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[RESENHA #624] Surfista Carioca, de Éric Rebière



APRESENTAÇÃO 

Um jovem carioca se lança no sonho de viver do surfe neste que é o livro de estreia de Éric Rebière, atleta acostumado a desafiar ondas gigantes. Além das aventuras no mar, a obra contextualiza a rotina de uma família no subúrbio carioca, na década de 1990. A história retrata a adolescência e juventude do protagonista, Gabriel, e suas disputas contínuas com o irmão, Alexandre, sob a educação ora amorosa, ora severa do pai. Também são narradas suas primeiras experiências amorosas, as saídas à noite, em que frequentava os bailes funks da região, e a vivência no bairro, marcada por regras de convívio impostas pela violência. A obra expõe o contraste entre a periferia e a Zona Sul, o que é observado pelo jovem durante suas incursões para as disputas em categoria de base. Em sua jornada, Gabriel descobre um novo mundo no meio do esporte e é convidado para um desafio de arrepiar: uma viagem ao Peru, repleta de lições, encrencas e ondas gigantes. 

Éric Rebière é um surfista profissional franco-brasileiro. Nascido e criado em Arraial do Cabo, mudou-se em 1998 para a Europa e, atualmente, vive entre Anglet, na França, e La Coruña, na Espanha. Faz parte da elite mundial de surfistas de ondas gigantes, o Nazaré Tow Challenge, único evento dessa modalidade organizado pela World Surf League. Éric é o único participante que também fez parte do World Championship Tour, no qual apenas os 32 melhores surfistas do mundo competem. Acumula dezenas de vitórias em circuitos amadores no estado do Rio de Janeiro. Foi três vezes campeão na Europa, duas vezes profissional e uma em circuito amador. É conhecido em Nazaré por ser um “mestre” em pilotagem de jet ski, tendo colocado Maya Gabeira na onda que lhe rendeu seu primeiro recorde Guiness. Além disso, é faixa preta de jiu-jítsu e empresário. Organiza dois eventos internacionais de ondas grandes na Galícia: o Illa Pancha Challenge e o Coruña Big Waves. Leitor voraz, inspira-se nas experiências de um grupo de amigos surfistas para escrever.

RESENHA

A obra de Éric fala sobre um jovem carioca que parte em uma jornada repleta de desafios em busca do seu sonho de se tornar um surfista profissional. Essa história incrível é contada por Éric Rebière, um atleta renomado por enfrentar corajosamente ondas gigantes. Além das empolgantes aventuras no mar, o livro também mergulha na realidade cotidiana de uma família que vive no subúrbio carioca durante a década de 1990. Através dos olhos do protagonista, Gabriel, testemunhamos sua adolescência e juventude, repletas de rivalidades constantes com seu irmão Alexandre. A educação que recebem do pai oscila entre o amor e a severidade, moldando suas personalidades e influenciando suas escolhas. A narrativa também explora as primeiras experiências amorosas de Gabriel, suas animadas saídas noturnas para os famosos bailes funks da região e a vivência no bairro, onde as regras de convivência são ditadas pela violência que permeia a área. Essas experiências contrastam fortemente com a realidade da Zona Sul, e o jovem protagonista observa essa disparidade durante suas incursões em competições de base.

Em sua jornada rumo ao sucesso no surfe, Gabriel descobre um novo mundo no meio desse esporte apaixonante. E, como se não bastasse, ele recebe um convite que lhe proporcionará uma experiência arrebatadora: uma viagem ao Peru, onde enfrentará ondas gigantes e aprenderá lições valiosas, ao mesmo tempo, em que se envolve em situações complicadas. O livro aborda a formação de Gabriel no subúrbio, bem como sua crescente paixão pelo surfe, o sonho de viver de competições, as rivalidades com outros competidores, as paixões à flor da pele, o anseio por mais uma onda, os problemas advindos com a inveja de outros competidores, o primeiro amor, dentre outras descrições acerca da vida do protagonista. A obra se consolida como um vento de frescor em meio ao calor, a escrita de Éric narra não apenas uma história de um surfista, mas também todo seu empenho em viver seu sonho e todos os flashs de felicidade que o tomavam pela expectativa de viver de seu sonho. Uma obra deliciosamente refrescante para os leitores aficionados por um ar puro em meio ao caos das metrópoles. 


Análise de Livro
Capa do Livro

Avliação geral

Surfista Carioca é um livro de contos ficítios que poderia facilmente falar sobre a vida de um garoto carioca qualquer. O autor transmite em seu seio uma série de descrições poéticas sobre as praias, ondas e sobre a ansiedade por mais uma onda. Gabriel é resiliente, forte e sonhador, sua busca é implacável, assim como seus desejos. O trabalho gráfico elaborado pela Sophia Editora torna o livro ainda mais mágico, nota-se que houve um cuidado com toda diagramação e com a finalização da obra. Certamente, esta obra é uma onda de frescor nos tempos calorosos que enfrentamos.

Comentários

[RESENHA #585] O primeiro indígena universitário do Brasil, de Luiz Guilherme Scaldaferri Moreira e Marcelo Sant'Ana Lemos


APRESENTAÇÃO

José Peixoto Ypiranga dos Guaranys viveu entre os anos de 1824 e 1873 e foi o primeiro bacharel indígena formado na Faculdade de Direito de São Paulo. Sua história e luta pelo direito de acesso ao ensino superior, que se inicia no Rio de Janeiro oitocentista, na outrora aldeia de São Pedro, numa Cabo Frio do século XIX, ressoa ainda na sociedade de hoje, quando o Brasil chega à celebração do bicentenário de sua independência de Portugal.

É o que mostram os historiadores Luiz Guilherme Scaldaferri Moreira e Marcelo Sant'Ana Lemos, que resgatam neste livro a instigante e complexa trajetória desse personagem.

Ypiranga dos Guaranys atuou como advogado, foi vereador e ocupou importantes cargos públicos em Cabo Frio e Macaé. Em São Paulo, foi colega de classe do escritor José de Alencar. Destacou-se por sua participação nos debates políticos, ideológicos e literários sobre os povos indígenas.

Esta é sem dúvida uma publicação de relevância para nossa historiografia, como destacam Maria Regina Celestino de Almeida e José R. Bessa Freire em seus textos introdutórios. A obra tem, entre outros, o mérito de mostrar a importância de se considerar a presença e participação indígena nos processos intrínsecos que ajudaram a construir o Estado e a identidade do povo brasileiro.

RESENHA


Moreira, Luiz Guilherme Scadaferri: O primeiro indígena universitário do Brasil: Dr. José Peixoto Ypiranga dos Guaranys (1824-1873) // Luiz Guilherme Scaldaferri Moreira, Marcelo Sant'Ana Lemos. -- 1ed. -- Cabo Frio, RJ: Sophia Editora, 2022.

A obra o primeiro indígena universitário do Brasil, de Luiz Guilherme Scaldaferri e  Marcelo Sant'Ana Lemos é um relato histórico acerca vida e formação do primeiro indígena brasileiro a se formar na faculdade de Direito de São Paulo, em 1850, onde ingressou em 1846. A obra foi editada pela Sophia editora e consta com um trabalho gráfico editorial impecável, que torna a leitura ainda mais histórica, imponente e forte em seu propósito.

A obra se inicia com uma descrição breve do império ao qual o Brasil era comandado no ano entre 1840 e 1849, durante o reinado de D. Pedro II, que desenvolveu uma tarefa árdua de se  civilizar os povos não categorizados como civilizados ou hostis, uma tarefa complexa, mas ao qual acreditavam ser possível.

Ao longo do curso, reafirmou a sua identidade de indígena, ao mudar de nome para José Peixoto Ypiranga dos Guaranys. Após se formar, o “índio, cristão, ci-vilizado”, súdito e, agora, bacharel em direito se apresentava a serviço do impe-rador/Estado, o que lhe permitiu manter a família na elite política, econômica e social do Império. [Trecho do artigo O primeiro indígena universitário do Brasil]

A história de Ypiranga dos Guaranys é uma forma de desmontar a história do Brasil durante o processo e percurso de construção social da independência do Brasil, fomentando ainda mais a participação histórica do povo indígena durante todo este processo, com suas contribuições para a democracia, bem como para o desenvolvimento da pluralidade de povos e oportunidades que se sucederam a partir dai, uma vez que o mesmo encontrou durante o período de formação acadêmica alguns pontos que somaram de forma significativa em sua vida social e construção política, como, o bacharel e as constantes apresentações como representante do império, o que manteve sua família na elite, dentre outros feitos.

A colonização era uma forma de trazer os indígenas para a civilização, de acordo com um texto de Januário da Cunha Barbosa, esse feito se daria por meio do contato frequente dos povos com os homens brancos, como uma forma de miscigenar o povo em uma política constante de branqueamento, porém, os indígenas eram dotados de uma riqueza particular de vida, o que dificultava o trabalho de civiliza-los de forma satisfatória, ainda que o recurso buscasse uma miscigenação [mistura de raças], o processo encontrou alguns percalços. Os índios considerados uma raça inferior ameaçavam, segundo eles, o processo civilizatório e econômico do país, desta forma, foi-se necessário iniciar uma tática que permitisse uma integração deste povo de forma pacífica ou violenta. 



Detalhes da diagramação da obra 

Pouco se conhecia acerca dos índios e seu modo de vida, desta forma, era necessário traçar uma nova perspectiva que permitisse um estudo mais abrangente acerca das táticas tomadas para o processo civilizatório deste povo.

Desta forma através das linha de acontecimentos temporais:

[...] O ensino secundário acabou por ser influenciado pelo viés humanístico do ensino superior, sobretudo o do curso de direito, que era o mais procurado. No geral, ficou quase que restrito à iniciativa privada e, portanto, grande parte da população, sobretudo, das camadas mais baixas, estava excluída de qualquer instrução escolar (Ferreira Jr. 2010, p.33 e Romelli, 1986, p.39). (p.70) [grifos meus]

Desta forma, aprendeu alguns princípios gramaticais, geometria e o contato com o desenvolvimento da moral cristã que estava em voga, bem como a ideologia oficial do estado, o que o levou para São Paulo para o ingresso no curso de direito (p.75).

Aos 22 anos, Ypiranga dos Guaranys, matriculou-se na Faculdade de Direito. Durante os estudos, ele se envolveu ativamente no mundo acadêmico, onde se debatiam direito, política e literatura. O principal objetivo desse ambiente era fornecer uma educação clássica, voltada para a formação de bacharéis destinados a ocupar cargos políticos (p.74). Além das matérias específicas da área jurídica, o curso de Direito, assim como outros cursos superiores, também oferecia uma formação humanista, englobando disciplinas como filosofia e retórica. A maioria dos estudantes era composta pela elite da aristocracia agrária, que buscava garantir títulos de "doutores" em Direito para seus filhos.

Além do controle ideológico exercido pelo Estado sobre o curso, que envolvia o currículo, os programas das disciplinas e os livros adotados, havia ainda a presença de outra estrutura conhecida como padroado. Essa estrutura se manifestava na disciplina de "direito público eclesiástico", que abordava a institucionalização do cristianismo romano como religião oficial do Estado.

Em 1854, pediu a seu pai [Joaquim Rodrigues Peixoto] que solicitasse o ressarcimento dos gastos que teve com ele durante sua formação, o que foi o estopim para que se começassem os debates acerca da importância da formação acadêmica dos indígenas.

Todavia, podemos perceber como Joaquim Rodrigues Peixoto apresentava a sua família como 'civilizada', por meio da 'boa educação', e que tinha o dever de 'tutelar' os indígenas 'pobres', 'viciosos' e 'degradados', da antiga aldeia colonial de São Pedro rumo a 'civilização'. (p. 99)

Os dois pedidos mostram como os indígenas, de forma isolada / familiar (1854) ou como aldeados (1872), traçaram estratégias para obter ganhos. Para isso, precisavam ter amplo conhecimento da burocracia e finanças do Estado, uma vez que, dependiam de respostas dos mais alto níveis de administração imperial, provincial e municipal e do uso de recursos que estavam à sua volta - foros pagos à conservatória dos índios - para o pagamento das mensalidades dos cursos superiores, que eram todos particulares no Brasil Império (p. 99).

A obra também analisa toda árvore genealógica de Ypiranga dos Guaranys, desde seu pai à seus avós, bem como todos os proventos por ele herdado e todas as conquistas no meio jurídico e social, levando em consideração sua forte influência para enfatizar e levar ao foco público a importância do ingresso em cursos de nível superior aos indígenas. Os autores preocuparam-se em estabelecer uma linha cautelosa de acontecimentos que marcam todo o processo do contato e encontro entre os indígenas locais e o ideal da educação comum para todos.

O que podemos observar é que está obra é simplesmente histórica e necessária, que precisa ser lida por todos, para conhecimento e entendimento acerca do percursos adotados no meio acadêmico brasileiro dentro das fontes históricas, bem como o desenvolvimento de uma sociedade mais miscigenada, mista e única em propósitos civilizatórios arraigados à educação e na iniciativa de um povo por meio do processo de perfomance em prol do bem comum social coletivo.

Análise de Livro
Capa do Livro

Avliação geral

O primeiro indígena universitário do Brasil é um estudo apaixonante. A obra escrita por Scaldaferri e Sant'Ana Lemos é, certamente, uma das obras mais complexas acerca da vida e existência de Ypiranga dos Guaranys. O autor preocupou-se em estabelecer uma linha cronológica que possibilitasse ao leitor conhecer todos os caminhos da importância da história da persona, tornando a obra rica em detalhes e documentos históricos. Uma obra para usar como referência para futuras biografias pelo mundo, um zelo notável.

Comentários

[RESENHA #584] Cabistezas, causos do arraial, de Meri Damaceno



APRESENTAÇÃO

"Cabistezas — causos do Arraial” é obra de referência quando se pensa em resgate da memória de Arraial do Cabo. Sua primeira edição, publicada após 20 anos, nasceu de cuidadosa pesquisa empreendida pela memorialista Meri Damaceno, que passou meses à procura das histórias, lendas, personagens, linguajar típico e particularidades presentes no imaginário coletivo da cidade, outrora pequena vila de pescadores da Região dos Lagos e emancipada de Cabo Frio desde 1985. Agora o livro ganha novas cores, formas e traçados nesta reedição assinada pela Sophia, dentro da linha editorial "História, memória e patrimônio". Se constam nele registros sempre temperados com bom humor sobre bruxas, lobisomens e procissões fantasmagóricas — além de histórias sobre figuras impagáveis como Come-brasas, Fernandinho, Bôco, Bau e Tái, entre muitos outros —, é porque, parafraseando o personagem Chicó, de Ariano Suassuna, “só se sabe que foi assim”. “Cabistezas”, mais que livro, é um documento, certidão de nascimento, registro de identidade — um álbum de família de uma cidade inteira. 

Conta o pesquisador Leandro Miranda, no prefácio: "Quando li o 'Cabistezas' pela primeira vez, fiquei fascinado ao encontrar histórias e causos sobre o Cabo antigo, que vinham se perdendo ao longo do tempo. Eles foram resgatados com maestria por Meri, em um trabalho fantástico de pesquisa e entrevistas com os antigos cabistas. É importante lembrar que suas buscas foram feitas em uma época em que não havia as facilidades da internet, o que valoriza ainda mais  seu trabalho de memorialista. Ela saía com seu gravador de fita K7 atrás de rendeiras, pescadores e figuras históricas do nosso Arraial, sempre atrás de um bom causo. Assim foi construindo 'Cabistezas', como uma rendeira hábil e paciente vai trançando seus bilros."


RESENHA

Cabistezas é um livro de contos e memórias de causos da cidade de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, escrito pela escritora e memorialista local Meri Damaceno, o livro foi publicado através da editora Sophia em uma reedição primorosa com novas cores, design e diagramação que separam de forma majestosa a divisão dos fatos, sendo eles:

1. Povo Cabista e suas histórias famosas;

2. Depoimentos;

3. Escreveram sobre o Arraial;

4. Curiosidades Cabistas;

5. Poesias e canções Cabistas;

6. Onde há redes há rendas;


Arraial do cabo é conhecida pelo Brasil todo por suas histórias, lendas locais, além da beleza exuberante de sua cidade. Nesta obra, Meri debruça-se à narrar os mais variados fatos e histórias que percorrem os anos da cidade, todos repletos de muita mitologia local e/o acontecimentos reais que marcaram e marcam os locais e os visitantes que buscam desbravar suas terras.

O livro se inicia com a história conhecida de um morador local chamado Quinca Félix, mais conhecido como Tenente come-brasa, tropeiro local encarregado de levar peixe salgado para as cidades da região. Em dado momento, tenente come brasa, embriagou-se e decidiu se passar por outra pessoa, enviando um telegrama à sua família narrando sua própria morte (que coisa, não?), porém, seus burrinhos acabaram levando seu corpo novamente para porta de sua casa. Esse causou ficou tão conhecido que tornou-se um poema local:

E todos prestem atenção na morte de come brasa, quando veio o telegrama direto para a sua casa, a prantinha foi tão grande, o povo não perdeu vaza, as mulheres rezando pela alma de come brasa [...] (p.36).

Todas as histórias, ou quase todas, são carregadas de simbolismo e humor, a grande maioria narra acontecimentos verídicos locais, como a história o peru de Félix (p.89). Félix era recém chegado na cidade, como não dominava a arte da pesca, Félix decidiu abrir um comércio, onde a grande maioria de seus compradores, comprava apenas fiado. As dividas eram contabilizadas utilizando grãos de milho em uma garrafa de vidro, para que assim, pudesse controlar os haveres à serem cobrados da população devedora. Certa vez, reuniu três vidros de milho e foi cobrar de um de seus maiores devedores, Jejo, que acabou por aniquilar sua dívida, quando decidiu jogar todo o milho para as galinhas, para assim, não realizar o pagamento de suas dívidas.

Félix ficou conhecido por ter levado este calote, e de alguns gringos que apareceram prometendo pagar grande quantia, porém, ao levarem o peru, o pagamento ficou pendente, e ele nunca mais viu os gringos, nem mesmo o peru.

Algumas histórias fazem parte da constituição geral da cidade, ficando marcadas pelos mais variados motivos, como por exemplo, a história do alfaiate (p.100), que era um senhor chamado Amaro, que tinha uma alfaiataria, porém, jamais conseguira vender uma peça sequer, o que lhe causou grande raiva, fazendo-o se livrar de todos seus manequins, jogando-os no mar. Alguns pescadores encontraram as nuances dos manequins no mar e pensaram ser grandes peixes. A notícia se espalhou rapidamente, causando grande alvoroço entre os pescadores que saíram em busca dos tais peixes, que jamais foram encontrados, apenas os manequins. A história não conta, mas possivelmente, devem ter causado grandes momentos cômicos locais.

A obra também desdobra-se em descrever lendas locais, algumas, extremamente chocantes que mal podemos imaginar acontecendo de forma real e palpável, como ocorre com a lenda o bicho-mamãe (p106), que narra um episódio de um filho que decidiu amarrar sua égua horas antes de ir para um baile, porém, ao notar a sede do animal, a mãe decidiu soltar o bicho, que desapareceu, causando grande raiva no filho, que decidiu usar sua mãe como égua para chegar até a festa, usando esporas em sua mãe montando em suas costas. A mãe, obviamente, faleceu com o ocorrido e amaldiçoou o filho, que como resultado, torna-se diariamente, sem descanso, um animal à correr pelas noites sem descanso, ora cachorro, ora cabra, ora qualquer coisa do tipo.

Há de se mencionar também a lenda dos porcos fantasmas (p.117), onde o povo conta que Walter, um homem que voltava à cavalo pela praia, deparou-se com porcos correndo ao seu encontro, sem conseguir correr muito, decidiu jogar uma faca ao chão, e os porcos desapareceram na hora, ele então desmaiou e acabou sendo encontrado no dia seguinte por pescadores locais.

O livro de Meri Damaceno é uma daquelas obras que figura-se como indispensável para compreensão da história local, daqueles dignos de se tornarem essenciais e indispensáveis como um monumento à se ser preservado. O livro é carregado de bom humor e histórias intrigantes acerca de histórias contadas por moradores locais, todas bastante difundidas e cercada de mistérios. A reedição da editora Sophia enalteceu esta obra ainda mais rica em detalhes e descrições. Um livro para se ler em uma única sentada.

[RESENHA #528] Odisseia erótica, de Bento Verboto


Bento Verboto é o pseudônimo da autora Umbra.


A odisseia é caraterizado por uma viagem marcada por eventos imprevisíveis, e na voz e definição do autor, ela é a chance que temos de nos reinventar em meio à mudança. Esta obra é um emaranhado poético que caracteriza e elucida em suas páginas sentimentos que afloram em meio ao encontro e desencontro de almas, do sexo e da falta dele, do desejo e do sentimento tudo por meio do desejo e de uma narrativa que provoca-nos diferentes sensações, pois ela nos aborda em diferentes óticas e perspectivas dos encontros e dos amantes que conquistamos ao longo da nossa vida.

Das características da obra, duas delas merecem destaque: os poemas possuem link de músicas que complementam a leitura, o que torna tudo mais pessoal e garante uma experiência única, trazendo a tona os sentimentos que, certamente, ocasionaram na escrita desta obra. Outro ponto interessante é a possibilidade de ler o livro de trás para frente, como em uma joga de vira-vira, ou seja, é possível abrir o livro por ambas as capas e realizar a leitura, uma vez que ambas contemplam uma série de poéticas.

O livro, como revelou o autor em nota, é sobre as dores insuportáveis e suportáveis sofridas por grandes amores e por ilusões amorosas, todas marcantes.

Ele

era sobre ele

a falta dele

o medo dele

A música que toca 

E eu fujo

Dele

de tudo o que envolva

Ele

(p.226)


Algo interessante de se observar é que à depender da parte lida do livro (capa frente-verso) os sentimentos se diversificam, a impressão que temos é que de um lado somos apresentados à uma mistura de sentimentos em meio à paixão, já do outro, somos contemplados com a visão amadurecida do processo do amor, repleto de reflexões que trazem a tona uma série de encontros com o passado e as pazes com o presente. Uma tática magistral.


Das terras que cruzei

Em poucas já botei

O pé

E habitei de verdade

somente em mim

(p.163)


Fala-nos sobre lembranças:


Eu estive me observando nos espelhos das ruas

Nos reflexos da cidade

Agora estou escondido no seu quarto, pelos meus textos que você guardou.

Queime minhas cartas como o sol queimou minha pele

Você me machucou de qualquer maneira.

Era uma questão de tempo para que alguém se ferisse.

Me observo, mas não sei se te vejo.

sou eu mesmo?

(p.126 em incorporando afetos)


...de saudade


Ainda tenho a sensação 

de sua boca mordendo o meu pescoço

e todos os jogos que você gosta

mãos em torno do meu corpo

senti que estava sozinho de novo

coloquei você num altar:

criei fantasias e fetiches de amor

(p.113 em meu corpo)


...do despertar


O amor não surge, e a gente culpa

nossos corpos de não terem química,

quando toda essa nossa biologia era só na teoria.

(p.100 em a noite na minha cabeça)


Bento Verboto é profundo em todas as suas nuances, sua escrita nos rasga de dentro para fora em distintas regiões, seus escritos penetram a carne e o íntimo do leitor, parte em direções opostas e múltiplas e nos convida à viver e vivenciar sua dor, seu gozo, suas paixões e sua evolução.

Um livro feito para quem ama poesia e reflexões profundas sobre amores e desilusões.

[RESENHA #527] Flow por grafia, de Taz Mureb

Flow por grafia não tem definição, não tem forma, é um livro livre que não se encaixa em um padrão normativo de publicação, mas se diferencia de tudo e todos em poética e sinestesia. Taz Mureb, trouxe em suas páginas um misto de tudo o que acredita e luta em vida em suas músicas. Artista do rap, a escrita da autora caracteriza-se por ser multifacetada, há aqui, ausência de forma predominante, mas mistura-se entre todas suas escritas um misto de poesias, poemas, cartas, confissões e músicas, tudo poeticamente alinhado à uma diagramação repleta de ilustrações que casam-se em passos lentos ao propósito da narrativa: mostrar quem é Taz Mureb.

Flow por grafia é uma obra que fala por si só, suas páginas, repleta de poesias e poemas de parachoque de caminhão, caminham-se e se somam com uma diagramação que transmite a mensagem de imposição e imponência, há aqui força e bravura. Páginas com destaque em vermelho, poesias e poemas que transitam entre um capítulo e outro e um emaranhado poético construído dentre os inúmeros gêneros que conversam entre si na construção de uma unidade de sentido ampla e única.

Sua obra nos convida a pensar sobre a vida, realizações, sonhos e acaso. A cada página uma nova reflexão, um novo questionamento e uma nova posição. Você estaria pronto para enfrentar de frente as verdades que a vida impõe ou você só caminha e espera que a vida lhe explique?


A vida sabe melhor do que nós mesmos o que é melhor para nós

A questão é: você aceita os caminhos da vida?

ou vive na ilusão de achar que tem

controle e atrapalha todos os planos?

[...])(p.18)


dinheiro move o mundo, mas não se mova só por dinheiro (p.41)


e algumas provocações doem na alma:


Certos tipos de

Felicidade são muitos específicos.

Tem gente que só vai ser feliz

depois que morrer [...](p.53)


e outros nos convidam à entender que somos dotados de limitações:

Sou apenas a metade de um todo

Uma parte de algo em constante evolução

Assim consigo ser algo mutável movimento

Que se transforma por e para você

Sendo a metade consigo ser inteiramente aquilo que quis ou sonho de tudo o que deveria ser

[...](p.107, em apenas metade)


e outras nos fazem refletir sobre nossa condição:


O valor da vida não pode ser

sentido individualmente.

Nós somos apenas peças do jogo

A gente só entende

a parte que participamos.

Não sabemos qual é o fim da partida

O verdadeiro valor da vida

só se entende coletivamente

[...](p.135 em colombina de maio)


Taz consegue transmitir muito mais que apenas uma escrita, ela transmite sentimento e vida em suas letras e palavras. Seu dom transmite reflexão e afrontamento de ideias que nos fazem pensar sobre nossa vida, limitações e sobre nós mesmos e nossa conduta. Uma obra poética repleta de vida.

Um livro que fala por si, indicado para todo bom leitor, filósofo ou para amantes de uma poesia pungente e reflexiva.

[RESENHA#526] Agridoce, de Andréa Rezende


Falar de poesia sempre evoca um sentimento de responsabilidade maior do que de outros livros, isso ocorre pois a subjetividade habita nas entrelinhas do sentimento. A poesia é, costumo dizer, a leitura da alma, ou seja, a real interpretação da obra nos é revelada no momento em que nosso caminho se cruza com os desdobramentos da verdades impostas em suas linhas. 

Agridoce é como chamamos a mistura que ocorre entre o doce e o salgado ou entre o ácido e o doce. O titulo não poderia ser melhor. A obra transmite um misto entre o doce dos desejos e o ácido da realidade, o salgado das lutas e o doce das conquistas. A autora, professora, traz em seus versos muito daquilo o que acredita e luta, e para tal, ela debruça-se em desvencilhar os sentimentos decorrentes de sua formação e carreira, trazendo para o leitor um misto de sentimentos que lhe são únicos, fazendo-nos caminhar por seus anseios e desejos de uma forma sublime.

Este emaranhado poético ao qual Andréa Rezende nos submete é um livro de frente de batalha, de militância, de relevância e importância. A autora nos apresenta uma construção poética que trava e batalha com a realidade. Suas linhas denunciam o crime impune, o amor não vivido, a sorte não semeada, o caminho não traçado e a impunidade tão praticada.

O primeiro poema, homônimo do livro, é uma descrição breve da poética desta artista, aqui, ela nos revela todo lado acri-doce de sua obra.

O que é doce em mim

Desliza, suporta discursos, 

Temas em curso ou desuso


Neste trecho observa-se que a autora caracteriza seus sentimentos como algo que desliza e se transforma em discursos, podemos inferir que que todo este emaranhado poético nasceu de uma necessidade pungente de expurgar todo sentimento enraizado em sua crenças, o que originou toda esta escrita militante. 

O poema a espera é uma alusão à espera que ocorre durante o processo de transformação do alunado por meio da experiência de ensino escolar e das metodologias de ensino, aqui, a autora usa de sua expertise para elaborar uma proposta de intervenção em favor da espera de um futuro melhor para o professor, para o aluno e para o ensino.

Porque sou professor

sou a paz, a espera, a possibilidade

Porque sou professor, 

sou a favor do amor

Do conhecimento, da verdade

[...]


seguindo com sua narrativa que milita e grita, a autora nos brinda com um poema/homenagem à  Marielle Franco.

Marielle da maré

tão jovem, tão densa

tão cheia de fé


Marielle da maré

tão forte, tão negra

tão genuinamente mulher 

[...]


Em CondeNAÇÃO, a autora traz um visceral poema acerca do julgo popular, do preconceito e da criminalização do pobre, do negro, do nordestino, do favelado, das minorias por meio de uma repulsa que é característica da nação, não como uma culpabilização, mas como o reconhecimento de que estas problemáticas sociais são enraizadas no sentido de estarem por todos os cantos e lados, mostrando assim, a necessidade de reconhecermos a importância destas pautas para diminuir o impacto de nossas ações sobre nossos semelhantes, não como diferentes por seus atributos, mas por sermos iguais em existência.

Condenem a nação

esqueçam todo o seu legado

todos os acertos e bravuras

todos os feitos e inclusão

seu crime foi maior

[...] grifos meus.


condem também o pobre

o negro, o nordestino

a mulher, as minorias

o oprimido, os esquecidos

[...] grifos meus


O momento é doce, seus desdobramentos salgados, a vida é doce, os acontecimentos, salgados. A educação é doce, a ignorância salgada, e é seguindo esses preceitos que a autora segue, ela caminha entre a linha tênue da verdade dos fatos e das dores dos acontecimentos, ela se desdobra por meio de gritos que podem - e certamente vão - ser ecoados pela eternidade e por todas as ruas e bairros à quem pretende alcançar. Este não é um livro de poesias (apenas) é uma obra que nos convida à olhar para dentro e depois para fora e analisar ao nosso redor. Andréa Rezende escreve como quem escreve com a alma, como quem delineia os sentimentos de insatisfação por meio da escrita, da poesia e das artes.

Um livro memorável para todo aluno, pai, negro, nordestino, e para quem deseja ler e encontrar em uma narrativa uma boa poesia, uma boa dose de vida e verdade.

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