização social. A introdução de novas tecnologias também pode levar à individualização, à competição racionalista e ao desenvolvimento de atitudes competitivas. Além disso, o autor aborda como a introdução de novos elementos culturais pode levar à degradação da arte indígena, à desvalorização das práticas tradicionais e à perda de identidade cultural. Ele ressalta a importância de equilibrar o valor operativo das inovações com seu valor funcional, para evitar desajustamentos que possam levar ao colapso da vida tribal.

O capítulo 11 discute a interação entre as culturas tribais e a nacional, explorando como as representações simbólicas do mundo e os corpos de crenças e valores motivam a conduta dos povos indígenas diante do impacto da civilização. O autor destaca que essa interação não se resume a simples confrontos culturais, mas sim a um complexo processo de transfiguração étnica, no qual as crenças e valores indígenas são constantemente redefinidos para se adequarem às novas realidades impostas pelo contato com a civilização. Por meio de diversos exemplos de diferentes tribos indígenas, o autor ressalta como as tradições míticas são reajustadas para explicar e justificar as transformações vivenciadas pelo grupo. Mostra como o sincretismo religioso, os movimentos messiânicos e as reações contra-aculturativas são formas de resistência e adaptação dos povos indígenas diante das pressões do mundo moderno. Destaque é dado ao caso dos Bororo, que mesmo após décadas de convivência com os missionários e a integração na economia regional, conseguiram preservar seus cerimoniais fúnebres, manifestando orgulho e identidade cultural em suas práticas rituais. Isso evidencia a resiliência e a capacidade de adaptação dos povos indígenas em meio a desafios culturais e socioeconômicos. Em resumo, o capítulo aborda a complexidade das reações étnicas diferenciais dos povos indígenas frente à modernidade, mostrando como suas tradições e crenças são redefinidas e mantidas como forma de resistência e preservação da identidade cultural em um mundo em constante transformação. É um estudo profundo e perspicaz sobre as dinâmicas culturais e sociais dos povos indígenas diante dos impactos da sociedade nacional.

Já no último capítulo, conclusões, o autor revela que a população indígena do Brasil representa menos de 0,2% da população nacional, com a maioria das tribos localizadas na região da Amazônia. As populações indígenas são classificadas em quatro categorias de acordo com o grau de contato com a sociedade nacional: isolados, contato intermitente, contato permanente e integrados. Cada categoria representa uma etapa no processo de integração das populações indígenas na sociedade nacional, com algumas tribos enfrentando a extinção devido aos impactos da civilização. O autor também destaca a influência dos diferentes setores econômicos (extrativista, agrícola e pastoril) na interação com as tribos indígenas, sugerindo que a dinâmica da sociedade nacional desempenha um papel crucial no destino das tribos. Além disso, são apresentados fatores causais da transfiguração étnica, como as compulsões ecológicas, bióticas, tecnológico-culturais, socioeconômicas e ideológicas que levam as tribos indígenas da condição de índios tribais à de índios genéricos. A sequência típica da transfiguração étnica descrita no conteúdo aborda a progressão do processo de aculturação e integração das tribos indígenas com a sociedade nacional, destacando a importância do ritmo e intensidade dessa transformação no destino de cada grupo. Por fim, a interação entre os índios genéricos e a população brasileira é descrita como mediada por representações preconceituosas que isolam e perpetuam a condição de ambos como alternos em oposição. Em suma, o conteúdo faz uma análise profunda e detalhada sobre a população indígena brasileira, destacando os desafios enfrentados pelas tribos na integração com a sociedade nacional e os impactos dessa interação no destino e identidade desses grupos étnicos. É um estudo relevante que contribui para a compreensão da diversidade étnica e cultural do Brasil.

O livro "Os índios e a civilização", de Darcy Ribeiro, é uma obra fundamental para compreender as relações entre as populações indígenas e a sociedade brasileira ao longo do século XX. O autor analisa de forma profunda e detalhada as diversas etapas do processo de integração e transfiguração étnica das tribos indígenas, destacando os impactos da expansão agropecuária, da industrialização e da urbanização no destino e na identidade desses povos.

Darcy Ribeiro apresenta um panorama sombrio das consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, evidenciando as epidemias, a perda da autonomia cultural e linguística, a exploração e a violência sofridas pelas populações indígenas. Ele destaca a resistência, a resiliência e a capacidade de adaptação dos povos indígenas diante das pressões do mundo moderno, mostrando como suas tradições e crenças são redefinidas e mantidas como forma de resistência e preservação da identidade cultural. Ao longo dos capítulos, o autor aborda a atuação do Serviço de Proteção aos Índios, a introdução de novas tecnologias e elementos culturais, as compulsões ecológicas e bióticas, as repercussões das coerções socioeconômicas e as diferentes categorias de contato dos grupos indígenas com a sociedade nacional. Ele analisa os desafios enfrentados pelas tribos na manutenção de suas terras, tradições e identidade cultural, ressaltando a importância da preservação e proteção das terras indígenas para garantir a sobrevivência e bem-estar dessas comunidades.

Em sua conclusão, Darcy Ribeiro destaca a influência dos diferentes setores econômicos na integração das populações indígenas na sociedade nacional, e ressalta a importância de compreender a dinâmica da sociedade brasileira para entender o destino das tribos indígenas. Ele conclui que a interação entre os índios genéricos e a população brasileira é mediada por representações preconceituosas, que perpetuam a condição de ambos como alternos em oposição. Em suma, o livro de Darcy Ribeiro é um estudo profundo e perspicaz sobre as relações interétnicas no Brasil, oferecendo uma análise crítica do processo de aculturação, transfiguração étnica e integração das populações indígenas na sociedade brasileira. É uma obra essencial para quem busca compreender a diversidade étnica e cultural do país e refletir sobre os desafios e dilemas enfrentados pelos povos indígenas em meio à modernidade.

Resenha: Limpa, de Alia Trabucco Zerán

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 APRESENTAÇÃO

Neste romance baseado em um crime real e construído de forma circular — ele começa no ponto em que termina —, Estela está presa em uma sala de interrogatório policial para esclarecer a morte de uma menina a seus inquiridores. Anônimos, eles estão separados da protagonista por um vidro opaco, tal como ela era apartada da cozinha por uma porta translúcida no quarto dos fundos da casa onde vivia como empregada doméstica e babá.


RESENHA


Em Limpa, Alia Trabucco Zerán explora o terror psicológico por meio da história de Estela Garcia. A protagonista narra, inicialmente ao telefone, uma tentativa desesperada de se libertar de um local desconhecido. Durante sua reflexão, ela relembra as mortes que causou em sua vida, incluindo a de animais. Estela discute a inevitabilidade da morte e as motivações por trás de cada ser vivo encontrar seu fim. No desenrolar da trama, revela-se um pedido de ajuda para uma garota que Estela possivelmente auxiliou em sua morte, ao sugerir uma ideia que a levou a seu fim trágico.


E há uns quantos, como a menina, que precisam apenas de uma ideia. Uma ideia perigosa, afiada, nascida num momento de fraqueza (p. 11)


A história começa com Estela respondendo a um anúncio de emprego que solicitava uma empregada em tempo integral e com boa aparência. Em seu primeiro dia de trabalho, ela foi recebida pelo casal de patrões, com ênfase na esposa grávida que examinou minuciosamente sua aparência. Enquanto a esposa estava atenta aos detalhes, o marido parecia indiferente e até se mostrou nu diante da empregada em um momento inesperado. Apesar de sua falta de experiência com crianças, Estela foi contratada e recebeu instruções detalhadas sobre suas responsabilidades naquela casa aparentemente luxuosa. Enquanto explorava a residência, Estela teve um pensamento perturbador sobre a natureza da casa, o que a deixou desconfortável.


Durante a entrevista, a Estela não foi mostrada ao "quarto dos fundos", mas viu-o pela primeira vez no seu primeiro dia de trabalho. O quarto era simples, com uma cama, mesa de cabeceira, cómoda e televisão. Ela sentiu uma estranha sensação ao entrar no quarto, como se estivesse a observar a sua própria transformação. Ela trabalhou para um casal, com a senhora Mara e o Dr. Juan Cristóbal Jensen. Mara era distante e fria, enquanto o Dr. Jensen era obcecado pelo tempo e pelo seu estatuto de doutor. Ela foi inicialmente tratada pelo nome da empregada anterior e sentiu-se como uma estranha naquela casa.


Estela descreve o nascimento da menina Julia e o momento em que ela cuida da criança pela primeira vez. Mara, dona da casa, estava exausta e pediu à Estela, para cuidar da criança. Estela se sente desconcertada com a fragilidade de Julia e a novidade de cuidar de um recém-nascido. Ela limpa, veste e acalma a criança, refletindo sobre a vida e o silêncio. Ela então se sente perdida e paralisada ao vigiar Julia dormir, sem conseguir distinguir o carinho do desespero.


Numa manhã, ao iniciar o dia, uma nova empregada doméstica toma um duche e se veste para o trabalho. Ao chegar à cozinha, encontra um recado na porta da geladeira, indicando alguns itens a comprar no supermercado. Ao sair para fazer as compras, ela se depara com uma mulher idosa semelhante a si mesma, o que a perturba. Durante o percurso, ela se sente seguida e começa a ter sensações estranhas, perdendo a noção da realidade. A experiência a deixa desconfortável e confusa, levando-a a se questionar sobre sua identidade e realidade.


A menina rapidamente cresceu e começou a falar, dizendo a sua primeira palavra, "bá-bá", que era como a babá era chamada. Mara, a senhora, tentou desviar a atenção dela de uma tragédia na televisão, mas a menina continuou a insistir, causando desconforto. A senhora acabou mentindo para o marido, dizendo que a primeira palavra da menina foi "mamã".


Durante a noite, Estela presencia uma cena explicitamente sexual entre os patrões enquanto vai buscar água na cozinha durante a noite. Ao ser descoberta, ela foge para o quarto, sentindo-se perturbada e com sede. A cena a deixa agitada, e ela se masturba para tentar acalmar o desconforto causado pelo que presenciou. Os dias passam e Estela é confrontada com sua realidade e ética após flagrar a patroa traindo o marido e gerando um atrito para ambas, este episódio culminou na quase desistência de Estela ao trabalho, mas ela havia prometido ajudar sua mãe com o salário, então ela engoliu o orgulho e permaneceu na residência do casal. 


Estela em um momento de divagação, reflete sobre uma história sobre a figueira do pátio das traseiras e como a morte iminente da árvore se relaciona com a morte que está prestes a acontecer na família, ela reflete sobre a inevitabilidade da morte e como os sinais de que algo está prestes a acontecer estão sempre presentes na atmosfera da casa. Ao limpar os figos caídos da árvore, se deparando com a realidade da morte e a certeza de que a vida tem um ciclo que inclui o princípio, o meio e o fim. 


Estela recebe a visita inesperada de sua prima Sonia, que anuncia a morte repentina de sua mãe. Sonia explica que um homem desconhecido, colega de trabalho da mãe, havia cuidado do enterro. Estela não sentiu nada com a notícia, apenas ficou atordoada. Sonia pediu ajuda financeira e partiu. Depois da morte da mãe, Estela entrou em um silêncio profundo, sem intenção de comunicar. Mesmo realizando tarefas diárias, ela deixou de falar e se isolou, percebendo que as palavras têm uma ordem necessária enquanto o silêncio permite todas as palavras ao mesmo tempo. Com o tempo, seu silêncio se tornou poderoso, até que uma tragédia aconteceu: a menina afogou-se, mesmo sabendo nadar. 


Estela divaga por um momento relembrando de um episódio que aconteceu quando Juan retornou de seu turno de trabalho e lhe falou até às sete da manhã. O senhor, visivelmente perturbado, abre-se sobre um encontro com uma mulher em um hotel, que acaba revelando um caso de infidelidade, enquanto permanece narrando o episódio de falecimento de uma paciente de sete anos durante os meses finais do curso de medicina, aos quais, manteve em segredo por mais de vinte anos.  Nesse dia, o senhor ficou na cama com febre e tosse, fechando-se no quarto para ver as notícias. Pediu um consomê no almoço e a empregada, Estela, tentava não olhar para ele. Enquanto isso, uma vendedora ambulante gritava na rua. À noite, Estela ouviu um assalto em andamento na casa, com os ladrões revirando tudo em busca de dinheiro e joias. A polícia chega algumas horas depois de um assalto à casa. O senhor da casa não revela todos os detalhes do roubo, mas a senhora fala por eles. Durante as semanas seguintes, o senhor fica obcecado com a ideia de se proteger, chegando mesmo a comprar uma pistola. Enquanto fazia uma limpeza, a empregada encontra a pistola escondida e decide guardá-la consigo. Ela reflete sobre a certeza da morte e a sensação de poder que a arma lhe dá, guardando-a debaixo do colchão no quarto dos fundos.


Guardei a pistola dentro do lenço e quando ia pô-la no lugar onde devia ficar escondida, arrependi-me. E levei-a comigo, foi isso. Levei a pistola para o quarto dos fundos e guardei-a debaixo do colchão. Não fosse um dia, ou uma tarde, ter vontade de responder a essas duas perguntas: como e quando


Após um evento traumático na casa, Estela é demitida e recebe um cheque de um mês como compensação pelo mês trabalhado, até encontrar um novo trabalho. Em seu último dia de trabalho, Estela observa da cozinha, enquanto prepara um último chá antes de partir, o corpo da filha do casal, Júlia, boiando sob a piscina - ela estava morta.


Fiquei a olhar para ela, à espera de que acordasse. Não acordaria. As memórias gravadas na sua mente desapareceriam com ela e eu também, porque eu era uma dessas memórias. Não sei o que senti. Nem tem importância. Mas interroguei-me se por acaso sentiria falta das suas canções, das suas corridas no corredor, do seu constante desespero.


A história se finaliza com Estela saindo pela porta da frente e acordando em um local desconhecido tentando contato através do telefone de forma desesperada em busca de auxílio.


Limpa, de Alia Trabucco Zerán, é um mergulho profundo no terror psicológico através da história de Estela Garcia. A narrativa intricada e envolvente da autora nos leva a questionar a natureza da vida, da morte e das relações interpessoais de forma intensa e emocionante. Os personagens são complexos e cheios de camadas, tornando a história ainda mais cativante. A escrita de Zerán é envolvente e impactante, levando o leitor a refletir sobre temas profundos e perturbadores. Uma obra que certamente ficará na mente do leitor por muito tempo após a leitura.

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