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Resenha: A forma do fogo, de Felipe Rodrigues

Foto: Arte digital

A forma do fogo é um livro de poesias escrito pelo poeta e advogado Felipe Rodrigues. A obra se inicia diretamente com o sumário, essa escolha pessoal do autor em não utilizar uma introdução, prólogo, nota de abertura ou semelhante é uma característica distinta que evoca no leitor a necessidade de aprofundar nos escritos de maneira mais verossímil, com mais afinco, o que denota a possibilidade de andar pelos degraus dos sentimentos presentes em cada linha de forma mais nivelada, possibilitando uma compreensão mais assertiva dos fatos, o que claro, torna a leitura mais instigante, causando um sentimento de inovação do contexto em relação as expectativas dos caminhos descritos e propostos pelo autor. Outra análise possível é o fato do fogo não ser contido, controlado, por suas chamas ascenderem de forma instantânea dentro de seus limites da existência, ardendo. Este arder das chamas provoca uma reflexão latente acerca dos temas abordados, como se o medo, angústia e os demais sentimentos queimassem o interlocutor, em outras palavras, é um texto sobre tudo o que destrói o ser humano, como as chamas de um incêndio.


A obra consta com 95 poemas ao todo, um marco em uma publicação deste gênero, o que torna o mix de assuntos laborados mais diverso, tornando a esfera da leitura uma experiência agradável para todos os públicos. Estruturado em estrofes com ora rimas, ora formas fixas, a obra possui características descritivas e estruturais únicas que modificam-se a cada novo poema, revelando desta forma, uma nova estética de se reinventar por meio de características singulares entre as emoções destacadas.


Analisando temas como sentimentalismo, amor, esperança, solidão, ânsia, âmago e outros tópicos, o autor nos convida a refletir acerca de nossa existência e de tudo o que cerca nosso redor, como descrito no poema abaixo:


a doença da liberdade

Ansiedade é a doença da

Liberdade.

 

Menos infeliz quem,

Não sabendo que não pode ser,

A não ser, infeliz

Do que quem a crê e a vê

Em todo lugar, a todo instante

E perde-se no oásis de escolhas

Em meio ao deserto de sentido,

Ficando triste, doente, ansiosa

Esquecendo o que, lá no íntimo único,

Era e queria de verdade.

 

Multiverso, metaverso,

Relacionamentos abertos,

Fé, a falta ou excesso de Deus ou heróis,

Imagens e governantes,

Ideias, discursos e narrativas

Contra "eles",

Sobretudo vidas e coisas tão longe de mim!

 

Tantas formas de vida para escolher

No tempo tão curto de viver!

 

Ah, liberdade, liberdade...

Quando quase tudo é possível

Mas quase nada convém.

O poema aborda a liberdade como uma fonte de ansiedade e doença na sociedade contemporânea. Ele reflete sobre a ideia de que, apesar de termos a liberdade de escolha em diversos aspectos de nossas vidas, essa liberdade pode nos levar a uma sensação de desorientação, falta de sentido e insatisfação, destacando a pressão da sociedade moderna para fazer escolhas em todas as áreas da vida, desde relacionamentos até crenças religiosas e políticas. Isso cria um sentimento de estar perdido em meio a tantas opções e expectativas, levando à infelicidade e ansiedade.

A liberdade é retratada como algo paradoxal, em que quase tudo é possível, mas quase nada realmente é satisfatório. Isso sugere uma reflexão sobre as consequências da liberdade excessiva, levando as pessoas a perderem de vista suas verdadeiras vontades e desejos.

Dessa forma, o poema aborda a liberdade sob uma perspectiva sociológica, explorando como as pressões sociais e as expectativas da sociedade contemporânea podem afetar nosso senso de identidade, propósito e bem-estar. Ele levanta questões sobre como lidamos com a liberdade e as escolhas que enfrentamos, e como isso pode contribuir para sentimentos de descontentamento e doença.


Seguindo com os poemas:


a dança das estrelas

O meu saber dos astros não alcança

O imprevisível andar das tuas cenas

O acerto e o erro em ser, com os pés na dança

Do que é teu e somente teu, apenas.

 

Contigo o mau futuro não me cansa

Quando envolvido em tuas mil morenas

O meu saber dos astros tem confiança

No pleno ajuste das coisas terrenas...

 

Por mais que os astros girem sobre nós

Contando confidências, e tramando

O alegre e o triste na pequena noz

 

Satélite inexato, eu sempre aéreo

Ciência ou religião... Nunca a alcançando

Flor astral, esotérico mistério.


Sob uma perspectiva sociológica ao explorar conceitos como individualidade, liberdade e destino, o poeta descreve a dança das estrelas como algo imprevisível e incontrolável, refletindo a ideia de que cada indivíduo tem seu próprio destino e caminho a seguir. Além disso, o poema sugere que o conhecimento dos astros pode oferecer alguma segurança, mas que, no final das contas, somos responsáveis por nossas próprias ações e escolhas. Isso pode ser interpretado como uma crítica à ideia de determinismo social ou à influência de forças externas sobre nossas vidas. Ao falar sobre o envolvimento com "mil morenas" e o aclaramento das coisas terrenas, o poema também pode ser interpretado como um comentário sobre a interação entre o indivíduo e a sociedade. A ideia de estar imerso em um contexto social, mas confiante em suas próprias decisões, sugere uma abordagem individualista em relação à vida. Em última análise, o poema aborda questões de destino, liberdade, confiança e mistério, que são temas sociais e filosóficos importantes que permeiam a vida de todos nós.


silêncio

Por muito tempo temi a solidão

E refugiei-me, como vocês,

No incessante e colorido mundo exterior

Onde, ansioso,

Refletia cores alheias para o vazio de meu coração,

Coroava meu céu com brilhantes, inseguras estrelas

Enquanto tempo era-me roubado

Para que eu me esquecesse de mim.

 

Mas de tanto estar ausente

Perdi o medo da solidão - ou da liberdade,

Do julgamento também,

E agora reconheço-me em mim, em silêncio,

Como reencontrando um velho amigo desencontrado

Na roda do tempo, no sem sentido da vida,

E comigo sou e comigo estou

Na mais serena e autêntica paz.

O poema “Silêncio” pode ser interpretado sob uma perspectiva como uma reflexão sobre a condição humana na sociedade moderna. O eu lírico expressa inicialmente um medo da solidão, que é uma experiência comum em um mundo onde as relações sociais podem ser superficiais e efêmeras. A busca por refúgio no “mundo exterior” e a tentativa de se encaixar, refletindo “cores alheias”, pode ser vista como uma crítica à conformidade social e à perda da individualidade.

A solidão, muitas vezes vista negativamente, é reavaliada pelo poeta como um espaço de liberdade e autoconhecimento. A ausência de julgamento externo permite uma introspecção profunda, onde o eu lírico encontra paz e autenticidade. Isso pode ser interpretado como um comentário sobre a importância da autonomia e da identidade pessoal em uma sociedade que valoriza a extroversão e o desempenho social.

O “reencontro com um velho amigo desencontrado” simboliza a reconexão com a essência do ser, muitas vezes perdida na “roda do tempo” e no caos da vida cotidiana. O poema termina com uma nota de serenidade, sugerindo que a verdadeira paz vem de estar em harmonia consigo mesmo, além das expectativas e pressões sociais.


O PERSEGUISSONHO


Se tenho sonhos?

Não sei se os tenho ainda,

Mas sei que os tinha...

Se persigo meus sonhos?

Persigo, sim,

Perseguissonho de outras pessoas.

Mas não sei se são reais

- Esses sonhos e essas pessoas -

Porque eu mesmo não sonho

E não tenho nada de absolutamente tão claro

A viver e morrer por, a sonhar!

- Tenho sim objetivos:

Não sou preguiçoso, apenas não sou sonhador...

A vontade vacila, sempre.

Não consigo “Viver o presente...”

Nem uns sonhos próprios, inexistentes.

Mas gostaria de reencontrá-los

Assim, como por acaso,

E que me perdoassem...

Porque o perseguissonho persegue-me

Numa sensação de desperdício

Do tempo e da força que ainda me restam

Para viver e só viver,

Mas nada sonhar...


O poema “O PERSEGUISSONHO” apresenta uma reflexão profunda sobre a condição humana na sociedade contemporânea, especialmente no que tange à perseguição de sonhos e objetivos. Do ponto de vista, o poema pode ser interpretado como uma crítica à pressão social para que se tenha ambições e sonhos claramente definidos, o que pode levar a um sentimento de inadequação e perda de identidade.


O eu poeta revela uma luta interna entre a expectativa social de ter sonhos e a realidade de não possuir nenhum que seja genuinamente seu. A sociedade muitas vezes valoriza aqueles que têm grandes aspirações e desvaloriza os que não se encaixam nesse ideal. Isso pode gerar uma sensação de alienação e de estar vivendo através dos sonhos de outros, o que o poeta chama de “Perseguissonho”.


A vontade que “vacila, sempre” pode ser vista como a incerteza e a inconstância que muitos enfrentam ao tentar se conformar com as normas sociais. A dificuldade em “Viver o presente” pode refletir a ansiedade e a pressão para planejar o futuro, muitas vezes à custa de apreciar o momento atual.


O desejo de reencontrar seus sonhos “como por acaso” sugere uma esperança de redescobrir uma paixão ou propósito perdido, livre das imposições sociais. O poema termina com uma expressão de resignação, onde o eu lírico aceita a perseguição dos sonhos como uma parte inevitável da vida, mesmo que isso signifique não ter sonhos próprios.


A obra "A forma do fogo" de Felipe Rodrigues é uma verdadeira obra-prima da poesia contemporânea. Com uma linguagem poética única e uma profundidade emocional que envolve o leitor, o autor nos convida a refletir sobre temas universais como liberdade, solidão, amor e identidade. Cada poema é uma janela para o mundo interior do poeta, revelando uma sensibilidade única e uma capacidade de expressão que toca o coração de quem lê.


Os temas abordados nos poemas, como ansiedade, liberdade, solidão e busca por identidade, são extremamente relevantes para a sociedade contemporânea, refletindo as angústias e as contradições do mundo moderno. A maneira como o autor explora esses temas, com uma sensibilidade aguçada e uma linguagem poética envolvente, faz com que o leitor se identifique e se emocione com as palavras do poeta.


Em suma, "A forma do fogo" é uma obra que transcende as barreiras do tempo e do espaço, tocando o âmago do leitor com sua beleza e profundidade. Felipe Rodrigues é uma voz poética que merece ser ouvida e apreciada, e sua obra é um verdadeiro tesouro da literatura contemporânea. Recomendo fortemente a leitura deste livro a todos os amantes da poesia e da beleza das palavras.

5 Poemas de Christian Dancini, autor de “dialeto das nuvens”


O poeta Christian Dancini de Oliveira, natural de São Roque, São Paulo, é uma revelação no cenário da poesia contemporânea. Desde os onze anos de idade, ele se dedica a escrever versos e, aos 22 anos, já tinha dois livros publicados, além de diversos trabalhos em revistas renomadas. Em seu livro Dialeto das Nuvens, o autor nos leva a uma viagem por suas diferentes fases criativas, explorando desde a fragilidade humana até o surrealismo mais profundo. Nesta matéria, vamos conhecer mais sobre esse talentoso poeta e sua obra que nos convida a sentir, mais do que meramente entender.

Conheça cinco poemas presentes na obra dialeto das nuvens:


Coração índigo

Uma andorinha se desprende do teu crepúsculo,

eu vejo agora teus olhos confusos e tristes,

por trás da máscara. Equilibrista em minha aorta.

Um anjo azul e rosa que pousou na ponta da minha

melancolia.



O teu lume.

Deixastes para trás o teu lume

que, palpável, deslizou para dentro

da minha garganta.

Então, eu o engoli: borboletas em meu esôfago,

paz para os meus brônquios, relâmpagos em meu

estômago. O teu lume senta ao lado direito

do verdadeiro amor.


Os caminhos da morte

Há três caminhos a partir da morte: o caminho do alívio,

o caminho do eterno e o caminho do renascimento.

O alívio começa a partir do momento da morte:

já reparou como se alivia a face de um morto? Como

relaxam os músculos? A partir daí, começa o eterno:

como ondas de infinitos finitos são levadas pelo vento

ainda vivas, também o são a partir da morte. E por último, o

renascimento: quando um recém nascido chora

ele está adquirindo a consciência novamente em ondas

e ondas de espírito.

A morte é uma luz a fraquejar, bruxuleando, como pequenos

infinitos a romper em cada canto. Ela nunca apaga a existência

por completo, apenas cintila, pisca, mas volta sempre a acender

as chamas da vida nos olhos do amor.


O medo, a palavra e o acaso

A escuridão espia pela claraboia... paranoico, louco, vil...

Os corvos gritam em profundo silêncio: lux aeterna.

O câncer que corrói os ventos, a doença que se

espalha pelo ar,

o inconsciente dilacerado pela música,

o som grave dos tambores em aleluia,

e a escuridão que espia pela claraboia.

Os cervos suspensos em fá sustenido,

o medo, a palavra e o acaso,

a ocasião, as estrelas ululantes e o vento.

Tudo aquilo que passa a cada momento — os olhos da aurora —

sapateando pelo bumbo do coração das trevas.

E eu — o que resta de mim —, a palavra entre

vírgulas

na distopia da liberdade, eu danço com Virgílio e Homero

no sono do inconsciente.


Entropia.

Caos no fundo daqueles olhos,

beijar aquelas pálpebras seria o mesmo

que tocar o outono.



[RESENHA #1000] Escamas de Mil peixes, de Maitê Lamesa

 





Escamas de Mil Peixes é cardume de poesias escritas entre 2009 e 2023, entroncamento de rios que correram apartados no tempo e no espaço, até serem transpassadas por uma lâmina que afia nos dentes a vontade de falar e que afina a voz de um peixe solitário. É dessa forma que Maitê dosa as diversas forças necessárias para o arremesso dos poemas, escamas que se propõem a refletir as incontáveis nuances da poesia: a coragem da escrita, subjetividades que se cruzam com a coletividade, amores, dissabores, o correr do tempo, a voz feminina e maternal, o mar e a morte. São poemas que se revelam nas margens inacessíveis, na superfície embriagante do oceano e, sobretudo, nas profundezas de um rio turvo, na pele de peixe. Não são paisagens paradisíacas que estão em jogo, mas as paisagens para além do alcance da vista: os vales escondidos, as fossas abissais, as cavernas de morcegos, locais onde se opera um sutil descolamento a partir do encontro entre essa paisagem (realidade) e o pensamento. É um convite à poesia como a outra margem do rio, das pessoas, da vida e que, assim como ele, segue inventando caminhos possíveis por onde correr.

RESENHA






Escamas de Mil peixes é o primeiro livro da autora jauense Maitê Lamesa. A obra, descrita pela autora como um cardume de poesias é um convite à experimentação. Aqui, Lamesa, reúne textos de diferentes épocas de sua vida, em um forte movimento de coragem [metaforicamente acionada como o salto de um peixe nas águas de um rio]. A obra é uma miscelânea simbólica orientada por eixos poéticos que descrevem suas nuances entre metáforas em relação aos peixes e o movimento das águas que narram a vida como poemas que vão contra a maré, como correntezas que seguem um fluxo inconstante, como felicidade, luto, maternidade, crescimento, dor e mememórias.

A obra é dividida em sete capítulos: Os poros por onde nascem as escamas; pele de peixe; nadando contra a correnteza; um peixe de água salgada; descamado; desova; lambaris e um rio marrom onde moram os peixes. A voz do peixe usada pela autora é uma forma de trazer a tona em sua obra uma voz marginalizada e sufocada, quanto para descrever a coragem de descer o rio em uma jornada.

Nas palavras de Tatiana Lazzarotto, escritora e jornalista: O livro é dividido em muitas partes – muitas escamas – e há muitas mulheres em suas páginas. Uma que lava a louça, outra que observa a chuva. Ou uma mulher-estátua, que testemunha o esquecimento. Mas em “Desova”, quem canta é a indelegável mãe e todas as nuances de suas três letras, e é à Teresa que este livro é dedicado. Testemunhemos a poesia de Maitê como a multiplicação dessas mulheres-cardume, por meio de suas imagens-milagres. Uma poeta que nasce assim é um acontecimento.


Confira alguns trechos do poema da autora:


Campo de lavandas

é como andar por um campo de lavandas

escrever estas linhas recuadas

frutos de um pensamento único

uma sensação inacabada



recorte de sonhos em papel colunado

com emoções preenchi um dos lados

o outro resta branco com reminiscências

é o fundo do armário



as bolinhas brancas de naftalina

são as entrelinhas das ideias minhas

e o que não escrevi, já está escrito

num dia porvir, n´algum canto vivido



uma só coluna basta

para que flutuem as miragens

junto com as lavandas pendentes – lilases

esbanjando a alma calma

de quem faz poesia

para que balancem com o vento



depois de tantas elocubrações

em puro, em puríssimo devaneio

resta sempre uma coluna aberta

esperando as palavras certas

costuradas às emoções no meio




O poema Campo de lavandas é uma metáfora sobre o processo criativo do poeta, que compara a escrita de versos com o andar por um campo de flores aromáticas e coloridas. O poeta expressa seus sentimentos e pensamentos em uma coluna de papel, deixando a outra em branco para representar o que ainda não foi dito ou vivido. As bolinhas de naftalina são as entrelinhas, as ideias que não são explicitadas, mas que estão presentes na poesia. O poeta também fala das miragens, as imagens que surgem na sua mente e que se misturam com as lavandas, símbolo da calma e da beleza. O poeta reconhece que sua obra é fruto de um devaneio, de uma fantasia, mas que sempre há espaço para novas palavras e emoções. O poema é uma celebração da poesia como forma de expressão e de arte.




da (r) dos

Lançando dados

sobre o tabuleiro

são dardos que atiro

no alvo certeiro



Jogo o jogo

e pego em armas

se preciso for



Sempre foi assim

se não estou em guerra

estou nos jogos de azar

O poema da (r) dos é uma reflexão sobre a vida como um jogo de riscos e desafios, onde o poeta lança dados e dardos, buscando acertar seus objetivos. O poeta se mostra disposto a lutar e a se defender, se necessário, mas também reconhece que sua sorte depende do acaso. O poeta usa a repetição da letra R e do som /d/ para criar um efeito sonoro de força e determinação. O poema também sugere uma contradição entre a guerra e os jogos de azar, que podem ser vistos como formas de violência e de diversão, respectivamente. O poeta afirma que sempre viveu assim, entre a tensão e a aventura, sem saber o que o destino lhe reserva. O poema é uma expressão da coragem e da incerteza do poeta diante da vida.

O poema “Peles mortas” expressa a sensação de vazio e desilusão após o fim de um relacionamento amoroso. O autor usa a metáfora da poeira para representar os vestígios da união que se desfez com o vento, ou seja, com a força das circunstâncias. A poeira paira no apartamento, simbolizando a memória e a nostalgia que ainda persistem no ambiente. O autor também usa a palavra “inútil” para mostrar o quanto ele se sente frustrado e desesperançado com a mistura de suas peles mortas, que não gerou nada de positivo ou duradouro. O poema transmite uma atmosfera de tristeza, solidão e desapego.

O poema “Ofício mãe” é uma homenagem à maternidade e ao papel da mulher na sociedade. O autor usa várias imagens e metáforas para exaltar a força, a dedicação e a importância da mãe, que é vista como uma caçadora, uma guardiã, uma oficiala, uma soberana, uma credora, uma horta e uma aorta. O autor também mostra as dificuldades e os desafios que a mãe enfrenta no seu cotidiano, como o cansaço, o casamento, a cria, as costas costuradas, o colo ocupado, os sustentáculos, as articulações, os músculos, os tendões e as fibras do coração. O poema transmite uma atmosfera de admiração, gratidão e reconhecimento pelo ofício mãe, que é o responsável pela renovação, pelo futuro e pelo legado da humanidade.

O poema “Mulher-peixe” pode ser interpretado como uma metáfora da identidade e do conflito de uma mulher que se sente dividida entre dois mundos: o das águas e o do ar. Ela é uma sereia, uma figura mítica que representa a sedução, a beleza e a ambiguidade. Ela deseja respirar o ar, mas ao mesmo tempo teme perdê-lo. Ela se arrisca a sair das águas, mas se afoga na tentativa. Ela é um peixe fora d’água, uma expressão que significa alguém que não se adapta ou não se sente à vontade em um ambiente. O poema transmite uma atmosfera de angústia, solidão e incompreensão.

A obra fala de diversos assuntos como a escrita;. maternidade; luto ; sentimentos internos; resiliência; força; coragem; memórias; solidão e calmaria. Como toda poesia lúdica, estas, por sua vez, nos possibilitam uma gama de inúmeras interpretações que nos conectam com suas linhas como em uma onda interminável onde uma maré se alterna conforme o movimento das águas.

Uma obra atemporal.

A AUTORA

Maitê Lamesa é natural de Jaú/SP, e atualmente reside em São Paulo, capital. Formada em Direito (Universidade Estadual de Londrina) e mestra em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP), assumiu a escrita em 2022, quando a publicação tornou-se urgência face a face, face à fase de silêncios agudos: da maternidade, da pandemia e do campo, onde morou durante esse período. Integra o portal Fazia Poesia e o Coletivo Escreviventes. Este Escamas de Mil Peixes é um livro de poesia e, também, seu livro de estreia.

[RESENHA #952] Escamas de Mil peixes, de Maitê Lamesa





Escamas de Mil Peixes é cardume de poesias escritas entre 2009 e 2023, entroncamento de rios que correram apartados no tempo e no espaço, até serem transpassadas por uma lâmina que afia nos dentes a vontade de falar e que afina a voz de um peixe solitário. É dessa forma que Maitê dosa as diversas forças necessárias para o arremesso dos poemas, escamas que se propõem a refletir as incontáveis nuances da poesia: a coragem da escrita, subjetividades que se cruzam com a coletividade, amores, dissabores, o correr do tempo, a voz feminina e maternal, o mar e a morte. São poemas que se revelam nas margens inacessíveis, na superfície embriagante do oceano e, sobretudo, nas profundezas de um rio turvo, na pele de peixe. Não são paisagens paradisíacas que estão em jogo, mas as paisagens para além do alcance da vista: os vales escondidos, as fossas abissais, as cavernas de morcegos, locais onde se opera um sutil descolamento a partir do encontro entre essa paisagem (realidade) e o pensamento. É um convite à poesia como a outra margem do rio, das pessoas, da vida e que, assim como ele, segue inventando caminhos possíveis por onde correr.

RESENHA






Escamas de Mil peixes é o primeiro livro da autora jauense Maitê Lamesa. A obra, descrita pela autora como um cardume de poesias é um convite à experimentação. Aqui, Lamesa, reúne textos de diferentes épocas de sua vida, em um forte movimento de coragem [metaforicamente acionada como o salto de um peixe nas águas de um rio]. A obra é uma miscelânea simbólica orientada por eixos poéticos que descrevem suas nuances entre metáforas em relação aos peixes e o movimento das águas que narram a vida como poemas que vão contra a maré, como correntezas que seguem um fluxo inconstante, como felicidade, luto, maternidade, crescimento, dor e mememórias.

A obra é dividida em sete capítulos: Os poros por onde nascem as escamas; pele de peixe; nadando contra a correnteza; um peixe de água salgada; descamado; desova; lambaris e um rio marrom onde moram os peixes. A voz do peixe usada pela autora é uma forma de trazer a tona em sua obra uma voz marginalizada e sufocada, quanto para descrever a coragem de descer o rio em uma jornada.

Nas palavras de Tatiana Lazzarotto, escritora e jornalista: O livro é dividido em muitas partes – muitas escamas – e há muitas mulheres em suas páginas. Uma que lava a louça, outra que observa a chuva. Ou uma mulher-estátua, que testemunha o esquecimento. Mas em “Desova”, quem canta é a indelegável mãe e todas as nuances de suas três letras, e é à Teresa que este livro é dedicado. Testemunhemos a poesia de Maitê como a multiplicação dessas mulheres-cardume, por meio de suas imagens-milagres. Uma poeta que nasce assim é um acontecimento.


Confira alguns trechos do poema da autora:


Campo de lavandas

é como andar por um campo de lavandas

escrever estas linhas recuadas

frutos de um pensamento único

uma sensação inacabada



recorte de sonhos em papel colunado

com emoções preenchi um dos lados

o outro resta branco com reminiscências

é o fundo do armário



as bolinhas brancas de naftalina

são as entrelinhas das ideias minhas

e o que não escrevi, já está escrito

num dia porvir, n´algum canto vivido



uma só coluna basta

para que flutuem as miragens

junto com as lavandas pendentes – lilases

esbanjando a alma calma

de quem faz poesia

para que balancem com o vento



depois de tantas elocubrações

em puro, em puríssimo devaneio

resta sempre uma coluna aberta

esperando as palavras certas

costuradas às emoções no meio




O poema Campo de lavandas é uma metáfora sobre o processo criativo do poeta, que compara a escrita de versos com o andar por um campo de flores aromáticas e coloridas. O poeta expressa seus sentimentos e pensamentos em uma coluna de papel, deixando a outra em branco para representar o que ainda não foi dito ou vivido. As bolinhas de naftalina são as entrelinhas, as ideias que não são explicitadas, mas que estão presentes na poesia. O poeta também fala das miragens, as imagens que surgem na sua mente e que se misturam com as lavandas, símbolo da calma e da beleza. O poeta reconhece que sua obra é fruto de um devaneio, de uma fantasia, mas que sempre há espaço para novas palavras e emoções. O poema é uma celebração da poesia como forma de expressão e de arte.




da (r) dos

Lançando dados

sobre o tabuleiro

são dardos que atiro

no alvo certeiro



Jogo o jogo

e pego em armas

se preciso for



Sempre foi assim

se não estou em guerra

estou nos jogos de azar

O poema da (r) dos é uma reflexão sobre a vida como um jogo de riscos e desafios, onde o poeta lança dados e dardos, buscando acertar seus objetivos. O poeta se mostra disposto a lutar e a se defender, se necessário, mas também reconhece que sua sorte depende do acaso. O poeta usa a repetição da letra R e do som /d/ para criar um efeito sonoro de força e determinação. O poema também sugere uma contradição entre a guerra e os jogos de azar, que podem ser vistos como formas de violência e de diversão, respectivamente. O poeta afirma que sempre viveu assim, entre a tensão e a aventura, sem saber o que o destino lhe reserva. O poema é uma expressão da coragem e da incerteza do poeta diante da vida.

O poema “Peles mortas” expressa a sensação de vazio e desilusão após o fim de um relacionamento amoroso. O autor usa a metáfora da poeira para representar os vestígios da união que se desfez com o vento, ou seja, com a força das circunstâncias. A poeira paira no apartamento, simbolizando a memória e a nostalgia que ainda persistem no ambiente. O autor também usa a palavra “inútil” para mostrar o quanto ele se sente frustrado e desesperançado com a mistura de suas peles mortas, que não gerou nada de positivo ou duradouro. O poema transmite uma atmosfera de tristeza, solidão e desapego.

O poema “Ofício mãe” é uma homenagem à maternidade e ao papel da mulher na sociedade. O autor usa várias imagens e metáforas para exaltar a força, a dedicação e a importância da mãe, que é vista como uma caçadora, uma guardiã, uma oficiala, uma soberana, uma credora, uma horta e uma aorta. O autor também mostra as dificuldades e os desafios que a mãe enfrenta no seu cotidiano, como o cansaço, o casamento, a cria, as costas costuradas, o colo ocupado, os sustentáculos, as articulações, os músculos, os tendões e as fibras do coração. O poema transmite uma atmosfera de admiração, gratidão e reconhecimento pelo ofício mãe, que é o responsável pela renovação, pelo futuro e pelo legado da humanidade.

O poema “Mulher-peixe” pode ser interpretado como uma metáfora da identidade e do conflito de uma mulher que se sente dividida entre dois mundos: o das águas e o do ar. Ela é uma sereia, uma figura mítica que representa a sedução, a beleza e a ambiguidade. Ela deseja respirar o ar, mas ao mesmo tempo teme perdê-lo. Ela se arrisca a sair das águas, mas se afoga na tentativa. Ela é um peixe fora d’água, uma expressão que significa alguém que não se adapta ou não se sente à vontade em um ambiente. O poema transmite uma atmosfera de angústia, solidão e incompreensão.

A obra fala de diversos assuntos como a escrita;. maternidade; luto ; sentimentos internos; resiliência; força; coragem; memórias; solidão e calmaria. Como toda poesia lúdica, estas, por sua vez, nos possibilitam uma gama de inúmeras interpretações que nos conectam com suas linhas como em uma onda interminável onde uma maré se alterna conforme o movimento das águas.

Uma obra atemporal.

A AUTORA

Maitê Lamesa é natural de Jaú/SP, e atualmente reside em São Paulo, capital. Formada em Direito (Universidade Estadual de Londrina) e mestra em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP), assumiu a escrita em 2022, quando a publicação tornou-se urgência face a face, face à fase de silêncios agudos: da maternidade, da pandemia e do campo, onde morou durante esse período. Integra o portal Fazia Poesia e o Coletivo Escreviventes. Este Escamas de Mil Peixes é um livro de poesia e, também, seu livro de estreia.

[RESENHA #678] Fumo, de Juliano Costa

APRESENTAÇÃO

Fumo é o diário de alguém que tenta parar de fumar, mas acaba gostando tanto de escrever sobre cigarro que passa a questionar sua decisão. Ao longo das páginas e dos dias, a dúvida que surge é: escrever para parar de fumar ou fumar para continuar escrevendo?

RESENHA

Fumo, de Juliano Costa, é um emaranhado poético descritivo acerca do uso do cigarro. Assim como aconteceria com qualquer outro, aconteceu com o autor. O livro é parte da iniciativa do em parar de fumar enquanto registrava seu progresso em um diário, porém, ao iniciar seu processo, o autor interessou-se demasiadamente pela força da escrita, do que pelo dito exercício do cessar do cigarro, o que ocasionou em reflexões acerca da real necessidade de se parar. Assim surgiu este livro. O autor narra em diversas histórias uma série de acontecimentos que se casam com o uso do cigarro, suas nuances transitam entre amizade, trabalho e cotidiano e são carregadas de um sentimentalismo extremamente forte e exagerado acerca da vida, o que torna a leitura muito mais palpável e interessante do que se espera, e isso é uma poderosa armadilha para nos fazer cativar por sua escrita.

Publicado pela editora Patuá, a obra possui uma característica única que é parte crucial da narrativa: ela é crua. Já no primeiro conto, intitulado não me abandone jamais, o autor faz alusão do corpo a um barco de luxo. Assim como em um barco, onde as tarefas são cautelosamente distribuídas, e cada qual ultrapassa seus limites cientes das consequências, assim é o vício com o cigarro. O autor conta que sua jornada em busca de por fim ao vício durou 28 dias, e que agora, seria para valer. Suas metáforas acasalam-se perfeitamente com a noção de poder que o cigarro tem sob a vida e visão das pessoas em suas participações sociais.

Já o sexto conto consta com uma forte referência ao filme Harry Potter (a pedra filosofal), o autor descreve em detalhes as primeiras cenas, onde, o professor Dumbledore com sua varinha (aqui, isqueiro) suga na primeira cena todas as luzes dos postes, enquanto se aproxima dele uma senhora que logo se transforma de um gato para sua real figura (Sra. Mcgonagall), seguido do surgimento de uma moto que aterriza sob o asfalto (Hagrid). Seguindo:

[...] Dessa vez, minha mãe interceptou a correspondência e deu fim nela. No dia seguinte, dezenas de corujas pairavam sobre a minha casa, jogando os envelopes por toda a construção. [...] a partir desse momento tudo fez sentido e eu soube o que sempre fui aquilo o que me tornara: um fumante.

No dia 11, o autor descreve o retorno para casa de uma peça de teatro de Mel Lisboa, o autor descreve que, em um ponto de ônibus, encontrou-se com uma mulher que tirou do bolso um maço de malboro vermelho e o colocou na boca para fumar despreocupadamente pensando em absolutamente nada, com a mente vaga. Aquela cena faz o autor pensar em como sua vida estava triste e vazia, comparando aquele momento com um buraco na minha alma (p. 52).

O livro segue uma linha tênue de descrições cotidianas, sempre intercalando sua luta com o cigarro e as reflexões do autor, algo extremamente inusitado em termos de literatura, ainda que o tópico não seja novo, podemos notar que há sempre algo de inovador em cada linha, o autor transfere uma carga reflexiva e emocional forte para suas histórias breves, que poderiam, sem nenhuma dúvida, render cada uma um livro único. A atmosfera criada pelo autor é altamente penetrante e única, o que torna a leitura cada vez mais prazerosa e enriquecedora.

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