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Resenha: A leste do Éden, de John Steinbeck

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Em seu diário, o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, John Steinbeck, chamou A leste do Éden de seu “primeiro livro”. De fato, ele tem a energia primordial e a simplicidade de um mito. Ambientado nos campos férteis do vale do Salinas, na Califórnia, este livro grandioso e por vezes brutal acompanha o destino entrelaçado de duas famílias ― os Trask e os Hamilton ―, cujas respectivas gerações revivem impotentes a queda de Adão e Eva e a rivalidade deletéria de Caim e Abel.

Vindo do leste, Adam Trask chega à Califórnia para trabalhar em plantações e cuidar da família nessa nova terra repleta de promessas. Entretanto, o nascimento dos gêmeos, Caleb e Aaron, leva sua esposa à beira da loucura, restando a Adam criar os dois filhos. Enquanto Aaron cresce emanando amor por todas as coisas ao seu redor, Caleb segue solitário, envolto por uma névoa misteriosa, acreditando que o pai se importa apenas com seu irmão. E a eterna tensão entre os gêmeos se agrava ainda mais quando se apaixonam pela mesma mulher. É uma tragédia anunciada.

Publicado originalmente em 1952, em A leste do Éden Steinbeck desenvolveu seus personagens mais fascinantes e explorou os temas mais recorrentes de sua obra: o mistério da identidade, a inefabilidade do amor e as consequências devastadoras da ausência de afeto. Obra-prima da maturidade do autor estadunidense, este é um romance poderoso e ambicioso, a um só tempo a saga de uma família e uma transposição moderna do Livro de Gênesis.



RESENHA



Foto: Arte digital


O livro a leste de Éden nos fala sobre a saga familiar de Steinbeck, situada na zona rural da Califórnia entre a Guerra Civil e a Primeira Guerra Mundial, é repleta de escrita impressionante e tragédias impactantes.  No início, o narrador destaca a América no final do século XIX e início do século XX como um país de fronteira, onde um recém-chegado poderia construir uma nova vida trabalhando duro e aspirando proporcionar uma vida melhor para seus filhos. Infelizmente, as terras disponíveis não eram mais de igual qualidade, com os ricos conseguindo as melhores terras e os pobres ficando com as mais difíceis de cultivar e permanecendo na pobreza.


O avô do narrador, Samuel Hamilton, chegou ao Vale Salinas na Califórnia sem riquezas, aceitando o solo seco e pouco fértil, já que todas as melhores terras estavam ocupadas. Mesmo com sua bondade, inteligência e habilidade de encontrar soluções inovadoras, Samuel e sua família viviam sob constante ameaça da pobreza. A esposa de Samuel, Liza, é provavelmente ainda mais trabalhadora, criando os seus nove filhos nestas circunstâncias precárias. Liza, porém, não compartilha da capacidade de alegria de Samuel; ela desconfia da diversão e acredita que dançar é um convite ao diabo. Estóica e sem reclamar, Liza supera seu sofrimento com a convicção religiosa de que no final será recompensada por isso. Muitos anos depois dos Hamiltons, Adam Trask chega a Salinas já rico e compra uma propriedade estabelecida com boas terras agrícolas. Adam teve uma vida de altos e baixos. Sua mãe morreu quando ele ainda era recém-nascido. Seu pai, Cyrus, bebia e jogava antes mesmo de perder a perna na Guerra Civil. E, no entanto, o menino parece inspirar Cyrus a mudar seus hábitos. Ele se casa novamente rapidamente, tanto para dar uma mãe a Adam quanto para ter uma companheira para si, e tem com ela um segundo filho, Charles. Cyrus cria seus filhos e trabalha em sua fazenda com uma eficiência que nunca havia demonstrado em sua vida antes. Ele lê obsessivamente sobre a Guerra Civil e torna-se conhecido por seu conhecimento e procurado por seus conselhos; uma nova carreira que se torna lucrativa, apesar de ele quase não ter vivido a guerra.



Foto: Arte digital



Adam é um pouco parecido com seu meio-irmão Charles, que quase o matou de ciúmes quando jovem. O ódio de Charles vem do tratamento desigual de seu pai, que favorece Adam. Cyrus defende sua paternidade diferencial, apontando as diferenças entre os irmãos, como forçar Adam a se alistar no exército contra sua vontade, mas não Charles.


Na jornada para a idade adulta, Adam experimenta altos e baixos, sorte e azar. Agora, com dinheiro e uma esposa, Cathy, ele está ansioso para recomeçar em Salinas. No entanto, seu sonho de felicidade e contentamento é cego para os desejos de Cathy, que busca uma vida completamente diferente.


Quando o romance atinge seu clímax, fiquei surpreso com o fato de Steinbeck ter conseguido fazer com que eu me envolvesse tanto em seus personagens que fiquei fortemente afetado por sua narrativa. Os eventos devastadores e comoventes não foram necessariamente surpreendentes, o leitor sabe que eles estão chegando, você espera que o autor não vá por aí, mas Steinbeck está seguindo uma cadeia de causalidade tão impossível de negar quanto implacável e deixa você com a sensação de que isso é uma escrita e narrativa incríveis. Antes de prosseguir, há um aspecto deste romance que me surpreendeu e contribuiu para o meu grande respeito por ele. Um dos personagens principais do romance é Lee, um americano, contratado por Adam Trask como cozinheiro e que se torna amigo de longa data de Adam. Em um capítulo, logo depois de conhecermos Lee, Samuel e Lee começam a conversar. Samuel está curioso para saber por que escolheu falar pidgin quando também fala inglês excelente e nasceu na América. Por que ele usa a fila? Por que ele não volta para a China? Por que ele se contenta em trabalhar como servo? As respostas de Lee a essas perguntas são tão honestas quanto profundas e foram uma surpresa agradável para mim, visto que este romance foi publicado em 1952.


Os leitores modernos criticam Vinhas da Ira de Steinbeck por seu foco nos Okies, negligenciando a diversidade daqueles que lutavam no oeste dos Estados Unidos daquele período, particularmente o grande número de sino-americanos. Não tenho certeza se Steinbeck recebeu muitas críticas sobre esse ponto na época ou se Lee e esta passagem são respostas a isso. Mesmo que o fossem, isso não deveria diminuir o aspecto humanizador desta passagem. Pode até mostrar um lado da interação entre culturas que vale a pena celebrar e suportar. Hoje, existe um impulso cultural considerável contra até mesmo fazer perguntas como esta, com acusações que vão desde ser desencadeante até ser racista, embora seja difícil ver como deixar uma pessoa curiosa na ignorância proporciona alguma solução. Aqui, as perguntas de Samuel são feitas por pura curiosidade. Lee não se ofende com eles e pode ver que Samuel está desafiando sinceramente seus próprios preconceitos e suposições ao perguntar a eles. As respostas de Lee não são contra-acusativas, mas visam informar e educar Samuel sem julgamento. É uma passagem de destaque em um romance de destaque.


A leste do Éden, uma saga familiar inspirada na história da própria família de Steinbeck, conta a longa história de sobrevivência de uma família, com mudanças na sorte ao longo do tempo e das gerações. O romance apresenta temas de caráter herdado, destino e legado do passado que influencia o futuro. As complexas relações entre pai e filho dominam a história, mostrando que nem sempre hereditariedade é destino. Além disso, o livro faz alusões bíblicas, como o relacionamento de Caim e Abel entre Charles e Adam Trask. A busca por uma terra prometida e personagens como Samuel Hamilton e a misteriosa Cathy também têm significados profundos no enredo.


A obra discute um tema controverso, baseado em uma passagem do Gênesis e na palavra hebraica “timshel”, que trata do livre arbítrio versus o destino predeterminado. A interpretação dessa passagem afeta profundamente os personagens do romance, influenciando suas escolhas e visão de mundo. 


É relevante ressaltar que o autor baseia os principais temas do homem e de Deus na história de Caim e Abel. De acordo com sua visão, qualquer pessoa com nome iniciado com a letra “C” representa Caim, enquanto aqueles com nome iniciado com “A” devem refletir Abel. No entanto, esta abordagem contradiz a visão bíblica, sugerindo que o homem é neutro em relação a Deus e Ele faz escolhas sem sabedoria perfeita, sem conhecer plenamente o coração dos homens. A noção de que o homem é um inimigo de seu Criador, rebelando-se contra Ele, é uma importante doutrina cristã de antropologia explorada no livro.


A obra apresenta pensamentos interessantes misturados com a ideia de que Deus é cruel e o homem é vítima de seu Criador diante do sofrimento. O conflito entre Caim e Abel, que fizeram ofertas semelhantes sendo Caim desfavorecido por Deus, reflete essa perspectiva. É fundamental para os cristãos compreenderem que essa visão é simplista e equivocada. Muitas vezes, tendemos a transferir a culpa para os outros ou para Deus em nossos pecados, ao invés de assumirmos a responsabilidade. Devemos reconhecer a santidade de Deus e a nossa condição pecaminosa, ao invés de nos colocarmos como vítimas inocentes.


É essencial amar a humanidade, mas também conscientiza-la da verdade sobre nossa natureza pecaminosa. Como está escrito no Salmo 14:3, “Todos se extraviaram e juntamente se corromperam; não há quem faça o bem, não há nem um sequer.” É necessário compreender a santidade de Deus e reconhecer nossa dependência Dele para superar o orgulho e a arrogância que nos impedem de reconhecer a nossa própria culpa e necessidade de redenção. Que possamos buscar a verdade e a humildade diante do Senhor.


Ao final, "A leste de Éden" é uma obra-prima da literatura que combina uma narrativa envolvente com personagens complexos e temas universais. Steinbeck constrói um mundo rico e detalhado que nos transporta para o Vale Salinas e nos faz refletir sobre questões profundas sobre a natureza humana e o destino. Com uma escrita impressionante e uma trama cheia de reviravoltas e tragédias impactantes, este livro nos faz repensar nossa própria jornada e as escolhas que fazemos ao longo da vida. É uma leitura imperdível para quem busca uma obra literária profunda e marcante.

[RESENHA #1014] O showman: Os bastidores da guerra que abalou o mundo e forjou a liderança de Volodymyr Zelensky, de Simon Shuster

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Das coxias dos programas de auditório na Ucrânia às trincheiras da guerra contra a Rússia, Simon Shuster, jornalista correspondente da revista Time, retrata a vida e a liderança em tempos de guerra do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Baseado em quatro anos de reportagem, extensivas viagens ao front com o presidente e dezenas de entrevistas com ele, a esposa, os amigos e inimigos, os conselheiros, os ministros e os comandantes militares, O showman conta a história intimista e reveladora da evolução de um comediante a símbolo de resiliência, e de como ele conseguiu o apoio de tantos Estados democráticos à sua causa.

Realista sobre as falhas iniciais de Zelensky em garantir a paz e sobre sua disposição para silenciar dissidências políticas, o livro faz um retrato complexo de um homem lutando para romper o que considera um ciclo histórico de opressão, iniciado muitas gerações antes da sua. Mesmo com o avanço da guerra, Zelensky não deixa de lado a sua visão para o futuro do combate e, por meio de suas ações, cria estratégias surpreendentes para conter os russos e manter o Ocidente ao seu lado.

Como reportagem, O showman oferece a perspectiva essencial de testemunha ocular da história sobre um dos principais conflitos que definem o nosso tempo. Como estudo de liderança e determinação do ser humano, é um livro atemporal e universal.


RESENHA


Foto: Arte digital

Nove meses após a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, o correspondente da revista Time, Simon Shuster, foi convidado a entrar no comboio presidencial, onde poucos jornalistas haviam estado antes. Este acesso não implica que “Showman” seja uma biografia, embora fale abertamente da ascensão de Zelensky ao poder, o início da guerra, os problemas da Ucrânia contra a Rússia e as divergências políticas. Shuster fornece uma visão única dos bastidores da liderança de um país em guerra, com foco em Zelenskyy, que passou de artista satírico a presidente durante um período tumultuado em sua nação. O livro equilibra respeito e simpatia por esse homem corajoso e empático, enfrentando enormes desafios para proteger seu país, com uma visão crítica necessária a qualquer líder com tamanho poder e responsabilidade, que inevitavelmente cometerá erros de consequências duradouras.


A biografia do Showman é mais detalhada e profunda do que a maioria dos jornalistas conseguem obter dos políticos. Shuster é um biógrafo honesto e experiente, nascido em Moscou e criado nos EUA. Ele foi o primeiro repórter estrangeiro a chegar à Crimeia durante a tomada de Putin em 2014 e passou meses na equipe presidencial de Zelenskiy após sua eleição.


Apesar de seu relacionamento próximo com Zelenskiy, Shuster mantém sua integridade jornalística, escrevendo sobre os desafios e contradições do presidente. Ele destaca a coragem de Zelenskiy em enfrentar a invasão russa e sua determinação em manter a Ucrânia independente. No entanto, a posição política de Zelenskiy é desafiada pela crescente influência de Putin e pela falta de apoio dos EUA.


Enquanto Zelenskiy continua sua luta pela soberania ucraniana, a narrativa da biografia destaca sua busca por paz e seu desejo de negociar com Putin, mesmo após as atrocidades cometidas pelas forças russas. No entanto, a realidade brutal da guerra sugere que a paz será difícil de alcançar e que a Rússia continuará a representar uma ameaça para a Ucrânia.


Apesar dos desafios e sacrifícios, Zelenskiy permanece determinado em seu objetivo de livrar a Ucrânia da influência russa. Sua coragem e liderança são elogiadas, mas o preço da guerra tem sido alto. Enquanto a União Europeia e a OTAN podem oferecer alguma estabilidade futura, a batalha pela independência continuará a ser árdua e incerta.


O livro "O Showman: Os bastidores da guerra que abalou o mundo e forjou a liderança de Volodymyr Zelensky" de Simon Shuster é uma leitura poderosa e envolvente que nos leva para dentro dos bastidores de um dos momentos mais cruciais da história contemporânea.


A narrativa do livro é instigante e muito bem construída, conseguindo capturar a complexidade dos eventos que levaram à ascensão de Volodymyr Zelensky ao cargo de presidente da Ucrânia. A partir de uma abordagem jornalística minuciosa, Shuster nos apresenta não apenas os fatos, mas também os personagens envolvidos e as nuances políticas e sociais que moldaram esse cenário.


A capacidade do autor de contextualizar os eventos dentro de um panorama mais amplo, abordando a geopolítica e as relações internacionais, enriquece ainda mais a leitura e nos permite compreender a magnitude do impacto que a guerra teve não apenas na Ucrânia, mas em todo o mundo.


Além disso, a escrita de Simon Shuster é fluida e envolvente, tornando a leitura do livro uma experiência realmente cativante. A pesquisa detalhada e a profundidade com a qual ele aborda os temas fazem com que "O Showman" se destaque como uma obra de grande relevância para quem deseja entender melhor os desdobramentos da guerra na Ucrânia e o papel desempenhado por Zelensky.


Em suma, "O Showman: Os bastidores da guerra que abalou o mundo e forjou a liderança de Volodymyr Zelensky" é um livro essencial para aqueles interessados em política internacional, jornalismo investigativo e história contemporânea. Uma leitura que impacta, provoca reflexões e nos faz questionar sobre os desafios da liderança em tempos de crise. Recomendo fortemente a todos que buscam uma leitura instigante e esclarecedora.


[RESENHA #1006] Os afegãos: Três vidas de um país marcado pelo Talibã, de Åsne Seierstad

Foto: Colagem Digital / Divulgação


APRESENTAÇÃO


Em Os afegãos, a renomada jornalista Åsne Seierstad mergulha na intricada tapeçaria da história do Afeganistão. A partir de três histórias individuais, conhecemos as fraturas políticas e sociais de um país marcado pelo extremismo e pela luta pela liberdade. 


Conhecida por seu estrondoso best-seller O livreiro de Cabul, de 2002, Seierstad retorna ao território afegão duas décadas depois, esmiuçando a tumultuada relação entre o país e o Talibã, grupo fundamentalista islâmico que voltou ao poder em 2021. Com Os afegãos, a jornalista norueguesa elabora uma investigação histórica e, ao mesmo tempo, constrói o complexo retrato de uma nação a partir de três vidas, três gerações que representam pontos de vista únicos.          


Através de entrevistas e testemunhos coletados pela autora, conhecemos as histórias que personificam os últimos cinquenta anos do Afeganistão: Jamila compreendeu desde a infância que precisaria arriscar tudo para garantir seu direito de estudar. A partir de uma interpretação própria do Alcorão, tornou-se uma proeminente ativista dos direitos das mulheres, sobretudo na área da educação. Bashir fugiu de casa aos 12 anos com o sonho de se tornar um combatente do jihad (a guerra santa). Já adulto e um comandante respeitado, ele era uma das principais lideranças talibãs quando o mundo testemunhou, em 2021, a Queda de Cabul. Ariana, uma jovem dos anos 2000 que cresceu em plena abertura democrática, era uma estudante de Direito prestes a se graduar quando o Talibã retomou o poder e começou a mitigar, de maneira ostensiva, a educação das meninas e mulheres.


Jamila e Ariana testemunham, em primeira mão, a fragilidade dos direitos das mulheres em regimes autocráticos. Não é por acaso que a opressão das mulheres, a religião e o feminismo são temas centrais em Os afegãos, e que estes sejam os primeiros pontos combatidos pelo novo regime.


Através desse retrato cindido, complexo e multifacetado, Os afegãos apresenta a história recente do Afeganistão, encarnada nas vivências, crenças e lutas individuais de seu povo, até os dias atuais.



RESENHA


Foto: Divulgação / colagem digital



Os afegãos é um livro de não-ficção escrito pela escritora e jornalista norueguesa Åsne Seierstad, publicado no Brasil pela editora Record, selo de não-ficção do Grupo Editorial Record. A obra retrata a vida de três pessoas que vivem no Afeganistão que tiveram suas vidas afetadas diretamente pela ação do talibã: Jamila, Ariana e Bashir.


A autora conta as histórias daqueles que fugiram do Talibã e daqueles que ficaram para trás. É a história de como uma menina a quem foi negada a educação usa o Islã para lutar pelos direitos das mulheres (Jamila). Sobre um menino que foge de casa para se tornar talibã e lutar numa guerra santa (Bashir). E uma menina que nasce quando as forças ocidentais ocupam o país e que acredita que depois de estudar direito poderá trabalhar e fazer parte da sociedade (Ariana).


A obra se inicia abordando a vida de Jamila desde seu nascimento. Ela nascera de uma família conservadora e extremamente religiosa que evitava a todo custo qualquer prática que colocava sua fé em julgo, como a medicina, que era tradicionalmente negada pelo pai, que, em situações de doença, recorria sempre à religião, rezas e orações. Jamila nasceu e se desenvolveu com marcas permanentes em sua mobilidade por conta do desenvolvimento da poliomielite na infância, o que a fez se arrastar pelo chão até os seus cinco anos de idade e a se acostumar ver o mundo do chão.  A família buscou, por anos, uma solução para o problema que tocava as pernas da filha através da religião, o que claro, não funcionou. A preocupação principal não era necessariamente a saúde da filha, mas os problemas que uma filha aleijada causaria nos planos da família durante a negociação de seu casamento, afinal, quem gostaria de se casar com uma mulher aleijada? O pai também se mostrava preocupado com a filha no quesito educação, visto, que, ela sempre estivera inclinada à frequentar a escola e adquirir conhecimento e leitura. Apesar do pensamento retrógrado do pai em relação à educação, ele, de certa forma, jamais privara Jamila de frequentar a escola.



A leitura perturba a mente e causa frustrações, provoca pensamentos que meninas não deveriam ter, o conhecimento gera angústia. O valor que tem para um eventual casamento diminuiria. Afinal, tudo girava em torno disso. O valor delas, o valor de mercado. (p.17)



A educação de Jamila fora pautada na possibilidade de seu casamento futuro, assim como de suas irmãs. Desta forma, nenhum homem de fora da casa poderia sequer saber seus nomes, uma vez, que, isso acarretaria em uma nódoa para família. Era portanto, necessário resguardar as filhas e controlar o que se era possível controlar para um casamento oportuno num futuro não tão distante. Os homens de fora não podiam sequer saber da existência das irmãs de Jamila, tampouco falar com elas ou saber seus nomes. Em visitas, todas se sentavam no chão de forma silenciosa, não lhe era permitido falar além dos balbucios e dos cochilos feitos pelos arredores da casa.


Com o tempo, Jamila inclinou-se e começou a andar por conta própria, ela sabia que o futuro dos seus irmãos era herdar os bens do pai, das irmãs o casamento e o dela, meramente permanecer com os pais, uma vez que jamais se casara por sua condição frágil e mobilidade reduzida. O tempo foi passando e uma nova história foi se erguendo, a de Ibrahim, um rapaz que atuava nos negócios de primeira instância e necessidade: caixões, xales, roupas e etc. Com o advento da guerra, Ibrahim, que sonhava em servir na guerra, fora batizado de Bashir, mensageiro da alegria.

 

Com o surgimento do estado de alerta provocado pela guerra, tornou-se preocupante a situação com a morte vinda de todas as direções, ar e terra.


A morte geralmente vinha de cima. Quando se ouvia o barulho do avião, ou silvo cortando o ar, já era tarde demais [...] Famílias que tentavam correr durante um ataque eram carbonizadas; grupos inteiros de crianças amontoadas atrás dos casebres eram reduzidos a cinzas [...] A morte também vinha do chão. Minas terrestres eram ardilosamente instalada em locais nas encostas das montanhas, ao longo das estradas e margens de rios (p. 29 - grifos meus).


Após a introdução de Jamila e Bashir, a autora nos convida a conhecer Ariana, uma garota de sete anos que cresce observando o horror da guerra em meio aos ensinamentos arcaicos dos poderes reduzidos das mulheres na sociedade, e que, para tanto, decide estudar direito para fazer parte de forma mais íntegra e participativa da sociedade, ou seja, tanto ela quanto Jamila acreditam no poder da educação para erradicar o veneno da sociedade para se livrarem das amarras do machismo e das leis que beneficiam em todos os aspectos o machismo.


A obra de Åsne Seierstad é uma poderosa e comovente narrativa que nos leva de volta ao Afeganistão em um momento de grande tumulto e mudança. A autora consegue captar a complexidade e a humanidade por trás das histórias de Jamila, Bashir e do homem desconhecido, oferecendo uma visão profunda e sensível da realidade afegã. Seu olhar perspicaz e sua habilidade de dar voz aos personagens tornam este livro uma leitura essencial para quem busca entender as nuances e desafios enfrentados por aqueles que vivem em meio ao caos da guerra e do extremismo. Mais do que uma simples reportagem, este é um relato que ecoa muito além das páginas, tocando o coração e a consciência dos leitores.

[RESENHA #998] Fascismo eterno, de Umberto Eco


Publicado pela primeira vez em 1997, no livro Cinco escritos morais, esta nova edição chega aos leitores em um momento de ascensão mundial do flerte com o fascismo ― que, como denuncia Eco, longe de ser apenas um momento histórico vivo na Itália, na Europa (e no Brasil) do século XX, é uma ameaça constante à nossa sociedade. Esta reflexão, importante e necessária, ensina a pensar sobre o sentido da história e a importância da memória.

"O Ur-fascismo, ou fascismo eterno, ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: 'Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!'. Infelizmente, a vida não é tão fácil assim! O Ur-fascismo pode voltar sob vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas - a cada dia, em cada lugar do mundo." - Umberto EcoFascismo Eterno é um livro escrito por Umberto Eco, renomado intelectual italiano, que retrata de forma brilhante os aspectos históricos, sociais, políticos, geográficos e antropológicos relacionados ao fenômeno do fascismo. Publicado originalmente em 1995, esse ensaio provocativo é uma análise profunda e perspicaz sobre o fascismo e suas vertentes. 

RESENHA

O enredo do livro gira em torno da ideia de que o fascismo não é apenas uma memória distante e um episódio isolado da história, mas sim uma ideologia intrinsecamente ligada aos aspectos humanos. Eco explora diferentes períodos históricos e exemplos emblemáticos de regimes fascistas, como o fascismo italiano de Mussolini e o nazismo de Hitler, para demonstrar como o fascismo pode se manifestar de diferentes formas em diferentes contextos.

Os personagens principais dessa obra são os próprios regimes fascistas e suas lideranças. Eco analisa detalhadamente suas características, simbologia e manipulação de massa, destacando a importância da propaganda e do culto à personalidade na manutenção do poder.

A simbologia é um dos aspectos mais marcantes do livro. Eco discute amplamente o uso de símbolos e ícones nas ideologias fascistas, como a suástica nazista e a águia romana, e como esses símbolos podem ser usados como ferramentas de manipulação.

A mensagem principal que Eco busca transmitir em Fascismo Eterno é que o fascismo não é um evento isolado e distante, mas uma ameaça constante que pode surgir novamente a qualquer momento, especialmente em ambientes de crise política e social. Ele argumenta que é necessário estar constantemente vigilante para evitar a recorrência de ideologias totalitárias e autoritárias.

Umberto Eco nasceu em 1932, na cidade de Alessandria, na Itália. Além de escritor, foi professor universitário, filósofo, linguista e semioticista. Ele se destacou pela sua vasta obra literária, que mescla ficção e ensaios, e por sua análise afiada sobre fenômenos sociais e culturais.

Comparando Fascismo Eterno com outras obras de Eco, podemos perceber uma abordagem semelhante em relação à análise profunda de temas complexos. Em obras como "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault", Eco utiliza o suspense e a trama fictícia para explorar questões filosóficas e históricas.

[RESENHA #967] Antígona: Ela está entre nós, de Andréa Beltrão


Há 2.500 anos, Antígona, de Sófocles, é uma dramaturgia comovente que conquista a atenção dos espectadores. A história da princesa que desafiou um rei para que o corpo do próprio irmão fosse sepultado é reencenada brilhantemente por Andrea Beltrão – neste que é um de seus trabalhos mais audaciosos e que lhe rendeu o Prêmio APCA. Ao reinventar a tragédia grega, Andrea Beltrão não apenas concebe, junto ao diretor Amir Haddad, um sucesso de público e crítica, mas dá novo sentido a uma das personagens mais extraordinárias da história do teatro, posicionando-a frente a frente com as maiores lições de luta deste tempo.

Antígona é um símbolo de insubmissão. Alguém que converteu o luto em ativismo político. A perda, em força de vida. Ao recriá-la, Andréa Beltrão reconhece a magnitude de sua persistência e traz Antígona para o presente.

Neste livro, a atriz, produtora e diretora de teatro conta sobre o processo de criação e destaca os principais trechos que usa para refabular a história da jovem que desafia o Estado. Quem entra em contato com a Antígona de Andrea Beltrão não permanece incólume. A presença da protagonista pode ser vivenciada – através da tradução de Millôr Fernandes do texto de Sófocles, que acompanha integralmente esta edição –, como se estivéssemos no antigo Teatro de Dionísio. Ela está entre nós.

RESENHA

Antígona é uma adaptação teatral do clássico de Sófocles, traduzido por Millôr Fernandes, que narra a história de uma princesa que desafia o poder do rei para sepultar seu irmão morto em guerra. A peça, que estreou em 2017, é fruto da parceria entre a atriz Andréa Beltrão e o diretor Amir Haddad, que assinam juntos a dramaturgia.

A história de Antígona, de Sófocles, é uma tragédia grega que narra o conflito entre a princesa Antígona e o rei Creonte, sobre o destino do corpo de Polinice, irmão de Antígona, que morreu em guerra contra Tebas. Antígona quer sepultar o irmão, seguindo as leis divinas, mas Creonte proíbe, seguindo as leis humanas. Antígona desafia o rei e é condenada à morte, provocando uma série de desgraças na família real de Tebas. A peça é considerada um clássico da literatura mundial, que aborda temas como a liberdade, a justiça, o amor, o destino e a morte.  A obra é uma reflexão sobre a liberdade do cidadão diante do Estado, e sobre os conflitos éticos e morais que envolvem a escolha entre obedecer às leis humanas ou às leis divinas. Antígona representa a resistência, a coragem e a lealdade, mas também a rebeldia, a obstinação e a tragédia.

No palco, Andréa Beltrão interpreta todos os personagens da trama, usando apenas alguns adereços para mudar de identidade. Ela dialoga com a plateia em um ritmo acelerado e envolvente, que mistura humor e emoção. A atriz demonstra sua versatilidade e talento ao dar vida a Antígona, Creonte, Ismênia, Hêmon, Tirésias e outros.

Antígona é uma peça que traz a atualidade de um texto milenar, que fala sobre temas universais e atemporais, como o amor, a justiça, a honra, o destino e a morte. É uma obra que convida o espectador a pensar sobre o seu papel na sociedade, e sobre os valores que norteiam as suas ações.

[RESENHA #963] Os rostos que tenho, de Nélida Piñon

“Viver requer aestado artístico”. Em obra póstuma e inédita, a autora consagrada Nélida Piñon costura, através de 147 capítulos, o seu testamento literário: Os rostos que tenho.

Nélia Pinõn acreditava na importância de deixar rastros. Rastros de existência, da própria criação, de palavras que se incorporam a um legado para os que ficam. Com 147 capítulos curtos que lembram a estrutura de um diário, a autora consagrada esculpe uma extensa pluralidade de máscaras que flutua pelos meandros da vida, da arte e da mortalidade. Ao lado da pressa por escrever em contrapelo ao tempo que lhe resta, não habita a autocomiseração, mas a festa: “Luto para meus dias serem festivos. Só por estar viva, mesmo sem razão concreta, ergo a taça da ilusão”. Obra póstuma e inédita, Os rostos que tenho é, segundo o escritor Rodrigo Lacerda, o “testamento literário” de Nélida Piñon. 

A primeira escritora a se tornar presidente da ABL sabia do papel social e literário que exercem os registros que deixamos, as memórias que nos empenhamos para preservar. Através de textos curtos que, no entanto, não correm o risco de minguar na superfície, Nélida mergulha em suas próprias máscaras, tecendo um balanço de vida coeso, complexo e multifacetado. Os rostos que tenho nos apresenta a recortes de sua infância, na qual as línguas espanhola e portuguesa se entrelaçam, criando uma sinfonia cultural que ecoa através de sua vida e de sua literatura. Somos convidados, ainda, a conhecer sua relação íntima com a palavra, com a criação, com os seus contemporâneos. Em uma reflexão profunda sobre a mortalidade, reconhecemos a preciosidade de seus rastros e vontades de memória.

O prefácio desta primeira edição, assinado pelo escritor – e editor de Nélida Piñon - Rodrigo Lacerda, deixa um recado ao leitor:

“Haveria ainda muito a se falar sobre o testamento literário de Nélida Piñon e seus rostos mutantes, ou, como diz o capítulo 46, suas “máscaras”. É melhor, no entanto, deixar que os leitores se surpreendam com o livro. E se emocionem com as derradeiras perguntas que Nélida deixa no ar, vendo próximo o fim de uma vida inteira dedicada ao poder de invenção e reinvenção pelas palavras.”

RESENHA

Os rostos que tenho é um livro póstumo e inédito da escritora brasileira Nélida Piñon, considerada uma das maiores da língua portuguesa. Publicado em 2023 pela editora Record, o livro reúne 147 crônicas curtas, que lembram um diário, nas quais a autora reflete sobre sua vida, sua obra, sua relação com a palavra, seus amigos, seu amor, sua morte e seu Deus.

O nome da obra é uma alusão ao título do capítulo 46, ao qual Nélida adotou após uma reunião com os editores da obra, o titulo original desta obra é Andanças de Nélida, e foi escrito a obra como uma testamento literário enquanto escrevia, em contrapartia, seu último romance, como prefaciado por Rodrigo Lacerda.

O livro é dividido em 147 capítulos, que variam de uma a três páginas, e que abordam temas diversos, como a infância, a família, a cultura, a política, a literatura, a amizade, o amor, a solidão, a velhice, a morte e a fé. Nélida Piñon, que era filha de imigrantes espanhóis, mostra como sua identidade foi marcada pela convivência entre duas línguas e duas culturas, e como isso influenciou sua escrita. Ela também homenageia seus mestres e amigos, como Clarice Lispector, García Márquez, Susan Sontag, Rubem Fonseca, entre outros, e compartilha suas impressões sobre suas obras e suas vidas.

Os rostos que tenho é um livro que celebra a arte e a existência, em uma prosa lírica e envolvente. Nélida Piñon mostra sua paixão pela palavra, sua busca pela beleza, sua lucidez diante da realidade, sua coragem diante do sofrimento, sua esperança diante do mistério. É um livro que revela a grandeza de uma escritora que soube transformar sua vida em literatura, e sua literatura em vida.

A autora nos brinda com sua genialidade de forma poética e singela em cada capítulo,  sobretudo, quando faz afirmações ao divino no capítulo de abertura da obra, a eternidade: Deus é tão palpável quanto um pedaço de pão. Apieda-se da fome humana enquanto impõe-nos seu intransigente decálogo. E dissemina existir onde nos abrigaremos no futuro. Vale, pois, crer em tal divindade. (p.19); quando aborda a estética: A estética tem rosto, posso vê-lo. Assim, no exercício da arte, a estética é difusa, inconsútil, arcaica, carnal, mística, transcendente, arqueológica, vasta, profunda, tradicional, contemporânea, sobretudo, mestiça (p.21); quando aborda a humanidade: Quem repetirá, à beira da cama, palavras que decerto não foram alinhavadas pelo engenho e pela carência dos homens? (p.23).

A muito o que se declarar quando o tópico central da discussão é Piñon, Nélida esteve sempre à frente de seu tempo, não apenas em suas palavras e atitudes, mas em seu legado.

Nélida Piñon, que faleceu em 2022, aos 85 anos, em Lisboa, deixou um legado literário de grande valor e reconhecimento. Foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, em 1996, e recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais, como o Príncipe de Astúrias, da Espanha, em 2005. Em Os rostos que tenho, ela revela as múltiplas facetas de sua personalidade e de sua criação, em um testemunho sincero, poético e emocionante.

[RESENHA #958] A vida é cruel, Anamaria: Diálogos imaginários com minha mãe, de Fábio de Melo


“Depois que morre a minha mãe, morre também a minha obrigação de ser feliz.” – Fábio de Melo 


Com profunda sensibilidade e lirismo, A vida é cruel, Ana Maria apresenta ao leitor um depoimento franco sobre a desconstrução da mãe enquanto modelo idealizado e sobre o luto não só pela perda humana, material, mas também desta própria idealização. Ao reconstituir por meio de um diálogo imaginário a trajetória de humildade e privações de sua mãe e refletir sobre como isso moldou não só a visão de mundo dela, mas também a sua própria, Fábio de Melo escancara com crueza dos sentimentos, mais como filho do que como sacerdote, suas impressões sobre a fé e o amor, o ressentimento e as dores, as alegrias e crueldades de uma vida. É uma reflexão poderosa e comovente sobre a passagem do tempo e a finitude, uma obra capaz de sensibilizar e tocar a todos.


“Esqueça-se do que dela você já sabe, do que dela você já entendeu.

Veja a sua senhora como quem se dispõe ao detalhismo de uma pintura de Caravaggio. Leia as suas linhas como quem lê uma minuciosa descrição de Marcel Proust.

Faça como o personagem que andou em busca do tempo perdido. Molhe a madeleine no café com leite e viaje pelos caminhos que a reminiscência lhe sugerir.

Depois retorne, abrace a memória já perdoada, permita-se o choro que lava o passado nas águas do presente. E, já estando em perfeito acordo com as dores que colocam neblina sobre a lâmina dos olhos, veja como é linda a sua mãe.”


RESENHA

A vida é cruel, Ana Maria: Diálogos imaginários com minha mãe é um livro do padre e escritor Fábio de Melo, publicado pela editora Record em 2023. Neste livro, o autor compartilha sua experiência de luto pela morte de sua mãe, Ana Maria, em 2019, e reconstrói sua relação com ela por meio de conversas imaginárias.


O livro se inicia com uma citação de Mia Couto: “Mãe, nascerás sempre na pedra em que te escuto: a tua ausência, meu luto, teu corpo para sempre insepulto.” O poema transmite uma profunda dor e saudade pela perda da mãe. O eu lírico expressa que, apesar de sua mãe ter falecido, ela continuará sempre presente em sua vida, como uma pedra em que ele a escuta. A ausência da mãe é comparada ao luto eterno do eu lírico, que sente falta de seu corpo físico não ser mais presente, como se estivesse insepulto. Através dessas imagens, o poema tenta transmitir a intensidade da saudade e do vazio deixados pela mãe que se foi.


O livro é um relato emocionante e sincero, que revela os sentimentos mais profundos do autor sobre espiritualidade, religião, permanência, fé e amor, e também sobre a vida e seu legado. O autor mostra como sua mãe foi uma mulher humilde, que enfrentou muitas privações e dificuldades, mas que nunca perdeu a esperança e a alegria. Ele também reflete sobre como a visão de mundo de sua mãe influenciou a sua própria, e como ele teve que lidar com o ressentimento, as dores, as alegrias e crueldades de uma vida.


O livro é uma reflexão poderosa e comovente sobre a passagem do tempo e a finitude, uma obra capaz de sensibilizar e tocar a todos. O autor usa uma linguagem poética e lírica, que remete a obras de arte e literatura, como as pinturas de Caravaggio e as descrições de Marcel Proust. Ele também usa metáforas e imagens que evocam a memória e a saudade, como a madeleine molhada no café com leite.


A vida é cruel, Ana Maria: Diálogos imaginários com minha mãe é um livro que fala sobre a morte, mas também sobre a vida. É um livro que fala sobre a mãe, mas também sobre o filho. É um livro que fala sobre o luto, mas também sobre o perdão. É um livro que fala sobre a dor, mas também sobre o amor. É um livro que fala sobre a crueldade, mas também sobre a beleza. É um livro que fala sobre a fé, mas também sobre a dúvida. É um livro que fala sobre a humanidade, mas também sobre a divindade. É um livro que fala sobre o autor, mas também sobre o leitor. É um livro que fala sobre nós. 

[RESENHA #956] O fascismo eterno, de Umberto Eco

APRESENTAÇÃOUni convite ― um alerta ― para "" esquecer""; para não não dar esse mal como superado ― é o que faz Umberto Eco neste O fascismo eterno. Para nos lembrar que o "Ur-Fascismo", como o autor nomeia, ""ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis"".

O termo "fascismo" é facilmente adaptável porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará a ser reconhecido como tal. Entre as possíveis características do Ur-Fascismo, o ""fascismo eterno"" do título, estão o medo do diferente, a oposição à análise crítica, o machismo, a repressão e o controle da sexualidade, a exaltação de um ""líder"" e um constante estádo de ameaça. Tais características não podem ser reunidas em um único sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista.

Publicado pela primeira vez em 1997, no livro Cinco escritos morais, esta nova edição chega aos leitores em um momento de ascensão mundial do flerte com o fascismo ― que, como denuncia Eco, longe de ser apenas um momento histórico vivo na Itália, na Europa (e no Brasil) do século XX, é uma ameaça constante à nossa sociedade. Esta reflexão, importante e necessária, ensina a pensar sobre o sentido da história e a importância da memória. 

"O Ur-fascismo, ou fascismo eterno, ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: 'Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!'. Infelizmente, a vida não é tão fácil assim! O Ur-fascismo pode voltar sob vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas - a cada dia, em cada lugar do mundo." - Umberto Eco


RESENHA

O fascismo eterno é um ensaio famoso do escritor, filósofo e semiólogo italiano Umberto Eco. Ele foi publicado pela primeira vez em 1995 e apresenta uma análise profunda do fascismo, sua definição e seus aspectos e características essenciais. O ensaio se baseia nas vivências pessoais de Eco que cresceu sob o regime de Mussolini na Itália e na sua ampla pesquisa sobre movimentos fascistas. O ensaio oferece insights valiosos sobre a essência do fascismo e suas formas de expressão. O fascismo eterno foi uma palestra proferida, em inglês, em um simpósio organizado pelos departamentos de italiano e francês da Universidade de Columbia, em 25 de abril de 1995, para comemorar a libertação da Europa.

O livro explora as principais características do fascismo. Eco identifica quatorze elementos ou características fundamentais, que ele chama de “formas”, que costumam aparecer em movimentos fascistas. Embora nem todas essas características estejam presentes em todos os movimentos fascistas, elas criam um padrão identificável. São elas:

O culto à tradição”, marcado pelo sincretismo cultural, mesmo que isso implique em contradição interna. Quando toda a verdade já foi revelada pela tradição, não há espaço para novos conhecimentos, apenas para maior interpretação e aperfeiçoamento.

A rejeição do modernismo”, que considera o desenvolvimento racionalista da cultura ocidental desde o Iluminismo como uma queda na degeneração. Eco diferencia isso de uma rejeição superficial do progresso tecnológico, já que muitos regimes fascistas usam o seu poder industrial como evidência da vitalidade do seu sistema.

O culto da ação pela ação”, que afirma que a ação tem valor em si e deve ser feita sem reflexão intelectual. Isso, segundo Eco, está relacionado ao anti-intelectualismo e ao irracionalismo, e se manifesta frequentemente em ataques à cultura e à ciência modernas.

Discordância é traição” – o fascismo desvaloriza o discurso intelectual e o pensamento crítico como obstáculos à ação, bem como por receio de que tal análise revele as contradições inerentes a uma fé sincrética.

Medo da diferença”, que o fascismo busca explorar e intensificar, muitas vezes na forma de racismo ou de oposição a estrangeiros e imigrantes.

Apelo a uma classe média frustrada”, temendo a pressão econômica das demandas e aspirações dos grupos sociais mais baixos.

"Obsessão por uma conspiração" e a exaltação de uma ameaça inimiga. Isso muitas vezes combina um apelo à xenofobia com o medo da deslealdade e da sabotagem por parte de grupos marginalizados que vivem na sociedade. Eco também menciona o livro de Pat Robertson, A Nova Ordem Mundial, como um exemplo notável de obsessão por conspiração.

As sociedades fascistas classificam retoricamente os seus inimigos como “ ao mesmo tempo muito fortes e muito fracos ”. Por um lado, os fascistas usam o poder de certas elites desprivilegiadas para estimular nos seus seguidores um sentimento de ressentimento e humilhação. Por outro lado, os líderes fascistas apontam para a decadência dessas elites como prova da sua derradeira fraqueza diante de uma vontade popular avassaladora.

O pacifismo é negociar com o inimigo” porque “ a vida é uma guerra constante ” – deve haver sempre um inimigo para combater. Tanto a Alemanha fascista sob Hitler como a Itália sob Mussolini trabalharam primeiro para organizar e limpar os seus respectivos países e depois construir as máquinas de guerra que mais tarde pretendiam e utilizaram, apesar da Alemanha estar sob as restrições do Tratado de Versalhes para não construir uma força militar. Este princípio leva a uma contradição fundamental dentro do fascismo: a incompatibilidade do triunfo final com a guerra perpétua.

Desprezo pelos fracos”, que está desconfortavelmente casado com um elitismo popular chauvinista, no qual cada membro da sociedade é superior aos estranhos por pertencer ao grupo interno. 

Eco mostra que o fascismo de Mussolini não tinha uma ideologia definida, mas sim uma retórica. Um movimento sem substância e cheio de ideias contraditórias. De acordo com o autor, talvez isso tenha sido a origem de um “totalitarismo nebuloso”.

Assim, por contradições internas do fascismo e por não ser uma organização de ideias com objetivos claros e fixos – sob o ponto de vista histórico – a tese de Eco é desenvolvida para afirmar que o conceito de “fascismo” é flexível, pois é possível retirar de um regime fascista algum dos seus aspectos e este ainda será fascista. Um exemplo dado pelo autor: remova do fascismo as ambições imperialistas, e será possível caracterizar Franco e Salazar.

A seguir, Umberto Eco aponta uma lista de características comuns daquilo que chamou de “Ur-fascismo” ou “fascismo eterno”. Um certo “tradicionalismo” - sob uma perspectiva de oposição à modernidade -, a “ação pela ação” sem o pensamento prévio, a repulsa aos estrangeiros, são algumas das características mencionadas e explicadas pelo autor para reconhecer o “ur-fascismo”.

Este é um livro inteligente e de leitura muito simples e agradável.

[RESENHA #949] Puta livro bom, de Jason Mott

Um autor dos Estados Unidos acaba de publicar seu primeiro livro, um tremendo sucesso, intitulado Puta livro bom. Durante a turnê de divulgação, em meio a entrevistas, aventuras amorosas e ressacas monumentais, ele conhece um garotinho de pele muito, muito preta que passa a segui-lo feito uma sombra. Esse Garoto reaparece ao longo de toda a viagem falando da própria vida e dos pais, além de um plano louco do pai e da mãe: ensiná-lo a ficar invisível para que se protegesse do destino que a cor da sua pele lhe reservava.

E é verdade que o escritor é o único capaz de vê-lo;mas, como ele tem uma condição médica que o impede de distinguir imaginação de realidade, o autor tem certeza de que o menino não passa de fruto da sua mente. Logo, entretanto, suas visões se tornam mais intensas, forçando-o a encarar um passado do qual sempre tentou escapar e uma verdade que busca a todo custo encontrar corpo e voz.

Comovente e intenso, divertido e trágico, Puta livro bom é um livro sobre família, o amor entre pais e filhos, fama e dinheiro, mas também é um livro sobre o significado de ser negro nos Estados Unidos, um país onde são constantes as notícias de pessoas negras assassinadas pela polícia. Escrito de forma brilhante, com personagens marcantes e uma narrativa única, este livro merece seu título.

RESENHA


Acho que aprender a amar a si mesmo em um país onde dizem que você é uma praga para a economia, que você não passa de um prisioneiro em formação, que sua vida pode ser tirada de você a qualquer momento e há não há nada que você possa fazer a respeito – aprender a amar a si mesmo no meio de tudo isso? isso é um maldito milagre.

O livro Puta livro bom é de fato um puta livro. Jason Mott conta sua história em versos delineados repleto de muita dor e tristeza. O personagem que não se identifica fala-nos em primeira pessoa sobre sua família e experiências de vida na infância. Você percebe que um livro vai doer quando ele narra sobre como os pais ajudavam o protagonista a se defender ou se importar menos com o racismo, tudo isso de forma à se tornar invisível. A partir dai, ele começa a sofrer com bullying e racismo na escola por consta de sua cor [recebendo até o apelido de fuligem] e tudo isso reverbera de forma negativa dentro de si. O sofrimento e a dor descrita pelo personagem é extremamente dolorido, a forma como ele narra de forma velada como se sentia diante das críticas é algo extremamente dolorido. Imagina só, observar a dor através de uma janela sem nada poder fazer, é dolorido para um leitor com um coração de manteiga [como o meu]. E pasme, tudo isso apenas no primeiro capítulo da obra.

Notamos que para que ele se esvazie dos conflitos e dos comentários ele cria uma válvula de escape: um amigo imaginário, que, ao que parece, foi o único que o fez entender toda beleza e importância cultural em sua pele e cor. A narrativa ganha força quando ele tem que enfrentar o luto pela primeira vez na vida, ali, naquele instante, ele entende que ser ele mesmo era algo mortal e perigoso. Por mais que sua relação com os pais seja descrita de forma bela e amorosa, notamos que há sempre em si um pensamento contrário, porém, toda essa ótica vai se desconstruindo a partir da ótica do amor, da família, da amizade e da autodescoberta. Essa é uma história sobre descobertas, e por mais que doloridas, elas são lindas, pois contam com a narrativa uma ótica confusa [as vezes], mas incrivelmente emocionante. 

A obra que se inicia quase que como uma autobiografia sobre a vida de um autor que escreve um romance de mesmo título da obra, mostra-se muito menos amorosa quando descobre-se as nuances do preconceito, da perda de identidade, do bullying e do racismo, mas ela se reacende a cada página lida.

Ao passo de que somos apresentados a história do autor que está desenvolvendo seu romance, conhecemos a história por trás da obra. O autor recebeu algumas dicas de que escrever sobre ser negro, não era tão interessante, uma vez que, as pessoas preferem os contos floreados, não fúnebres e tão palpáveis em relação à sofrimento e dor, e claro, paralelamente conhecemos o personagem Fuligem, que acaba se identificando com o apelido dado na escola enquanto ele percorre por todos os lados acompanhando de um amigo que está sempre por perto, um garotinho negro de dez anos que o ajudará nesta árdua tarefa de descobrir as belezas por trás da vida. Essa caminhada começa com a visão de que ele não poderia se confessar sobre polícia, perseguição e racismo com o menino, então, ele introduz temas de autoaceitação e amor, e assim, começa a amar.

Puta livro bom é um romance que explora as complexidades da identidade negra, da violência policial, da família e da amizade. O autor, que também é o narrador sem nome, nos leva a uma jornada por sua vida e por seu livro, que conta a história de Fuligem, um menino negro que sofre com o racismo e a morte de seu pai. O autor enfrenta as pressões do mercado editorial, que quer que ele escreva sobre temas mais leves e menos políticos, e as críticas de quem acha que ele não representa a condição negra. Ele também encontra um aliado inusitado em The Kid, um garoto negro de dez anos que o acompanha em sua turnê do livro e que o ajuda a se reconectar com sua própria história.

O livro é uma obra-prima de criatividade e sensibilidade, que mistura realidade e ficção, humor e drama, esperança e dor. O autor usa uma linguagem envolvente e poética, que nos faz mergulhar nas emoções e nos pensamentos dos personagens. Ele também cria um contraste entre as duas narrativas, a do autor e a de Fuligem, que se aproximam e se distanciam ao longo do livro, até se encontrarem em um final surpreendente e emocionante. O livro é uma reflexão sobre o que significa ser negro em um mundo que oprime e exclui, mas também sobre o que significa ser humano em um mundo que precisa de amor e compreensão. O livro é um convite à leitura, à reflexão e à transformação.

[RESENHA #948] O amor natural, de Carlos Drummond de Andrade


APRESENTAÇÃO:  A poesia de motivação erótica tornou-se mais presente na obra de Drummond em seus últimos anos de vida. “Como se Eros estivesse jogando sua última cartada contra Tânatos”, escreveu, certa vez, Affonso Romano de Sant’Anna. De fato, entre 1984 e 1985, Drummond publicou Corpo e Amar se aprende amando, livros que já abordavam, se bem que de forma não tão explícita, a complexa temática do sexo e do desejo físico. Um terceiro volume de poemas amorosos, porém, permaneceu inédito até sua publicação póstuma, em 1992. É este O amor natural.

Aqui, desde o início, Drummond evoca o amor para que lhe sirva de guia. É o amor que em seus versos deverá reunir “alma e desejo, membro e vulva”. Segue-se, então, um desfile de imagens eróticas, em que o poeta rememora ou reinventa felações e sodomias; incursões a um “crespo jardim” e a uma “erma hospedaria”; orgasmos que em si conteriam nada menos que a “explicação do mundo”. A própria eternidade, sugere Drummond, é “puro orgasmo”.

A “boca milvalente”, a língua “lambilonga” e a bunda ― “bundamel bundalis bundacor bundamor” ― surgem, assim, como doces elementos de fantasia, libertando a sensualidade do poeta. Mas o que impera nestes versos, além do prazer físico, é certa saudade do amor, “palavra essencial” a integrar o chão, a cama e o cosmo.

As novas edições da obra de Carlos Drummond de Andrade têm seus textos fixados por especialistas, com acesso inédito ao acervo de exemplares anotados e manuscritos que ele deixou. Em O amor natural, o leitor encontrará o posfácio do poeta e tradutor argentino Manuel Graña Etcheverry, e bibliografias selecionadas de e sobre Drummond.

Bibliografias completas, uma cronologia de vida e obra do poeta e as variantes no processo de fixação dos textos encontram-se disponíveis por meio do código QR localizado na quarta capa deste volume.


RESENHA

O livro "O amor natural", do renomado escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade, foi publicado postumamente em 1992. Esta obra excepcionalmente poética e lírica traz consigo uma carga emocional intensa e revela uma diversidade de emoções, experiências e reflexões sobre o tema do amor.

A história do livro remonta ao período da década de 1950, quando Drummond decidiu escrever uma série de poemas eróticos. No entanto, apesar de seu esforço, ele nunca chegou a publicá-los em vida, pois considerava a temática erótica inaceitável para a sociedade conservadora da época.

O enredo de "O amor natural" se desenrola através de uma seleção de cinquenta e sete poemas que exploram diversos aspectos do amor físico e romântico. Drummond captura a essência das relações amorosas, desde os momentos de desejo e conquista até as experiências de intimidade, envelhecimento e perda. Sua escrita é carregada de sensibilidade e nostalgia, levando o leitor a uma reflexão profunda sobre a experiência humana do amor.

Os poemas "Amor — pois que é palavra essencial", "Era manhã de setembro", "O que se passa na cama", "A moça mostrava a coxa", "Adeus, camisa de Xanto" e "Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas" de Carlos Drummond de Andrade são uma expressão lírica do amor e da sensualidade, tema recorrente na poesia do autor.

No poema "Amor — pois que é palavra essencial", o autor explora a importância e o significado do amor como essencial para a vida humana. Drummond apresenta o amor como uma força vital que permeia todas as esferas da existência, destacando sua importância na superação de desafios pessoais e coletivos.

Em "Era manhã de setembro", o poema evoca uma atmosfera de nostalgia e melancolia ao descrever a manhã de setembro. O autor utiliza elementos sensoriais para retratar a sensação de transitoriedade e efemeridade da vida, destacando a beleza efêmera do momento presente.

Já em "O que se passa na cama", Drummond aborda a intimidade e a sexualidade com um tom poético e provocador. O poema sugere um jogo de sedução entre amantes, em que o autor revela uma cena erótica com delicadeza e sensualidade, explorando a subjetividade do momento íntimo.

"A moça mostrava a coxa" e "Adeus, camisa de Xanto" seguem a mesma linha temática de sensualidade e amor erótico. Nos poemas, Drummond utiliza uma linguagem poética para descrever o corpo feminino, exaltando sua beleza e provocando um erotismo sutil.

Por fim, "Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas" é um poema que combina elementos da natureza com a sensualidade do corpo feminino. Drummond cria uma metáfora poética ao comparar as pétalas de anêmonas castanhas com nalgas, misturando os elementos da flora com a sensualidade humana.

No geral, esses poemas de Drummond exploram o lado sensual e erótico do amor, utilizando uma linguagem poética e delicada para transmitir emoções e sensações. O autor consegue equilibrar a sensualidade com a beleza da poesia, criando imagens vívidas e provocativas que convidam o leitor a mergulhar em um universo de intimidade amorosa.

Não existe momento certo para começar a leitura de um livro intitulado "O amor natural". A intensidade das palavras poéticas destruirá qualquer possibilidade de reflexão e, na maioria das vezes, levará os leitores a se envolverem obsessivamente com as personagens. Os sentimentos avassaladores transmitidos pelas palavras de Drummond de Andrade são capazes de interromper qualquer outra leitura, e só resta aos leitores chegar ao fim desse amor tão natural e carnal.

Os poemas eróticos de Drummond de Andrade, publicados pela primeira vez em 1992, estão novamente disponíveis nas livrarias portuguesas. A editora responsável é a Companhia das Letras, que recentemente adentrou o mercado português e já obteve grande sucesso com o lançamento do livro "O Irmão Alemão" no ano passado. Essa escolha não poderia ser mais acertada e satisfatória para os leitores, pois a descrição de um corpo nu através de palavras poderosas é uma força da natureza. A exploração dos prazeres carnais, através de mãos e línguas, é uma verdadeira descoberta para o ser humano.

A jornada pelo prazer no corpo de uma mulher começa com o primeiro poema intitulado "Amor - pois que é a palavra essencial". O amor guia a exploração dos territórios carnais, e Drummond descreve o corpo entrelaçado em outro como uma fusão perfeita de dois seres que, para Platão, se tornam um só. Durante o ato, as sensações são mais poderosas do que os próprios sentimentos, e são expressas através de gemidos e palavras sussurradas. Não há fraquezas nos poemas de prazer de Drummond, e todas as sensações se sobrepõem às reflexões.

Corpos, bocas, órgãos genitais e muitos outros membros são retratados nas palavras de Drummond de Andrade, e não é surpreendente que o poeta tenha hesitado em publicar esses poemas. Sendo um livro póstumo, cabe ao leitor a responsabilidade e a criatividade ao desbravar essas páginas. Ao longo desse amor natural, o corpo feminino é considerado sagrado, enaltecendo a bunda e celebrando a liberdade de buscar outros desejos. Entre a adoração ao corpo da mulher, o erotismo e o amor, as palavras são cuidadosamente selecionadas para reverenciar um dos comportamentos mais primitivos entre homem e mulher: o sexo.

Em "O amor natural", o erotismo se torna arte e o conhecimento do corpo é poder. Num tempo em que a pornografia de mau gosto ganha cada vez mais força, é uma bênção ter acesso a palavras tão cuidadosas sobre amor e sexo. Vinte e quatro anos se passaram desde a primeira edição deste livro, mas a importância do erotismo ainda é relevante. Que outras obras de escritores talentosos, assim como Drummond, venham mostrar que escrever sobre sexo também pode ser uma forma de arte, e não apenas uma combinação de frases pornográficas e viciantes destinadas a leitores que não possuem tempo para reflexão.

Em relação à mensagem principal do livro, Drummond nos leva a refletir sobre as complexidades das relações amorosas e sobre a importância de abraçar nossa vulnerabilidade e aceitar as mudanças da vida. Ele também nos lembra que o amor é uma experiência universal, compartilhada por todos os seres humanos, independentemente de sua idade, origem ou contexto social.

Levando em consideração o contexto histórico, social e político da época em que foram escritos, os poemas de "O amor natural" são uma expressão de resistência e quebra de tabus. Drummond, ao escrevê-los, desafiou as normas sociais conservadoras e reivindicou o direito de explorar a temática erótica na literatura brasileira.

Em termos geográficos e antropológicos, o livro não aborda especificamente essas questões. No entanto, a universalidade dos temas e emoções explorados por Drummond tornam a obra relevantes para qualquer cultura ou contexto.

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902, e foi um dos mais importantes poetas brasileiros do século XX. Sua escrita se destacava pela simplicidade e profundidade, retratando temas universais sobre a existência humana, muitas vezes utilizando-se de uma linguagem coloquial. Entre suas obras mais conhecidas estão "Sentimento do Mundo" e "A Rosa do Povo".

Comparando "O amor natural" com outras obras de Drummond, podemos destacar uma constante na sua escrita: a introspecção. O autor tinha um talento único para explorar as complexidades da alma humana e revelar suas inquietações em sua poesia. Embora "O amor natural" seja único em sua temática e abordagem, ele reflete a sensibilidade característica do autor e sua capacidade de provocar emoções e reflexões profundas.

Em relação à crítica das informações coletadas, é necessário ressaltar que a abordagem histórica, social, política, geográfica e antropológica acerca do enredo de "O amor natural" é sutil. Embora o contexto histórico da época tenha influenciado a decisão de Drummond de não publicar esses poemas em sua vida, o livro em si foca principalmente nas emoções e nas experiências humanas universais, deixando de lado aspectos mais específicos dessas áreas.

No entanto, é importante ter em mente que cada leitor pode interpretar a obra de forma diferente e encontrar suas próprias conexões com os temas e simbolismos presentes em "O amor natural". Afinal, a poesia de Drummond é uma experiência pessoal e subjetiva, que nos convida a buscar significado e compreensão dentro de nós mesmos.

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