[RESENHA #1010] O patrulheiro literário: conspiração em literária, de Vinícius Lima Costa

Foto: Arte digital / Códice Editorial

 APRESENTAÇÃO

Todos os escritores permanecem vivos em suas obras para além de sua existência, mas será que eles vão para algum lugar após deixarem o nosso mundo? A cada quatro meses, um navio atraca no porto de Bela Leitura e dele desembarcam as mentes criativas por trás das histórias que permeiam nosso imaginário desde o início dos tempos.

Com exceção de uma rusga entre vizinhos, afinal Sir Arthur Conan Doyle e Maurice Leblanc talvez nunca cheguem a uma trégua, e algumas festas que saem do controle no bairro do Terror, a paz aparentemente impera nesse universo fantástico, até que uma ameaça surge disposta a destruir o lugar e toda a preciosa literatura produzida por seus habitantes.

Quando várias tentativas de combater o mal que se aproxima se mostram infrutíferas, caberá a Arquimedes, um bibliotecário um pouco nerd, muito fã dos Beatles e dono de uma mente singular, salvar a todos nessa aventura com pitadas de mistério e ficção cientifica.

RESENHA


Foto: Arte digital / Códice Editorial

A trama se desenrola a partir do momento em que o comissário William recebe um bilhete ameaçador em sua casa, indicando uma invasão e um plano para dominar a cidade de Literária. A partir daí, o leitor é levado junto com o protagonista em uma investigação intrigante, repleta de reviravoltas e personagens misteriosos.

Chegaram à entrada principal da mansão e o comissário William adentrou seguido de seu subordinado. A casa era imponente e repleta de móveis antigos e quadros que retratavam momentos importantes da história de Bela Leitura. O chefe de polícia sentou-se em sua poltrona favorita, enquanto o otele número nove permanecia em pé, aguardando suas ordens.

O comissário William estava prestes a relaxar após um dia exaustivo, quando um ruído estranho vindo do lado de fora da casa chamou sua atenção. Com expressão séria, ele se levantou e caminhou até a janela para verificar o que estava acontecendo. Para sua surpresa, viu uma figura encapuzada se aproximando sorrateiramente da mansão.

Sem hesitar, o comissário chamou seu subordinado e ordenou que verificasse as entradas e saídas da casa, enquanto ele mesmo se preparava para confrontar o intruso. A adrenalina pulsava em suas veias enquanto ele se aproximava silenciosamente do invasor, pronto para agir caso fosse necessário.

O momento de tensão culminou em um confronto surpreendente, revelando uma trama sinistra que ameaçava não apenas a segurança da mansão do comissário, mas de toda a cidade de Bela Leitura. A batalha entre o bem e o mal estava prestes a se desenrolar, e o destino de Literária estava nas mãos do bibliotecário Arquimedes.

O livro "O Patrulheiro Literário: Conspirações Literárias" de Vinícius Lima Costa é uma obra que transporta o leitor para um universo mágico repleto de personagens icônicos da literatura mundial. A narrativa envolvente e cheia de reviravoltas mantém o leitor fisgado do início ao fim, criando uma atmosfera de suspense e mistério que instiga a imaginação.

O protagonista Arquimedes, com sua personalidade única e suas habilidades surpreendentes, conquista o leitor e o faz torcer por seu sucesso na missão de salvar Literária. Os diálogos bem construídos e os momentos de tensão são habilmente entrelaçados, criando uma trama cativante que surpreende a cada página virada.

A narrativa é rica em detalhes e nos transporta para um universo fictício cheio de referências literárias e elementos fantasiosos. A presença de personagens como o comandante Dom Miguel e o cavalo Dinamarca adiciona um toque de fantasia à trama, enquanto as discussões dos vereadores na câmara legislativa trazem uma dimensão política e social à história.

A habilidade do autor em mesclar elementos realistas com elementos fantásticos faz com que o leitor mergulhe de cabeça na trama e se sinta parte do universo criado por Vinícius Lima Costa. Além disso, a construção dos diálogos e a caracterização dos personagens são feitas de forma cuidadosa e detalhada, tornando a leitura ainda mais cativante.

Destaques de fevereiro da editora fósforo e circulo de poemas


Índice, uma história do

SOBRE O LIVRO

Qual a relação entre Santo Agostinho e as hashtags? O que os sermões de padres do século 13 têm a ver com pesquisas no Google em 2024? Este livro responde de modo divertido a essas e a outras perguntas ao narrar a história de uma ferramenta cotidiana pouco conhecida, mas extraordinária, e que hoje é a tecnologia-chave que alicerça toda a nossa leitura on-line: o índice.

Com um passado ilustre, porém pouco visitado, o índice remissivo de assuntos e seus irmãos correlatos, como a concordância e o sumário, estão intimamente ligados à história dos livros, do conhecimento e das universidades, passando pela política e pela literatura. Apesar de relegado às páginas finais dos volumes impressos, e de mal constar nos livros digitais, o índice foi objeto de interesse e de narrativas de Virginia Woolf, Italo Calvino, Vladimir Nabokov e Platão. E é justamente esta a surpresa do livro de Dennis Duncan: fazer com que pensemos sobre esse dispositivo textual muitas vezes considerado menor ou trivial, mas que hoje é a base de nosso dia a dia.

O autor domina a arte de desautomatizar visões pré-estabelecidas, chamando a nossa atenção para a invenção da ordem alfabética, do número de página nos livros impressos, bem como para polêmicas que parecem atuais, mas que há oitocentos anos permeiam a vida pública. Um exemplo delas é o fato de acharmos a ideologização dos dados um problema contemporâneo, sem nos darmos conta de que as entregas personalizadas dos algoritmos do Vale do Silício não estão muito distantes dos índices que, desde os primórdios, eram usados para zombarias, maledicências e formação de opinião.

Eleito um dos melhores livros de 2022 pela revista New Yorker, Índice, uma história do traz uma série de anedotas com papas, filósofos, primeiros-ministros, poetas e, claro, indexadores, que guiam desde o bibliófilo mais apaixonado até o mais casual dos leitores por uma viagem divertida à curiosidade humana. Com humor bastante espirituoso, este livro não é só sobre leitura, mas sobre o modo como nos relacionamos com o mundo, como o categorizamos e o entendemos. É impossível não esboçar ao menos um sorriso ao navegar por esta ode às histórias bem contadas.


O autor apresenta o livro

Neste vídeo curto [em inglês] — “From Heretics to Hashtags: The History of Book Indexes” [Dos hereges às hashtags: a história dos índices de livros] —, o autor fala sobre o livro e descreve como pode ser fascinante o universo da indexação, desde sua origem até as versões atuais.

O que estão falando sobre o livro

✸ Livro conta a origem do índice, e o que os sermões do século 13 têm a ver com o Google” | O Globo
✸ “‘Índice, uma história do’: o aperfeiçoamento da indexação” | Nexo
✸ “‘Índice, uma história do’: a incrível saga da invenção que moldou o mundo” | Veja
✸ Como os índices evoluíram da Biblioteca de Alexandria, no século III a.C., para o Google nos dias atuais” | Valor



A arte de driblar destinos    

Segundo romance do matemático Celso Costa, este livro, vencedor do prêmio LeYa 2022, faz jus à máxima atribuída a Liev Tolstói: “Canta a tua aldeia e cantarás o mundo”. Ao narrar a luta de um garoto e sua família para escapar da pobreza no interior rural do Paraná nos anos 1960, Costa mescla memórias autoficcionais e “causos” do interior do país para dar origem a um grande romance de formação, que é também uma história do Brasil.


Na orelha do livro

O que estão falando sobre o livro

✸ ‘A arte de driblar destinos’: o prélio de uma família do Paraná | Nexo
✸ “Prémio LeYa 2022 para o matemático brasileiro Celso José da Costa” | Público
✸ “‘A arte de driblar destinos’ — Trecho do romance inédito de Celso José da Costa | Rascunho

Avenida Beberibe

Na extensa e sinuosa avenida Beberibe, no Recife, uma casa com jardim frondoso é o cenário da infância de várias gerações. Ela também é o ponto de partida deste romance inventivo, que retoma e renova a tradição memorialística brasileira ao lançar mão do recurso fotográfico como parte constitutiva do texto. Guiada por uma sensibilidade que se aproxima da lógica poética, Claudia Cavalcanti expande a avenida para outros tempos e espaços, construindo esta narrativa de filiação parcialmente ficcional, na qual eventos da história do país e da vida pública do Recife mesclam-se a lembranças da neta dos donos da casa que, meio século mais tarde, se debruça sobre as relações sociais latentes no seio do próprio lar.

Playlist para acompanhar a leitura

A autora Claudia Cavalcanti preparou uma playlist — “Música do Recife e de outros tempos” — com faixas que conversam com o universo de seu livro.


Negros na piscina

    
Organizado pela curadora, escritora e pesquisadora Diane Lima, Negros na piscina: arte contemporânea, curadoria e educação é uma publicação que documenta o momento histórico do debate racial na arte brasileira ao longo dos últimos dez anos. A partir de contribuições ou aproximações acerca do pensamento curatorial, o livro conta com mais de trinta vozes que, ao unir teoria e prática, antecipam estratégias e narram os desafios de produzir cultura no país. Negros na piscina é composto de textos inéditos, conversas, análises de práticas artísticas e projetos expositivos que, acompanhados de uma série de imagens, confrontam e interseccionam os discursos sobre raça, arte, educação e estrutura institucional. 

Panfleto que acompanha o livro



Os exemplares da primeira tiragem do livro Negros na piscina vão acompanhados de um panfleto numerado com a reprodução da obra Nós podemos nadar, do artista brasileiro Paulo Nazareth. Esta obra é uma atualização feita pelo artista, dez anos depois da icônica fotografia conhecida como Negros na piscina — que também dá título ao livro — e faz parte da Série Cadernos de África. 



Poesia 1969-2021




O nome de Duda Machado está associado a um dos períodos mais ricos da arte brasileira — a Tropicália —, que chacoalhou a cena cultural no final dos anos 1960 e projetou nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre tantos outros. Àquela época, Machado foi letrista cantado por Gal Costa, Elis Regina e Jards Macalé. Dali em diante, além de atuar como editor, tradutor e professor, publicou livros de poemas que se destacam pela forma precisa e original, dialogando com a tradição e com as questões do seu tempo.
 

O que estão falando sobre o livro

✸ “Duda Machado, parceiro de tropicalistas, lança antologia” | Folha de S.Paulo

Mistura adúltera de tudo
    


Mistura adúltera de tudo apresenta as reflexões de um dos mais talentosos poetas e críticos da nova geração, o paulista Renan Nuernberger, sobre os sentidos da poesia escrita no Brasil a partir da década de 1970, sua relação com a realidade brasileira de então e possíveis chaves de interpretação para os rumos da poesia dali em diante. Estudioso da forma como a geração de poetas surgida nos anos da ditadura militar encarou os desafios de escrever poesia, Nuernberger se debruça sobre a multiplicidade característica da produção poética daquele momento e investiga suas causas, comentando a forma como essas vozes se distinguem e completam.

Marque na agenda

Lançamento de Poesia 1969-2021
Leitura de poemas com o autor Duda Machado, Renan Nuernberger e Maria Esther Maciel
Data: 9.3
Horário: 11h
Local: Livraria Quixote
Endereço: R. Fernandes Tourinho, 274 - Savassi, Belo Horizonte - MG

Clube de Leitura do Círculo de Poemas #8
Com mediação de Tarso de Melo e Zilmara Pimentel 
Venha tomar um vinho com a gente!
Livros: A morte também aprecia o jazz, de Edimilson de Almeida Pereira + Ancestral, de Goliarda Sapienza (Âyiné, 2020)
Data: 21.3
Horário: 19h
Local: Casinha dos Círculos de Leitura
Endereço: Rua Tinhorão, 60, Higienópolis. São Paulo - SP
Apoio: Dante Robino

Entrevista com o autor M.E.KRIEGER, autor de ❝contos sádicos❞

Foto: Colagem digital / Divulgação

O autor Moises Krieger, conhecido como M.E.KRIEGER, é um talentoso escritor de livros de suspense/terror, que acumula sucesso e reconhecimento no cenário literário nacional. Com obras como "As Quatro Estações – Flor de Lis", "As Deusas – Maat: Os Livros dos Mortos" e "Lilith – Os Herdeiros do Caos", ele conquistou leitores ávidos por tramas envolventes e perturbadoras. Além de sua carreira como escritor, Moises também atua como professor de Ciências na rede municipal de Brusque, cidade onde nasceu. Com uma formação acadêmica sólida, que inclui graduações em Ciência Política, Filosofia e Biologia, o autor traz uma bagagem diversificada para suas obras, explorando diferentes aspectos da natureza humana. Em uma entrevista exclusiva, M.E.KRIEGER revela os segredos por trás de suas obras mais intrigantes, como "O Homem Comum" e "Contos Sádicos", mergulhando nos temas controversos e nas inspirações por trás de suas narrativas instigantes. Prepare-se para adentrar no universo sombrio e fascinante criado por esse talentoso autor nacional.

Foto: Arte digital / divulgação

1. Quando decidiu se tornar um escritor? 

R: A data exata não está registrada, mas foi em 2010 quando comecei a escrever um livro de filosofia, "Andanças de um Filósofo". Ainda pretendo retomar esse projeto de escrever filosofia. A ideia de escrever um romance surgiu quando comecei a desenvolver a série "As Quatro Estações – Flor de Lis", o primeiro de quatro volumes.


2. Qual foi o seu primeiro livro escrito? Você o concluiu? Já abandonou algum projeto de escrita? 

R: Meu primeiro livro, escrito sem pretensão de ser publicado, foi "Os Sacerdotes do Apocalipse", inspirado em um balé de Igor Stravinsky, "A Consagração da Primavera". Apesar de não ter concluído, pretendo retomar esse projeto do zero.


3. Como você escolhe os temas e enredos dos seus livros?

R: Os enredos estão intimamente ligados aos meus personagens, frequentemente envolvidos em um passado obscuro. Muitas vezes, os temas estão relacionados com traição, já que são livros de terror.


4. Você se inspira em algum autor ou obra específica para escrever?

R: Depende do tema do livro, mas geralmente me inspiro nas músicas que escuto, especialmente músicas clássicas como Beethoven.


5. Existe algum ritual para escrever um livro? Qual funciona para você?

R: Simplesmente me sento na frente do computador e começo a escrever. Tenho uma meta diária de palavras e, se não consigo atingi-la, compensando em outro dia.


6. Quais são seus livros publicados atualmente? Qual foi o mais complexo?

R: Meus livros publicados são todos em formato de e-book. A trilogia "As Deusas" e a série "As Quatro Estações - Flor de Lis" estão disponíveis, assim como outros títulos. Atualmente, estou revisando "Outono Negro".


7. Você utiliza rascunhos, anotações ou esboços para não se perder na escrita?

R: Utilizo um bloco de notas da Microsoft e às vezes até converso com os personagens para desenvolver melhor suas histórias.


8. O que não pode faltar durante seu processo criativo? Como lida com a falta de inspiração?

R: Música é essencial para mim, especialmente clássica e trilhas sonoras. Escrevo mesmo sem inspiração, pois considero a escrita um exercício contínuo.


9. O que podemos esperar de seus próximos livros?

R: Pode esperar um Slasher e um terror ao estilo de Lovecraft nos meus próximos livros.


10. Como você enxerga a vida dos autores no cenário político atual?

R: Vejo como uma situação complicada, já que os custos estão altos e os leitores muitas vezes precisam escolher entre comprar um livro ou algo para comer.


11. Que conselho você daria para alguém que quer escrever seu primeiro livro?

R: Leia muito e escreva muito.

[RESENHA #1009] Dengue boy: a infância do mundo, de Michel Nieva


RESENHA

Uma história sobre um futuro cyberpunk tropical e latino, com Dengue boy: A infância do mundo, Michel Nieva se revela uma das vozes mais interessantes na literatura latino-americana contemporânea.

No ano de 2272, a crise climática atinge um ponto intransponível. As zonas polares derreteram por completo, a temperatura média global é de 90°C e cidades como Nova York e Buenos Aires se encontram submersas. No extremo sul do continente, os Arquipélagos Patagônicos formam o Caribe Pampiano: de um lado, um balneário com belíssimas praias artificiais; de outro, uma miserável e tépida orla. É nesse cenário devastado que cresce o dengue boy.

Ninguém gosta do dengue boy. Na escola, seu aspecto bizarro e nojento o transforma no principal alvo das zombarias comandadas pelo pequeno tirano Dulce. Em casa, sua situação não é muito melhor. A mãe, exausta de seus dois empregos, não aguenta a bagunça feito pelo filho, que não possui mãos. E assim, deslocado, o esquisito mosquito humanoide vai levando sua vida, dia após dia, no mormaço insuportável do único canto ainda habitável da Terra.

Este é um livro sobre um fim do mundo. Uma prosa cyberpunk latino-americana, tropical e frenética. Um delírio de realidades moribundas, artificiais e virtuais, em que adultos negociam o valor de pandemias na Bolsa de Valores e esgarçam os últimos recursos terrestres. E, enquanto isso, crianças definem os rumos do que sobra como quem joga videogame.

Michel Nieva, uma das vozes mais interessantes e singulares da literatura argentina contemporânea, é um autor de ficção científica gaúcho-punk. Mergulhado em influências do universo do mangá, do body horror e do absurdo, o autor trabalha, com humor, cenas da vida no século 21. E nos transporta a um novíssimo século 23, no qual sua estrela brilha próxima a nomes como Franz Kafka, Ursula K. Le Guin, Jorge Luis Borges, David Cronenberg e Junji Ito.


RESENHA



A história se passa no ano de 2272, quando desastres ecológicos tornaram o planeta inabitável, atingindo temperaturas de até 90ºC. Apenas alguns poucos espaços na Antártida argentina ainda podem ser habitados, dependendo do dinheiro disponível para garantir conforto. Em meio a esse cenário infernal, surge a história do menino Dulce, um personagem complexo que enfrenta desafios únicos relacionados ao dengue infantil e suas consequências genéticas.


A trama revela uma luta feroz entre a natureza e a História, com elementos de humor e crítica política. A novela aborda temas distópicos e tecnocapitalistas, explorando um futuro possível e perturbador. Os personagens atravessam situações extremas, em um mundo marcado por desastres naturais e tramas financeiras sinistras.


Michel Nieva cria um universo rico em referências literárias e cinematográficas, misturando violência, conspirações e elementos sobrenaturais de forma original e envolvente. A crítica ao capitalismo e às desigualdades sociais é evidente, refletindo um mundo onde o dinheiro determina quem sobrevive e quem é deixado para trás.


Em meio a esse caos, a narrativa se destaca como uma comédia inteligente, repleta de paródias e homenagens a grandes autores. A ficção científica de Nieva desafia as convenções do gênero, oferecendo uma visão distópica e perturbadora do futuro da humanidade. Uma obra genial que faz refletir sobre as consequências de nossas escolhas e os impactos do capitalismo desenfreado em um mundo à beira do colapso.


A qualidade da novela é tão impressionante que, ao se deparar com a poderosa trama distópica e a prosa envolvente, você pode se perder em sua narrativa intrigante e divertida sobre um futuro plausível (exceto pelos elementos lovecraftianos). Porém, é importante também estar atento aos perigos e desastres naturais que são parte integrante da paisagem da história, mas representam ameaças reais no mundo real. Nieva trabalha arduamente para criar uma obra que, em última análise, tem como objetivo nos alertar sobre esses perigos iminentes. A novela pode ser interpretada em diversos níveis, de acordo com a sua narrativa de grandeza.


A obra de Michel Nieva é uma verdadeira obra-prima que combina elementos de ficção científica, distopia, crítica social e humor de forma brilhante. A trama complexa e envolvente nos leva a refletir sobre as consequências de nossas ações e as desigualdades sociais, enquanto nos mantém entretidos com um enredo cheio de reviravoltas e personagens cativantes. A narrativa inteligente e original de Nieva nos transporta para um mundo sombrio e perturbador, mas ao mesmo tempo nos instiga a pensar e questionar o nosso próprio futuro. Uma leitura imperdível para quem busca uma história envolvente, que vai além do entretenimento e nos faz refletir sobre o mundo em que vivemos.


O AUTOR

Michel Nieva (Buenos Aires/Argentina, 1988) é formado em filosofia pela Universidade de Buenos Aires e atualmente é professor na Universidade de Nova York. Em 2021, foi eleito pela revista Granta um dos melhores prosadores jovens em língua espanhola e, em 2022, recebeu, pelo conto “Dengue boy”, o prêmio O.

[RESENHA #1008] Nunca confie em uma geminiana, de Freja Nicole Woolf

Foto: Colagem Digital / Divulgação

APRESENTAÇÃO

Horóscopos preveem o futuro... certo? Em Nunca confie em uma geminiana , a jovem Cat Philips é viciada em astrologia e só tem um desejo para a temporada de Libra: encontrar o amor verdadeiro. Uma comédia divertida romântica com protagonismo lésbico e capa de Jenifer Prince (@jeniferrprince), com aparência das artes visuais com temática sáfica.

 A pré-venda com brindes acompanha um marcador de páginas e um baralho temático com os 12 signos do horóscopo.

Chegou a temporada de Libra e o amor está no ar. Mas a vida de Cat (aquariana), uma garota de 14 anos apaixonada por astrologia e poemas de amor, está cheia de problemas.

Primeiro, Cat é atropelada por um ônibus. Depois, tem que lidar com um pretendente (canceriano) de quem ela definitivamente não está a fim. Mas o pior de tudo é a paixão não correspondida de Cat pela melhor amiga, Alison Bridgewater (pisciana). Mas, quando a misteriosa e descolada Morgan Delaney (geminiana) mergulha no rio para salvar o caderno de Cat, uma nova faísca surge entre as duas.

Entre os altos e baixos da adolescência, será que Cat vai conseguir superar o crush de Alison e dar uma chance a Morgan? Ou será que ela deveria ser mais cautelosa? Afinal, Morgan é geminiana, e, se tem uma coisa que a Bíblia das Estrelas, o manual astrológico de Cat, a ensinado é a nunca — NUNCA — confiar em geminianos...


RESENHA


Foto: Arte Digital / Divulgação

"Nunca confie em uma geminianai" segue Cat, uma estudante de 14 anos obcecada por signos estelares e apaixonada por uma de suas melhores amigas, Alison Bridgewater. Apenas sua melhor amiga, Zanna, sabe como ela se sente. Os leitores podem acompanhar Cat em sua jornada enquanto ela tenta se abrir com Alison sobre seus sentimentos, apenas para ser guiada em uma nova direção pelas estrelas. O livro é dividido de acordo com as estações do zodíaco, o que adiciona um toque divertido à leitura.

A história foca no período dos quatorze anos de Cathleen Phillips, uma garota vive de acordo com seu livro de astrologia. Como aquariana, ela encontrou sua alma gêmea compatível, Alison Bridgewater, uma amiga ganense e branca, conforme indicado pelos gráficos. Cathleen está encantada por Alison, mas só sua melhor amiga, Zanna Szczechowska, sabe sobre seus sentimentos por garotas. Cathleen não confia em geminianos e pessoas com sotaque irlandês, o que a deixa em apuros quando Morgan Delaney, uma irlandesa geminiana, aparece na escola. Enquanto o ano astrológico muda, Cathleen se esforça para manter qualquer relacionamento romântico. Com sua personalidade acidentada e desajeitada, ela está determinada a alcançar um futuro idealista alinhado com seu signo. A autora, Woolf, apresenta os personagens com sinceridade, criando uma história cheia de emoções intensas e momentos divertidos.

Apesar de focar em uma personagem LGBTQ+, o livro retrata a jornada de Cat de uma maneira que parece mais voltada para jovens do ensino médio do que para jovens adultos. A imaturidade dos personagens e a falta de desenvolvimento real do caráter de Cat são pontos a serem considerados. Além disso, a quantidade de bullying retratada no livro parece exagerada, com um personagem em particular sendo muito desagradável sem enfrentar consequências significativas.

Cat é definitivamente uma personagem que não evolui, ela possui diversos pensamentos retrógrados e repletos de preconceito, ela pensa e age como alguém de sua idade: com imaturidade, e essa visão é uma chave que salva nossos pensamentos acerca da personagem.

"Nunca confie em uma geminiana" tem seus pontos positivos, apresentando uma personagem lésbica confortável com sua identidade e lidando com questões universais. É um livro indicado para adolescentes que estão lidando com paixões e questões de amizade, embora possa não agradar a todos os públicos jovens adultos devido à imaturidade dos personagens e ao enredo centrado principalmente em questões adolescentes.

Será que Cat conseguirá deixar de lado sua obsessão por Alison e seguir seus sentimentos por Morgan? Ou seria melhor ela ser cautelosa? Afinal, Morgan é geminiana, e de acordo com a Bíblia do Gato para as Estrelas, nunca se pode confiar completamente em um geminiano.

[RESENHA #1007] Gwen e Art não estão apaixonados, de Lex Croucher

Foto: Arte gráfica / Divulgação

APRESENTAÇÃO

Uma comédia romântica medieval queer sobre amores, amizade e a coragem necessária para fazer história.

Desde que nasceu, Arthur Delacey, descendente do rei Arthur e um futuro lorde com fama de devasso, está prometido a Gwendoline, a inteligente e geniosa princesa da Inglaterra. Mas eles parecem concordar em apenas uma coisa: quanto se detestam.

Às vésperas do casamento, Arthur é forçado a passar o verão em Camelot para se aproximar de Gwen. Porém, antes mesmo de terminar o primeiro dia de Art no castelo, Gwen o flagra beijando um rapaz.

Mas nem tudo está perdido para Art, que consegue chantageá-la em troca de silêncio após encontrar o antigo diário no qual a pequena Gwen confessava sua paixão pela única cavaleira mulher do reino, Bridget Leclair.

Detentores do segredo um do outro, Gwen e Art percebem que talvez seja melhor formarem uma aliança. A princesa só não imagina que, enquanto se entrega ainda mais à paixão por Bridget, Arthur vai se interessar pelo príncipe real.


RESENHA


Foto: Divulgação / Arte gráfica

Gwen, a princesa da Inglaterra, e Arthur, um futuro senhor, estão noivos desde jovens, mas se odeiam. Quando Arthur retorna para Camelot e Gwen o pega beijando um garoto, ele descobre que ela também pode ter segredos. Com medo de serem expostos, decidem fingir que estão apaixonados para se protegerem. No entanto, o plano pode não durar muito, já que Arthur se apaixona pelo irmão de Gwen, Gabriel, e ela passa mais tempo com Lady Bridget.

Os dois se tornam aliados relutantes ao descobrirem os segredos um do outro, garantindo uma proteção mútua ao fingir um romance. Mas com Gwen se aproximando de Bridget e Art se apaixonando por Gabriel, o caminho para o amor verdadeiro não será fácil. No final, Gwen e Arthur encontram a felicidade com outras pessoas, sendo Gwen apaixonada por Bridget e Arthur desenvolvendo sentimentos por Gabriel. Os personagens secundários, como Sidney e Bridget, impulsionam a história e ajudam os protagonistas em seus arcos de personagem. A jornada rumo ao amor verdadeiro pode ser complicada, mas juntos, eles conseguem superar todos os obstáculos.

Ao primeiro contato com a obra, poderemos inferir quase que instantaneamente que a autora trabalhará um enredo apaixonante entre o amor nutrido por duas pessoas que se odeiam, mas não é isso o que ocorre. A forma como a autora trabalha o romance medieval de forma inesperada torna a história deliciosamente divertida repleta de segredos e troca de farpas. Este é, se não, o melhor livro do gênero, um dos primeiros da lista à ser favoritado por todo leitor atento ao enredo.


A AUTORA

Lex Croucher cresceu em Surrey, Inglaterra, a ler muitos livros e a travar amizade com desconhecidos na Internet. Atualmente, vive em Londres com um gato idoso. Reputação é o seu romance de estreia. O seu primeiro romance young adult, Gwen and Art Are Not In Love, será publicado em 2023.


[RESENHA #1006] Os afegãos: Três vidas de um país marcado pelo Talibã, de Åsne Seierstad

Foto: Colagem Digital / Divulgação


APRESENTAÇÃO


Em Os afegãos, a renomada jornalista Åsne Seierstad mergulha na intricada tapeçaria da história do Afeganistão. A partir de três histórias individuais, conhecemos as fraturas políticas e sociais de um país marcado pelo extremismo e pela luta pela liberdade. 


Conhecida por seu estrondoso best-seller O livreiro de Cabul, de 2002, Seierstad retorna ao território afegão duas décadas depois, esmiuçando a tumultuada relação entre o país e o Talibã, grupo fundamentalista islâmico que voltou ao poder em 2021. Com Os afegãos, a jornalista norueguesa elabora uma investigação histórica e, ao mesmo tempo, constrói o complexo retrato de uma nação a partir de três vidas, três gerações que representam pontos de vista únicos.          


Através de entrevistas e testemunhos coletados pela autora, conhecemos as histórias que personificam os últimos cinquenta anos do Afeganistão: Jamila compreendeu desde a infância que precisaria arriscar tudo para garantir seu direito de estudar. A partir de uma interpretação própria do Alcorão, tornou-se uma proeminente ativista dos direitos das mulheres, sobretudo na área da educação. Bashir fugiu de casa aos 12 anos com o sonho de se tornar um combatente do jihad (a guerra santa). Já adulto e um comandante respeitado, ele era uma das principais lideranças talibãs quando o mundo testemunhou, em 2021, a Queda de Cabul. Ariana, uma jovem dos anos 2000 que cresceu em plena abertura democrática, era uma estudante de Direito prestes a se graduar quando o Talibã retomou o poder e começou a mitigar, de maneira ostensiva, a educação das meninas e mulheres.


Jamila e Ariana testemunham, em primeira mão, a fragilidade dos direitos das mulheres em regimes autocráticos. Não é por acaso que a opressão das mulheres, a religião e o feminismo são temas centrais em Os afegãos, e que estes sejam os primeiros pontos combatidos pelo novo regime.


Através desse retrato cindido, complexo e multifacetado, Os afegãos apresenta a história recente do Afeganistão, encarnada nas vivências, crenças e lutas individuais de seu povo, até os dias atuais.



RESENHA


Foto: Divulgação / colagem digital



Os afegãos é um livro de não-ficção escrito pela escritora e jornalista norueguesa Åsne Seierstad, publicado no Brasil pela editora Record, selo de não-ficção do Grupo Editorial Record. A obra retrata a vida de três pessoas que vivem no Afeganistão que tiveram suas vidas afetadas diretamente pela ação do talibã: Jamila, Ariana e Bashir.


A autora conta as histórias daqueles que fugiram do Talibã e daqueles que ficaram para trás. É a história de como uma menina a quem foi negada a educação usa o Islã para lutar pelos direitos das mulheres (Jamila). Sobre um menino que foge de casa para se tornar talibã e lutar numa guerra santa (Bashir). E uma menina que nasce quando as forças ocidentais ocupam o país e que acredita que depois de estudar direito poderá trabalhar e fazer parte da sociedade (Ariana).


A obra se inicia abordando a vida de Jamila desde seu nascimento. Ela nascera de uma família conservadora e extremamente religiosa que evitava a todo custo qualquer prática que colocava sua fé em julgo, como a medicina, que era tradicionalmente negada pelo pai, que, em situações de doença, recorria sempre à religião, rezas e orações. Jamila nasceu e se desenvolveu com marcas permanentes em sua mobilidade por conta do desenvolvimento da poliomielite na infância, o que a fez se arrastar pelo chão até os seus cinco anos de idade e a se acostumar ver o mundo do chão.  A família buscou, por anos, uma solução para o problema que tocava as pernas da filha através da religião, o que claro, não funcionou. A preocupação principal não era necessariamente a saúde da filha, mas os problemas que uma filha aleijada causaria nos planos da família durante a negociação de seu casamento, afinal, quem gostaria de se casar com uma mulher aleijada? O pai também se mostrava preocupado com a filha no quesito educação, visto, que, ela sempre estivera inclinada à frequentar a escola e adquirir conhecimento e leitura. Apesar do pensamento retrógrado do pai em relação à educação, ele, de certa forma, jamais privara Jamila de frequentar a escola.



A leitura perturba a mente e causa frustrações, provoca pensamentos que meninas não deveriam ter, o conhecimento gera angústia. O valor que tem para um eventual casamento diminuiria. Afinal, tudo girava em torno disso. O valor delas, o valor de mercado. (p.17)



A educação de Jamila fora pautada na possibilidade de seu casamento futuro, assim como de suas irmãs. Desta forma, nenhum homem de fora da casa poderia sequer saber seus nomes, uma vez, que, isso acarretaria em uma nódoa para família. Era portanto, necessário resguardar as filhas e controlar o que se era possível controlar para um casamento oportuno num futuro não tão distante. Os homens de fora não podiam sequer saber da existência das irmãs de Jamila, tampouco falar com elas ou saber seus nomes. Em visitas, todas se sentavam no chão de forma silenciosa, não lhe era permitido falar além dos balbucios e dos cochilos feitos pelos arredores da casa.


Com o tempo, Jamila inclinou-se e começou a andar por conta própria, ela sabia que o futuro dos seus irmãos era herdar os bens do pai, das irmãs o casamento e o dela, meramente permanecer com os pais, uma vez que jamais se casara por sua condição frágil e mobilidade reduzida. O tempo foi passando e uma nova história foi se erguendo, a de Ibrahim, um rapaz que atuava nos negócios de primeira instância e necessidade: caixões, xales, roupas e etc. Com o advento da guerra, Ibrahim, que sonhava em servir na guerra, fora batizado de Bashir, mensageiro da alegria.

 

Com o surgimento do estado de alerta provocado pela guerra, tornou-se preocupante a situação com a morte vinda de todas as direções, ar e terra.


A morte geralmente vinha de cima. Quando se ouvia o barulho do avião, ou silvo cortando o ar, já era tarde demais [...] Famílias que tentavam correr durante um ataque eram carbonizadas; grupos inteiros de crianças amontoadas atrás dos casebres eram reduzidos a cinzas [...] A morte também vinha do chão. Minas terrestres eram ardilosamente instalada em locais nas encostas das montanhas, ao longo das estradas e margens de rios (p. 29 - grifos meus).


Após a introdução de Jamila e Bashir, a autora nos convida a conhecer Ariana, uma garota de sete anos que cresce observando o horror da guerra em meio aos ensinamentos arcaicos dos poderes reduzidos das mulheres na sociedade, e que, para tanto, decide estudar direito para fazer parte de forma mais íntegra e participativa da sociedade, ou seja, tanto ela quanto Jamila acreditam no poder da educação para erradicar o veneno da sociedade para se livrarem das amarras do machismo e das leis que beneficiam em todos os aspectos o machismo.


A obra de Åsne Seierstad é uma poderosa e comovente narrativa que nos leva de volta ao Afeganistão em um momento de grande tumulto e mudança. A autora consegue captar a complexidade e a humanidade por trás das histórias de Jamila, Bashir e do homem desconhecido, oferecendo uma visão profunda e sensível da realidade afegã. Seu olhar perspicaz e sua habilidade de dar voz aos personagens tornam este livro uma leitura essencial para quem busca entender as nuances e desafios enfrentados por aqueles que vivem em meio ao caos da guerra e do extremismo. Mais do que uma simples reportagem, este é um relato que ecoa muito além das páginas, tocando o coração e a consciência dos leitores.

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