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[RESENHA #723] Humilhados e ofendidos, de Dostoiévski

Publicado em 1861, após dez anos de exílio na Sibéria, Humilhados e ofendidos ocupa uma posição-chave na produção de Fiódor Dostoiévski. Por um lado, é sua obra mais ambiciosa até o momento, na qual revisita e leva ao limite as suas concepções de literatura e sua visão dos males da sociedade. Por outro, suas páginas abrem o caminho para uma forma de romance que vai ganhar corpo nos grandes livros de sua maturidade, e não por acaso o leitor encontra nesta obra conflitos e personagens que parecem prefigurar suas criações posteriores. Para compor a trama de Humilhados e ofendidos, romance no qual deposita enormes esperanças, Dostoiévski coloca no centro da ação a figura do escritor Ivan Petróvitch, que é também o narrador do livro, e cuja vida guarda tantas semelhanças com a sua que não é equivocado ler certas passagens como um ensaio de autoficção avant la lettre ― gesto arriscado, que não foi plenamente compreendido pela crítica da época. Os leitores, porém, não tiveram dúvidas. Desde sua primeira aparição como folhetim no número inicial da revista O Tempo, o romance fascinou o público, que reconheceu ali um modo inédito de narrar, capaz de trazer à luz os sentimentos mais obscuros com uma intensidade nunca vista ― intensidade que encontrou sua equivalência precisa na tradução de Fátima Bianchi e nas gravuras de Oswaldo Goeldi.

RESENHA


A obra de Fiódor Mikhailovich Dostoiévski é geralmente dividida em duas fases pelos críticos literários e estudiosos do escritor russo. A primeira fase ocorreu antes de sua prisão na Sibéria no início da década de 50 do século XIX, quando escreveu os romances: Gente pobre, O duplo, Noites brancas e Niétotchka, além de alguns contos e novelas. A segunda fase começou após seu retorno para São Petersburgo em 1859, após ter passado aproximadamente cinco anos preso na Sibéria, submetido a trabalhos forçados por ter supostamente feito parte de um grupo que pretendia depor o Czar Nicolau I. Após esse período, cumpriu mais quatro anos de serviço militar compulsório no Cazaquistão. Essa fase é considerada sua fase mais criativa e madura, com a publicação de suas obras-primas, os romances: Crimes e Castigo, O idiota, Os demônios e Os irmãos Karamazov. Contudo, é importante salientar uma fase que poderíamos considerar de transição em sua obra, que inclui um livro autobiográfico - narrando suas experiências e impressões da prisão -, Recordação da casa dos mortos (com seus primeiros capítulos sendo publicados em forma de folhetim, entre os anos de 1860 e 1861), e os romances: Humilhados e Ofendidos (também publicado em folhetim no ano de 1861) e Notas do subterrâneo (1864 – este, inclusive já é considerado por muitos críticos como a obra que inaugura a brilhante segunda fase do autor, que publicaria dois anos depois seu primeiro grande sucesso literário após o retorno a São Petersburgo, o livro Crime e Castigo).

O romance Humilhados e Ofendidos, que também recebeu uma ótima acolhida de crítica e público, possui uma forte conotação autobiográfica (como alguns outros romances de Dostoiévski, citando como exemplo O jogador). Seu personagem principal e narrador da história, Ivan Petrovich, vulgo Vania, é um escritor pobre, que teve sua primeira obra bem recepcionada pela crítica (no romance o narrador cita B, clara alusão a Belinski, grande crítico da época.

Neste romance, já podemos notar, de forma embrionária, vários dos principais elementos que imortalizaram a obra de Dostoiévski. Os primeiros passos de sua narrativa polifônica, onde as vozes dos personagens rivalizam com a do narrador para construir a trama e apresentar ao leitor o íntimo de suas almas, já são perceptíveis. A análise psicológica que tanto caracterizou a obra do autor russo também se faz presente. Nesta obra, Dostoiévski utiliza, assim como na maioria de seus livros, como modelo o romance realista da primeira metade do século XIX, para criar uma base para suas análises psicológico-dialéticas do íntimo de suas personagens, contraditórias e atormentadas por natureza. A crítica social, porém, ainda é o ponto principal do romance, resgatando, de uma certa maneira, suas preocupações já demonstradas em Gente Pobre. Contudo, em Humilhados e Ofendidos, a crítica social é permeada por personagens que não se contentam em apenas fazer os papéis de humilhados, de ofendidos, ou de algozes e prepotentes senhores aristocráticos. A narrativa dostoievskiana nos coloca a descoberto os dramas, as contradições, os desesperos e as angústias dos personagens. A diferença é que neste romance Dostoiévski ainda não dá o protagonismo à sua psicologia-dialética, sua preocupação maior ainda é com a denúncia das humilhações e ofensas sofridas pelas pobres gentes, por parte de uma aristocracia decadente, mas ainda poderosa, opressora, e arrogante.

De um lado, temos os humilhados e ofendidos: o casal Ikhmeniev, que devido à ingenuidade e bondade de Nikolai Serguievich Ikhmeniev, se vêm destituídos de sua propriedade, através de um processo jurídico pernicioso e repleto de falsas acusações; Natália Nikolaievna Ikhmeniev, que para os padrões da época havia desonrado sua família, abandona o lar por amor a um homem que, por fraqueza de caráter, a submete a situações de profundas humilhações; Ivan Petrovich, o narrador, que percebe que ser um escritor conhecido e elogiado, não o faz superar as barreiras sociais, apesar de frequentar, esporadicamente, o meio aristocrático que despreza. Sua fama não lhe trouxe riqueza e tampouco o privou das humilhações e ofensas dos poderosos, como veremos em suas relações com o príncipe Valkovskii; Nelly, a órfã maltrapilha, que apesar de ser levada a pedir esmolas na rua, traz em si uma altivez quase nobre (e o motivo disso só descobriremos nas páginas finais); e até mesmo Masloboiev, que através de sua esperteza, golpes e arranjos, consegue transitar em um universo diferente daquele a que pertence por origem, mas que também, ao final, é humilhado e ofendido pela nobreza aristocrática que tanto menospreza. Por outro lado, temos os opressores, os que se utilizam de sua posição, de direito e de herança, para humilhar e tripudiar dos menos favorecidos de berço e de fortuna: o príncipe Piotr Alexandrovich Valkovskii; seu filho Aliosha; e todo um séquito de condessas, condes e princesas que gravitam em torno de uma elite aristocrática restrita e decadente, na qual, não raramente, os casamentos por interesses financeiros são a única forma de manterem seu “status quo”.

A história de "Humilhados e Ofendidos" oscila entre dois eixos centrais. O primeiro é o drama de amor entre Natasha e Aliosha, e consequentemente as tentativas do príncipe Valkovskii de desestabilizar o casal e convencer seu filho a se casar com Kátia, enteada da condessa - velha amiga do príncipe - e herdeira de grande fortuna. O segundo eixo é a história de Nelly, órfã que se liga afetuosamente a Vania. Durante a narrativa, nos compadecemos com a dupla humilhação de Ikhmeniev, que além de ver sua filha desonrada e ameaçada pelo príncipe, é vítima de um terrível e injusto processo jurídico perpetrado pelo mesmo príncipe. Também nos tocamos com a doença e abandono da pequena Nelly, e finalmente com a estoica abnegação de Natasha. Mas é nos diálogos e no sutil escrutínio das complexas almas dos personagens que o romance ganha seu valor literário. O personagem Aliosha é sem dúvida um dos mais repulsivos da história da literatura. O escritor russo conseguiu criar um personagem execrável, sem caráter e abjeto, mas que contudo possui uma alma boa, pura, um coração ingênuo. Entretanto, sua pureza e ingenuidade são levadas ao paroxismo, tornando o personagem odioso, mimado e irresponsável aos olhos do leitor. Ser bom, ter um bom coração, não faz sentido algum se o indivíduo não tem força de vontade e caráter para fazer a coisa certa e moralmente correta. É o que se

Mas é o pai de Aliosha, o príncipe Valkovskii, o grande personagem do livro. Nele vemos antecipado grandes temas que Dostoiévski irá discutir mais aprofundadamente em seus futuros romances. O príncipe reúne em si todas as características deletérias que o escritor russo vê no estereótipo da decadente aristocracia russa: a dissimulação, o egoísmo, a hipocrisia, o cinismo. O príncipe encarna a antítese cristã. Todos os seus atos são premeditados e encobertam interesses pessoais. O perfil de sua personalidade vai sendo desvendado aos poucos, através do brilhante uso que Dostoiévski já faz da polifonia. Isso se dá através dos longos diálogos do príncipe e Natasha; dos diálogos entre Aliosha e Natacha, onde Aliosha reproduz as conversas que tem com o pai que ele admira e venera, e devido à sua ingenuidade que beira a estupidez, mas que em momento algum suplanta sua arrogância nobiliárquica, ele se deixa enganar pela argúcia maldosa do príncipe; mas é principalmente nos diálogos do príncipe com Vania que percebemos, ou melhor, que entrevemos a alma negra do príncipe, até que finalmente ele retira teatralmente sua máscara ao convidar o narrador para jantar, assim que saem de uma visita à casa da condessa. Depois de beber bastante, o príncipe vai aos poucos colocando as cartas na mesa.

"Humilhados e Ofendidos" é uma obra-prima da literatura russa. Dostoiévski, com sua narrativa polifônica, consegue criar personagens complexos e profundos, que nos fazem refletir sobre a natureza humana e a sociedade em que vivemos. O romance é uma crítica contundente à aristocracia russa decadente, que oprime e humilha os menos favorecidos. A história é envolvente e emocionante, e os diálogos são brilhantes. O livro é uma leitura obrigatória para quem aprecia a boa literatura.

[RESENHA #722] O duplo, de Dostoiévski



Sobre O duplo, seu segundo romance, publicado em 1846, Dostoiévski declararia: "nunca dei uma contribuição mais séria para a literatura do que essa". De fato, ao retratar o drama de um pequeno funcionário de personalidade cindida, que passa a enxergar e conviver com seu próprio duplo, o autor russo antecipa aqui seus grandes romances de maturidade, como Crime e castigo e O idiota. Influenciada por Hoffmann e Gógol, esta surpreendente história ganha aqui sua primeira tradução direta do russo, que busca preservar toda a radicalidade e o humor do texto original, e vem acompanhada de uma seleção das belas ilustrações do artista expressionista austríaco Alfred Kubin.

RESENHA


O Duplo é um romance do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1846. A história gira em torno de Iákov Petróvitch Goliádkin, um funcionário público sem grande expressão social, que começa a ser atormentado por um duplo, que é uma cópia exata dele mesmo. O livro é uma obra-prima da literatura russa e é considerado um dos primeiros trabalhos de Dostoiévski. A obra é uma crítica à sociedade da época, que muitas vezes se baseava em preconceitos e estereótipos para julgar as pessoas. O livro é repleto de humor e ironia, e o narrador onisciente revela a dedicação do protagonista que, na verdade, fica obcecado com seus estudos na área de psiquiatria. Além disso, ele aborda os temas da identidade, da loucura e da alienação. O Duplo é uma leitura obrigatória para quem quer conhecer a literatura russa e a obra de Dostoiévski.

Dostoiévski é um dos maiores escritores russos de todos os tempos e é frequentemente comparado a Freud e Nietzsche por sua exploração das bases irracionais e inconscientes da psiquê humana. A Rússia na década de 1840 era um mundo em mudança, resistindo freneticamente à pressão por mudanças, que vinha tanto de dentro da Rússia, quanto da Europa Ocidental. O próprio Czar insinuou a abolição da servidão, e o círculo de debates do qual Dostoiévski participou foi ignorado pelas autoridades durante anos. No entanto, o advento das revoluções europeias de 1848 pôs fim a toda conversa e tolerância. Assim, a interrupção da carreira de Dostoiévski em 1849 coincidiu com a ruptura brusca na vida política e cultural russa, quando ele foi preso acusado de conspiração contra o Czar. Dez anos depois (1859), foi solto, o que coincidiu com um período com menos censura e com a relativa liberdade política. Tudo isso mudou a forma de pensar de Dostoiévski. O Duplo é um romance do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1846. A história gira em torno de Iákov Petróvitch Goliádkin, um funcionário público sem grande expressão social, que começa a ser atormentado por um duplo, que é uma cópia exata dele mesmo. O livro é uma obra-prima da literatura russa e é considerado um dos primeiros trabalhos de Dostoiévski. A obra é uma crítica à sociedade da época, que muitas vezes se baseava em preconceitos e estereótipos para julgar as pessoas. O livro é repleto de humor e ironia, e o narrador onisciente revela a dedicação do protagonista que, na verdade, fica obcecado com seus estudos na área de psiquiatria. Além disso, ele aborda os temas da identidade, da loucura e da alienação. O personagem principal, Iákov Petróvitch Goliádkin, é um homem solitário e inseguro que se sente deslocado na sociedade em que vive. Ele é um funcionário público sem grande expressão social, que começa a ser atormentado por um duplo, que é uma cópia exata dele mesmo. O duplo é uma representação da parte sombria e reprimida da personalidade de Goliádkin, e o livro explora a luta interna do personagem para lidar com essa dualidade. O livro é importante por ser uma das primeiras obras de Dostoiévski e por abordar temas que seriam recorrentes em sua obra posterior. Além disso, é uma obra-prima da literatura russa e é considerado um dos melhores trabalhos de Dostoiévski.

Joseph Frank, o maior biógrafo de Dostoiévski, afirmou que “O Duplo” é uma confissão do próprio autor. Como Golyadkin, Dostoiévski também sofria de “alucinações”, que podiam muito bem incluir delírios parecidos com Golyadkin; e era de uma timidez que beirava a anormalidade. Esses aspectos de autorretrato que estão contidos em “O Duplo” constituem apenas um elemento de sua composição; outros provêm de suas influências literárias externas. Era (nas palavras de Joseph Frank) um hoffmanista russo. Os primeiros capítulos de “O Duplo” contêm uma brilhante descrição da personalidade dividida de Goliátkin antes de sua completa dissociação em duas entidades independentes. De um lado, há o evidente desejo de aparentar uma posição elevada e uma imagem mais lisonjeira de si mesmo – daí a carruagem e o libré, as orgias consumistas, como a compra de móveis elegantes, como se fosse um noivo prestes a casar, até mesmo o detalhe de trocar seu dinheiro em notas menores para dar a impressão de ter um bolso mais recheado de dinheiro. Suas pretensões de amor por Clara Olsúfievna não é causa, mas a expressão de um afã de subir na escala social e de salvar o próprio ego.

O Duplo é uma obra-prima da literatura russa e é considerado um dos melhores trabalhos de Dostoiévski. O livro é uma crítica à sociedade da época, que muitas vezes se baseava em preconceitos e estereótipos para julgar as pessoas. Além disso, é uma obra que explora temas como a identidade, a loucura e a alienação de forma brilhante. A descrição da personalidade dividida de Goliátkin é um dos pontos altos do livro, e a obra é uma leitura obrigatória para quem quer conhecer a literatura russa e a obra de Dostoiévski. A influência literária externa de Dostoiévski é evidente em “O Duplo”, e o livro é um exemplo da habilidade do autor em criar personagens complexos e intrigantes. Em resumo, “O Duplo” é uma obra-prima da literatura russa e uma das melhores obras de Dostoiévski.

[RESENHA #715] O idiota, de Dostoiévski


Nova edição, revista pelo tradutor, de O idiota, um dos grandes romances de Dostoiévski, trazendo a série completa de ilustrações de Oswaldo Goeldi. Publicado originalmente em 1868, este é um desses livros em que o leitor reconhece de imediato a marca do gênio. Nele, o autor russo constrói um dos personagens mais impressionantes de toda a literatura mundial ― o humanista e epilético príncipe Míchkin, mescla de Cristo e Dom Quixote, cuja compaixão sem limites vai se chocar com o desregramento mundano de Rogójin e a beleza enlouquecedora de Nastácia Filíppovna. Entre os três se agita uma galeria de personagens de extrema complexidade, impulsionados pelos sentimentos mais contraditórios ― do amor desinteressado à canalhice despudorada ―, conferindo a cada cena uma intensidade alucinante que nunca se dissipa nem perde o foco. A tradução de Paulo Bezerra, a primeira realizada diretamente do russo em nosso país, traz para o leitor brasileiro toda a força da narrativa original.

RESENHA


O Idiota é um dos principais romances de Fiódor Dostoiévski, um dos maiores escritores russos de todos os tempos. Escrito entre 1867 e 1869, o livro retrata a sociedade russa do século XIX, em meio a transformações políticas, sociais e culturais. O autor, que viveu uma vida conturbada, marcada por problemas financeiros, doenças, prisões e exílios, reflete em sua obra questões existenciais, morais, religiosas e psicológicas, com uma profunda análise dos personagens e de seus conflitos.

O protagonista do romance é o príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin, um jovem nobre que retorna à Rússia depois de passar vários anos em um sanatório na Suíça, tratando de sua epilepsia. Míchkin é um homem puro, bondoso, sincero e compassivo, que se choca com a corrupção, a hipocrisia, a violência e a ambição que dominam a sociedade em que vive. Ele é chamado de idiota pelos que o cercam, por não se adaptar às convenções e aos interesses mundanos. Sua inocência e sua generosidade são vistas como fraquezas e loucura, e ele acaba sendo vítima de intrigas, calúnias e explorações.

Míchkin se envolve em um triângulo amoroso com duas mulheres muito diferentes: Nastácia Filíppovna, uma bela e sofrida jovem que foi abusada na infância e que busca vingança contra seus algozes, e Aglaia Ivánovna, uma moça rica, orgulhosa e caprichosa, que se sente atraída pelo príncipe, mas que também o despreza. Além delas, Míchkin tem como rival o ardiloso e apaixonado Rogójin, um homem rico e violento, que disputa o amor de Nastácia e que nutre uma obsessão doentia por ela. O destino dos quatro personagens principais será trágico, marcado por desencontros, ciúmes, crimes e mortes.

O Idiota é uma obra-prima da literatura universal, que aborda temas universais e atemporais, como o bem e o mal, a culpa e o perdão, a fé e a dúvida, a razão e a emoção, a liberdade e o destino. O livro é também uma crítica à sociedade russa da época, que estava em crise de valores e de identidade, dividida entre a tradição e a modernidade, entre o Oriente e o Ocidente. Dostoiévski, que era um cristão ortodoxo e um patriota, defende em sua obra a necessidade de uma renovação espiritual e moral da Rússia, baseada no ideal evangélico do amor ao próximo e na valorização da cultura nacional.

O livro contém frases memoráveis, que expressam o pensamento e o sentimento dos personagens, bem como a visão de mundo do autor. Algumas delas são:

- "É melhor ser infeliz, porém estar inteirado disso, do que ser feliz e viver sendo feito de idiota." ¹
- "Os criadores e os génios, no início da sua carreira, quase sempre, e muitas vezes até no fim, sempre foram considerados pela sociedade como uns parvos e uns malucos — é esta uma das observações mais triviais e sabidas." 
- "De fato, não existe nada mais deplorável do que, por exemplo, ser rico, de boa família, de boa aparência, de instrução regular, não tolo, até bom, e ao mesmo tempo não ter nenhum talento, nenhuma peculiaridade, inclusive nenhuma esquisitice, nenhuma idéia própria, ser terminantemente como todo mundo." 
- "Quando a gente mente, ou seja, coloca com astúcia alguma coisa que acontece com excessiva raridade ou nunca acontece, aí a mentira se torna muito mais verossímil." 
- "A delicadeza e a dignidade é o próprio coração que ensina e não um mestre de dança." 

O Idiota é um livro que ensina muito sobre a natureza humana, sobre suas contradições, suas grandezas e suas misérias. É um livro que mostra como o amor pode ser fonte de salvação ou de perdição, de alegria ou de sofrimento, de vida ou de morte. É um livro que revela como a sociedade pode ser cruel e injusta com aqueles que são diferentes, que não se enquadram em seus padrões e que não seguem suas regras. É um livro que nos faz pensar sobre o que é ser idiota e o que é ser sábio, sobre o que é ser humano e o que é ser divino.

O Idiota é um livro de grande importância para a literatura mundial, pois influenciou vários escritores e artistas, que se inspiraram em seus personagens, em seu estilo e em seus temas. Entre eles, podemos citar Albert Camus, Franz Kafka, Marcel Proust, James Joyce, Virginia Woolf, Thomas Mann, Hermann Hesse, André Gide, Ernest Hemingway, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, José Saramago, Woody Allen, Akira Kurosawa, entre outros. O livro também foi adaptado para o cinema, o teatro, a ópera, a música e as artes plásticas, demonstrando sua riqueza e sua atualidade.

O AUTOR
Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi um escritor russo autor de Os Irmãos Karamázov e Crime e Castigo, obras-primas da literatura universal. Seus romances abordam questões existenciais e temas ligados à humilhação, culpa, suicídio, loucura e estados patológicos do ser humano.

[RESENHA #712] Os demônios, de Dostoiévski


Impressionado com o assassinato de um estudante por um grupo niilista, Dostoiévski concebeu este livro como um protesto contra os que queriam transplantar a realidade política e cultural da Europa ocidental para a Rússia. Apesar da intenção inicialmente panfletária, Os demônios é um romance magistral, à altura de Crime e castigo ou Os irmãos Karamázov.

RESENHA


Nesta nova tradução, o romance político de Dostoiévski sobre a invasão de ideias estranhas na Rússia do século XIX é revitalizado. As traduções anteriores de Larissa Volokhonsky e Richard Pevear de obras como Os Irmãos Karamazov, Crime e Castigo e Notas do Subterrâneo foram aclamadas por sua fidelidade e nuances ao estilo de Dostoiévski, e se tornaram as versões em inglês mais respeitadas. Agora eles enfrentaram um dos romances mais complexos e profundos de Dostoiévski. O título, que foi mal traduzido no passado como “Os Possuídos”, se refere aos demônios das ideias políticas e filosóficas que vieram do Ocidente para a Rússia: idealismo, racionalismo, empirismo, materialismo, utilitarismo, positivismo, socialismo, anarquismo, niilismo e, por trás de todos eles, ateísmo. Pevear explica na introdução: “São esses os demônios, portanto, ideias, essa legião de ismos que veio do Ocidente para a Rússia.'' Dostoiévski, inspirado pelo caos político de sua época, constrói uma história moral complexa em que os habitantes de uma cidade provinciana se tornam inimigos uns dos outros por causa de sua crença cega em suas ideias. Stepan Trofímovitch, um pensador amável que nunca põe em prática suas ideias liberais, cria um monstro em seu discípulo, Nikolai Vsevolodovich Stavrogin, que leva a sério os ensinamentos de seu mentor, juntando-se a um grupo de niilistas que usam a violência como meio de expressar suas ideias. Stavróguin planeja uma “corrupção sistemática da sociedade e de todos os seus princípios” para que, da destruição resultante, ele possa “levantar a bandeira da revolta”. Uma lógica assustadoramente semelhante à do stalinismo. A tradução de Volokhonsky e Pevear revela todo o humor sutil e o nacionalismo linguístico de Dostoiévski, e as notas abundantes são essenciais para entender a política russa do século XIX.


Demônios, de Fyodor Dostoiévski, é um romance que continua a ecoar no mundo atual, pois nos confronta com uma sinfonia melancólica de autoconhecimento. Os personagens do romance não são apenas representantes de ideologias ultrapassadas, mas expressam a essência do conflito humano.

O romance de Dostoiévski é uma crítica mordaz aos diversos “ismos” que dominam o pensamento moderno. Ele mostra como as ideias estrangeiras invadem a Rússia do século XIX e possuem as mentes das pessoas. No entanto, o romance não é apenas uma profecia política, mas uma obra de arte profunda e perturbadora.

Dostoiévski escreveu Demônios em resposta a um crime que abalou a Rússia em 1869. O romance narra a história de uma gangue de revolucionários que matam um de seus membros como um sacrifício. A trama é complexa e confusa, cheia de radicais de todas as tendências. Stiepan Trofímovitch, o liberal sonhador, vive em um mundo de fantasias sobre a fraternidade humana, chorando sobre garrafas de vinho. Seu filho, Pyotr, é um rebelde cínico que espalha boatos na casa do governador. Estudantes anônimos clamam por revolução e homens barbudos falam absurdos. Até os aristocratas da cidade se fingem de progressistas, apoiando os anarquistas. Todos esses personagens são movidos por uma enorme vaidade.

Demônios é um romance que explora as ideias que dominaram a Rússia do século XIX, muitas das quais podem parecer estranhas ao leitor ocidental. Chátov, que defende a identidade russa, veste-se com roupas tradicionais. A história se passa após a libertação dos servos, o que abre espaço para propostas políticas e sociais radicais. No entanto, os personagens não são simplesmente representantes de ideologias. Quando Kirillov diz que vai se matar porque “Deus não existe – eu sou Deus”, não sabemos se ele está louco ou não. Como em muitas obras de Dostoiévski, as vozes mais sensatas em Demônios estão à beira da loucura. O diálogo incessante entre elas cria uma polifonia caótica e genial.

Demônios é um romance fascinante e provocativo, que nos desafia a pensar sobre as consequências das ideias que abraçamos. Dostoiévski nos mostra como as ideias podem se tornar demônios que nos possuem e nos levam à violência e à destruição. Ao mesmo tempo, ele nos oferece uma visão da complexidade humana, que não se reduz a nenhuma fórmula ou sistema. Demônios é uma obra-prima da literatura mundial, que merece ser lida e relida.

O AUTOR
Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi um escritor russo autor de Os Irmãos Karamázov e Crime e Castigo, obras-primas da literatura universal. Seus romances abordam questões existenciais e temas ligados à humilhação, culpa, suicídio, loucura e estados patológicos do ser humano.

[RESENHA #484] Minha vida, de A.P Tchekhov

TCHEKHOV, Anton Pávlovitch. Minha vida: conto de um provinciano. São Paulo, Editora 34, 2010. Tradução de Denise Sales.

Nesta edição de Minha vida: conto de um provincial, publicada pela Editora 34 e traduzida por Denise Sales, o público de língua portuguesa tem acesso a um dos poucos romances escritos por Anton Pavlovich Chekhov (Антон Павлович Чехов, em russo) (1860 - 1904). A capa, muito bem escolhida, é um fragmento da pintura Les toits, de Paul Cézanne (1839-1906), de 1898, que já deixa no leitor um pouco da atmosfera que encontrará no livro. A ilustração representa algumas casas em algum interior, arborizadas, verdes, que se fundem no horizonte e confundem o telhado com a vegetação ao longe. É uma representação, talvez um cliché, de uma aldeia simples, folclórica e sem grande importância, mas graças a Cézanne ganha em particularidade e evidência. Esta ilustração é uma condensação do livro.

Dois anos antes de Les toits (1898) ficar pronto, em 1896, em uma região semelhante à representada, mas muito distante, a Rússia, Chekhov publicou Minha Vida, romance que conta a história de um russo na primeira pessoa. nobre, Missail Poloznev.

Missail é um nobre que não quer ser nobre. Talvez seja uma pessoa do submundo, como no romance de Dostoiévski, pelo avesso. Quer dizer, ele faz parte da nobreza, mas não vê sentido nessa distinção hierárquica da sociedade russa. Enquanto o homem subterrâneo de Dostoiévski agoniza por querer continuar sua jornada pela rua sem ter que ceder a um homem superior que nem percebe sua existência, Missail quer se libertar das algemas dessa hierarquia sem sentido. e poder fazer o que quiser. Em Dostoiévski, o homem subterrâneo quer andar pela rua sem ter que ceder ao nobre; em Čechov, um nobre quer trabalhar como pintor. Ambos mostram o anacronismo das diferenças sociais presentes no final do século XIX.

Logo no primeiro parágrafo da novela Minha vida, ou melhor, nas quatro primeiras linhas, fica evidente a posição que Missail coloca diante de sua empresa:

“O diretor me disse: ‘Mantenho-o somente em respeito ao seu venerável pai, senão o senhor já teria voado daqui há tempos’. Eu lhe respondi: ‘Lisonjeias-me demais, vossa excelência, julgando-me capaz de voar’” (p. 7).

 Esta posição foi seu nono emprego e a nona vez que ele foi demitido. A personagem conta como eram esses trabalhos:

“Servi em departamentos diversos, mas todos os nove empregos pareciam-se um com o outro como gotas d’água: eu tinha de ficar sentado, escrevendo, ouvindo observações estúpidas ou grosseiras, à espera da demissão” (p. 7).

Desta forma, Chekhov critica a nobreza russa, que viveu sua insignificância em cidades insignificantes, sempre pensando que era uma nobreza rica, nominal e importante para a humanidade. Um nobre deve ter trabalho intelectual, não trabalho manual. É exatamente isso que Missail não entende: por que ele não pode ser carpinteiro?

Ele acaba brigando com o pai por causa disso. Saiu de casa e tornou-se pintor. Neste evento, Chekhov consegue sintetizar muitas críticas à sociedade russa de seu tempo. Entre outras coisas, o embate de Missail com o pai ocorre porque a personagem principal se recusa a aceitar a herança. Isso é um grande desrespeito em uma sociedade baseada em heranças e relações corporativas, em que os casamentos entre famílias são arranjados por conveniência - uma sociedade que desconhece os valores burgueses. Hoje, por exemplo, quando um filho rejeita a herança do pai, o pai agradece a Deus e compra o próximo modelo de carro. Na Rússia do século 19, isso marcou o fim de uma tradição centenária da família nobre.

Talvez neste romance esteja em jogo a transição de uma época para outra, da velha e anacrônica Rússia para a jovem e contemporânea Rússia. A rixa de Missail com seu pai nesta imagem também condensa a rixa da Jovem Rússia com o czar, que seria deposto e decapitado vinte anos depois, em 1917.

Nesse sentido, percebo Čechov como um autor contemporâneo de seu tempo. Como diz Giorgio Agamben em O que é o contemporâneo: 

“No firmamento que olhamos de noite, as estrelas resplandecem circundadas por uma densa treva. Uma vez que no universo há um número infinito de galáxias e de corpos luminosos, o escuro que vemos no céu é algo que, segundo os cientistas, necessita uma explicação. […]. No universo em expansão, as galáxias mais remotas se distanciam de nós a uma velocidade tão grande que sua luz não consegue nos alcançar. Aquilo que percebemos como o escuro do céu é essa luz que viaja velocíssima até nós e, no entanto, não pode nos alcançar, porque as galáxias das quais provém se distanciam a uma velocidade superior àquela da luz.

“Perceber no escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não pode fazê-lo, isso significa ser contemporâneo” (p. 64-65).


É nesse sentido que vejo Tchekhov como contemporâneo de seu próprio tempo. Sua narrativa é cirurgicamente incisiva, crítica.

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