[RESENHA #835] Maré de mentiras, de Roberto Campos Pellanda


Sinopse: Anabela Terrasini vive em Sobrecéu, a mais poderosa das cidades marítimas. A vida previsível que ela leva chega ao fim com a notícia: o pai, o duque de Sobrecéu, está morto. No vazio de poder, em meio a conspirações que transformam velhos aliados em inimigos, Anabela compreende que o perigo que ela — e Sobrecéu — correm é muito real. Theo, o garoto sem sobrenome, vive sob o mantra: Nunca se envolver e nunca tomar partido. Mas quando a pequena Raíssa, uma menina muda que é a sua companheira de golpes nas ruas de Valporto, é sequestrada, Theo decide tomar para si a missão de resgatá-la. Na jornada, talvez ele encontre mais do que imagina e descubra que é hora de enterrar o passado — e o seu mantra — de uma vez por todas. Em Tássia, o comandante reformado Asil Arcan vive assombrado pelo conflito perdido vinte anos antes. Para Asil, a conta dos mortos é sua — e apenas sua. Em meio à miséria de uma existência sem sentido, ele passa a ser atormentado por estranhas visões: em um salão em chamas, uma menina pede por socorro. E se o chamado for verdadeiro? E se, junto com ele, houver também a chance de um recomeço?

RESENHA

Maré de Mentiras é um livro de fantasia adulta, escrito por Roberto Campos Pellanda, que narra as aventuras e conflitos de três personagens em um mundo dividido por guerras, intrigas e religião. O autor, que é doutor em literatura comparada e professor universitário, cria uma obra rica em detalhes, inspirações históricas e elementos fantásticos, que prende a atenção do leitor do início ao fim.

Os protagonistas são Anabela, Theo e Asil, que vivem em diferentes partes do mundo e têm suas vidas transformadas por eventos que os colocam em perigo e em contato com forças misteriosas. Anabela é a filha do duque de Sobrecéu, a mais poderosa das cidades marítimas, que precisa lidar com a morte do pai, as conspirações na corte e a ameaça de uma invasão. Theo é um ladrão que vive nas ruas de Valporto, uma cidade portuária, e que parte em busca de sua amiga Raíssa, sequestrada por um grupo estranho. Asil é um comandante reformado que carrega a culpa pela derrota na Guerra Santa, vinte anos atrás, e que começa a ter visões de uma menina em chamas, que parece pedir sua ajuda.

O estilo do autor é fluente, envolvente e criativo, misturando ação, suspense, drama e humor na medida certa. Os personagens são bem construídos, com personalidades, motivações e conflitos que os tornam humanos e cativantes. O autor também explora temas como política, religião, amizade, amor, lealdade, traição, sacrifício e redenção, que dão profundidade e relevância à obra. Além disso, o autor cria um universo fantástico, com uma geografia, uma história, uma cultura e uma mitologia próprias, que fascinam e surpreendem o leitor.

O livro é o primeiro volume da série Mar Interno, que promete ser uma saga épica e emocionante, com reviravoltas, revelações e desafios para os personagens e para o mundo que eles habitam. O livro termina com um gancho que deixa o leitor ansioso pela continuação, que deve ser lançada em breve.

A simbologia do livro está presente em vários aspectos, como nas cores, nos nomes, nos animais e nos objetos. Por exemplo, o azul é a cor de Sobrecéu, que representa o céu, o mar e a nobreza. O vermelho é a cor de Tássia, que representa o fogo, o sangue e a guerra. Os nomes dos personagens também têm significados relacionados à sua personalidade ou ao seu destino. Anabela significa “cheia de graça”, Theo significa “deus” e Asil significa “protetor”. Os animais que aparecem no livro também têm um papel simbólico, como o dragão, que representa o poder, o mistério e o perigo, e o cavalo, que representa a liberdade, a força e a lealdade. Os objetos que os personagens usam ou encontram também têm um valor simbólico, como o colar de pérolas de Anabela, que representa sua herança e sua identidade, o anel de Theo, que representa seu passado e seu segredo, e a espada de Asil, que representa sua honra e sua culpa.

A importância e a relevância cultural do livro estão em sua capacidade de entreter, educar e inspirar o leitor, que pode se identificar com os personagens, aprender com suas lições e se maravilhar com suas aventuras. O livro também contribui para a valorização da literatura fantástica nacional, que tem crescido e se diversificado nos últimos anos, mostrando que o Brasil tem autores talentosos e originais, capazes de criar obras de qualidade e de alcance internacional.

Maré de Mentiras é, portanto, um livro imperdível para os fãs de fantasia, que buscam uma leitura envolvente, criativa e emocionante. O autor demonstra sua habilidade narrativa, sua imaginação fértil e sua sensibilidade artística, criando uma obra que merece ser lida, relida e recomendada. Maré de Mentiras é um livro que não decepciona, que surpreende e que encanta. É um livro que faz o leitor mergulhar em um mar de emoções e de mentiras, mas também de verdades e de esperanças.

Portal Fazia Poesia abre chamada para equipe de poetas de 2024


Uma das referência no cenário da poesia independente contemporânea, o portal Fazia Poesia está com inscrições abertas para a sua equipe de poetas, que integrarão sua plataforma no Medium, a partir de 2024. Os interessados podem participar pelo edital disponível no site faziapoesia.com.br, até o dia 1 de dezembro, ou até atingir o limite de 300 inscrições. O resultado será divulgado no dia 15 de janeiro de 2024 pelo Instagram do portal (@faziapoesia) e os selecionados também serão informados por e-mail.

"Este ano vamos selecionar cerca de 50 pessoas. Para a inscrição ser concluída é necessário preencher o formulário oficial, disponibilizado tanto no edital quanto no artigo publicado no portal, no qual o inscrito deverá enviar seus dados, responder algumas breves perguntas e submeter quatro poemas", explica o editor-chefe do portal, Alex Zani. A participação será permitida apenas a pessoas com mais de 18 anos que possuam uma conta na plataforma Medium, onde o portal é hospedado.

A chamada deste ano tem como tema “Memória” que está presente na proposta de exercício para escrita do poema inédito que deve ser submetido junto à inscrição e também em toda a identidade da chamada: "Adotamos como mascote do projeto os galos e as galinhas domésticas, que podem trazer um aspecto de nostalgia, lembrança, de boas memórias para as pessoas que tiveram uma infância no interior. Ao mesmo tempo em que significa um despertar, um literal “acordar” para a possibilidade de mostrar a poesia ao mundo, integrando a nossa equipe de poetas", conta Zani.

Criado em 2016, o portal Fazia Poesia hoje conta com uma equipe de mais de 250 poetas – que alimentam o veículo com dois a quatro poemas por dia – e mais de vinte mil acessos mensais. Dedicado a promover a poesia em um momento no qual a produção contemporânea ganha novos contornos e significados, o portal se destaca por ser um espaço de troca e de celebração desse gênero literário. Para 2024, o portal tem planos de promover ações para aproximar os integrantes da equipe de poetas, como a criação de um grupo de estudos e eventuais disparos de exercícios que possam servir de estímulo para a escrita de poemas. "Além disso, temos uma super novidade que é a criação de um selo editorial", revela o editor-chefe.

Para mais informações sobre a seleção e acesso ao edital, clique aqui.

[RESENHA #797] Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

Grande sertão: veredas é um romance publicado em 1956 pelo escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), considerado um dos mais importantes da literatura brasileira e universal. A obra faz parte da terceira fase do modernismo, caracterizada pela experimentação linguística e pela abordagem de temas existenciais.

O livro narra a vida de Riobaldo, um ex-jagunço que conta suas aventuras, seus conflitos, seus amores e suas angústias ao longo de uma extensa conversa com um interlocutor desconhecido. Riobaldo vive no sertão, um espaço geográfico e simbólico que representa o cenário das lutas entre os bandos de jagunços, mas também o palco das reflexões sobre o bem e o mal, o destino e a liberdade, Deus e o diabo.

A obra se destaca pelo estilo inovador de Guimarães Rosa, que cria uma linguagem própria, baseada na oralidade, na inventividade, no uso de arcaísmos, neologismos, regionalismos e estrangeirismos. O autor também explora os recursos sonoros, rítmicos e imagéticos da língua, criando uma prosa poética de grande beleza e expressividade.

Os principais personagens do romance são Riobaldo, o protagonista e narrador; Diadorim, seu amigo de infância e grande amor, que esconde um segredo; Joca Ramiro, o chefe dos jagunços que representa a honra e a justiça; Hermógenes, o inimigo de Riobaldo e Joca Ramiro, que encarna o mal; Medeiro Vaz, o sucessor de Joca Ramiro e mentor de Riobaldo; e Zé Bebelo, o fazendeiro que se rebela contra os jagunços e depois se alia a eles.

O romance é repleto de ensinamentos, que podem ser extraídos das falas de Riobaldo, das histórias que ele conta, das citações que ele faz de autores clássicos e populares, e das metáforas que ele usa para ilustrar suas ideias. Alguns exemplos de citações marcantes são:

- "Viver é muito perigoso..."

- "O diabo na rua, no meio do redemunho..."

- "O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais."

- "O sertão é do tamanho do mundo."

- "Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo."

O romance também é rico em simbologia, que pode ser percebida nos nomes dos personagens, nos animais, nas plantas, nas cores, nos números, nos gestos, nos objetos, nos rituais, nos mitos e nas lendas que compõem o universo sertanejo. Por exemplo, o nome Riobaldo remete ao rio e ao fogo, elementos que representam a vida e a morte, a purificação e a destruição, a fluidez e a paixão. O nome Diadorim significa "o que atravessa o rio", o que sugere uma travessia, uma transformação, uma passagem de um estado a outro.

O romance também tem uma importância e uma relevância cultural imensas, pois retrata a realidade e a cultura do sertão brasileiro, valorizando a sua diversidade, a sua riqueza, a sua originalidade e a sua resistência. Além disso, o romance dialoga com outras obras da literatura nacional e universal, como Os Sertões, de Euclides da Cunha; Macunaíma, de Mário de Andrade; Dom Quixote, de Miguel de Cervantes; e Fausto, de Goethe.

Guimarães Rosa foi um escritor, médico e diplomata, que nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, em 1908, e morreu no Rio de Janeiro, em 1967. Foi um dos maiores renovadores da literatura brasileira, criando uma obra única e original, que mescla o regional e o universal, o erudito e o popular, o real e o fantástico. Além de Grande sertão: veredas, escreveu outras obras importantes, como Sagarana, Corpo de Baile, Primeiras Estórias e Tutaméia.

Grande sertão: veredas é, sem dúvida, uma obra-prima, que merece ser lida, relida, estudada e admirada por todos os que amam a literatura e a arte. É um livro que nos desafia, nos emociona, nos ensina e nos encanta, com sua linguagem, sua história, seus personagens, seus temas e seus mistérios. É um livro que nos revela o sertão, o Brasil e o mundo, mas também nos revela a nós mesmos, em nossa complexidade e nossa humanidade.

[RESENHA #764] Cartas, de Caio Fernando Abreu

Devolvemos ao público este volume de correspondência de Caio Fernando Abreu, esgotado havia vários anos, depois da pioneira edição pela editora Aeroplano, de 2002, uma iniciativa de Heloisa Buarque de Hollanda, composta por cartas enviadas por Caio a Maria Adelaide Amaral, Hilda Hilst, Flora Süssekind, Cida Moreira, Gilberto Gawronski, Jacqueline Cantore, João Silvério Trevisan, Mario Prata, entre outros. A presente edição das cartas de Caio marca os vinte anos de sua morte, ocorrida em 1996, e vem atualizada e enriquecida pelo acréscimo de cartas e cartões.

RESENHA

Cartas, de Caio Fernando Abreu, é uma coletânea de correspondências do escritor gaúcho com diversos amigos, colegas, familiares e amores, entre os anos de 1968 e 1995. O livro, organizado por Italo Moriconi, foi lançado em 2016, vinte anos após a morte de Caio, e traz uma visão íntima e reveladora de sua personalidade, de sua trajetória literária e de sua época.

Caio Fernando Abreu é considerado um dos principais representantes da literatura brasileira contemporânea, com uma obra marcada pela temática LGBT, pela abordagem da vida urbana, pela angústia existencial e pela busca de sentido em um mundo fragmentado e hostil. Seu estilo é econômico, direto, poético e confessional, misturando ficção e realidade, sonho e pesadelo, humor e melancolia.

Nas cartas, o leitor pode acompanhar as diferentes fases da vida e da carreira de Caio, desde sua estreia como contista na revista Cláudia, em 1966, até sua consagração como autor premiado e admirado pelo público e pela crítica. As cartas também revelam seus conflitos pessoais, como sua homossexualidade, sua relação com a família, sua perseguição pela ditadura militar, seu exílio na Europa, sua descoberta do HIV e sua luta contra a AIDS.

As cartas são endereçadas a nomes importantes da cultura brasileira, como Hilda Hilst, Maria Adelaide Amaral, João Gilberto Noll, Mário Prata, João Silvério Trevisan, Gilberto Gawronski, Cida Moreira, Flora Süssekind, entre outros. Nessas correspondências, Caio demonstra sua admiração, sua amizade, seu afeto, sua generosidade, sua sinceridade, sua ironia, sua crítica, sua solidariedade e sua saudade. Ele também comenta sobre seus projetos literários, suas leituras, suas influências, suas opiniões, seus desejos, seus medos, suas dores e suas esperanças.

As cartas são documentos valiosos para entender a obra e a vida de Caio Fernando Abreu, bem como o contexto histórico, social e cultural em que ele estava inserido. Elas são testemunhos de uma época marcada por transformações, conflitos, repressão, resistência, liberação, diversidade, violência, epidemia, morte e amor. Elas são, sobretudo, expressões de uma sensibilidade única, de uma voz autêntica, de uma escrita que emociona e provoca.

Cartas, de Caio Fernando Abreu, é um livro indispensável para os fãs do escritor, para os estudiosos da literatura e para os leitores que apreciam uma boa prosa. É um livro que nos aproxima de um dos maiores nomes da nossa literatura, que nos faz rir, chorar, pensar e sentir. É um livro que nos mostra que as cartas, além de serem uma forma de comunicação, são também uma forma de arte.


[RESENHA #763] Contos completos, de Caio Fernando Abreu


Pela primeira vez, a reunião de todos os contos de um dos autores mais viscerais da contracultura brasileira.

Publicados entre as décadas de 1970 e 1990, os contos de Caio Fernando Abreu são o retrato de uma geração. Os tempos autoritários e sombrios dos anos de chumbo aparecem nesta reunião não apenas como pano de fundo, mas como parte constituinte de uma prosa que se consagrou pelo estilo combativo e radical. Vida e obra, aqui, se misturam a ponto de biografia se transformar em literatura e vice-versa.

Em Contos completos, o leitor tem a chance de percorrer toda a produção do autor no gênero da prosa breve. O volume abarca seis títulos ― Inventário do ir-remediável (1970), O ovo apunhalado (1975), Pedras de Calcutá (1977), Morangos mofados (1982), Os dragões não conhecem o paraíso (1988) e Ovelhas negras (1995) ―, além de dez contos avulsos, sendo três deles inéditos em livro. O livro inclui, por fim, textos de Italo Moriconi, Alexandre Vidal Porto e Heloisa Buarque de Hollanda, que jogam luz sobre a atualidade de Caio Fernando Abreu.

Ao escrever sobre amor, morte, medo, sexualidade, solidão e alegria, o autor de Onde andará Dulce Veiga? constrói personagens complexos e absolutamente profundos em cada detalhe. Com verve e sensibilidade, o “escritor da paixão”, na alcunha de Lygia Fagundes Telles, soube como ninguém combinar delírio e lucidez, euforia e angústia, luz e sombra.

RESENHA

Contos completos é uma obra que reúne toda a produção do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu no gênero da prosa breve. Publicados entre as décadas de 1970 e 1990, os contos refletem a visão de uma geração marcada pelos tempos autoritários e sombrios da ditadura militar, pela contracultura, pela diversidade sexual e pela angústia existencial.

O estilo de Caio Fernando Abreu é econômico, direto e poético, misturando realidade e fantasia, delírio e lucidez, euforia e angústia. Suas histórias são repletas de personagens complexos, que vivem à margem da sociedade, em busca de amor, sentido e liberdade. O autor aborda temas como sexo, drogas, morte, solidão, violência, medo e alegria, sem medo de chocar ou emocionar o leitor.

O livro contém seis coletâneas de contos: Inventário do irremediável (1970), O ovo apunhalado (1975), Pedras de Calcutá (1977), Morangos mofados (1982), Os dragões não conhecem o paraíso (1988) e Ovelhas negras (1995), além de dez contos avulsos, sendo três deles inéditos em livro. Cada coletânea tem sua própria identidade e atmosfera, mas todas revelam a sensibilidade e a originalidade do autor.

Alguns dos contos mais famosos e impactantes são: "Sargento Garcia", que narra o encontro entre um jovem militante e um torturador; "Dama da noite", que apresenta o monólogo de uma travesti solitária; "Os sobreviventes", que mostra a vida de um grupo de amigos em meio à epidemia da AIDS; "O amor, essa palavra", que conta a história de um casal de lésbicas que se separa; e "Aqueles dois", que descreve a relação entre dois homens que trabalham no mesmo escritório.

Os contos de Caio Fernando Abreu são ricos em simbologia e referências culturais, que vão desde a mitologia grega até a música pop, passando pela religião afro-brasileira, pelo cinema, pela literatura e pela astrologia. O autor também explora a linguagem de forma criativa, usando neologismos, estrangeirismos, gírias e coloquialismos.

A importância e a relevância cultural de Caio Fernando Abreu são inegáveis. Ele foi um dos expoentes da literatura brasileira contemporânea, que soube retratar com maestria o seu tempo e o seu espaço, além de expressar os sentimentos e os conflitos de uma geração. Sua obra influenciou e continua influenciando diversos escritores, artistas e leitores, que se identificam com a sua voz e a sua visão de mundo.

Caio Fernando Abreu nasceu em Santiago, no Rio Grande do Sul, em 1948. Desde cedo, demonstrou interesse pela literatura, publicando seu primeiro conto aos 18 anos. Estudou letras e artes cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas não concluiu os cursos. Trabalhou como jornalista em diversas revistas e jornais, como Veja, Manchete, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Em 1973, exilou-se na Europa, fugindo da repressão da ditadura militar. Voltou ao Brasil em 1974 e retomou sua carreira literária. Morou em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, onde participou ativamente da cena cultural. Em 1994, descobriu ser portador do vírus HIV e voltou a morar com os pais em Porto Alegre. Morreu em 1996, aos 47 anos, vítima de complicações decorrentes da AIDS.

Contos completos é um livro essencial para quem quer conhecer a obra e a personalidade de Caio Fernando Abreu, um dos maiores nomes da literatura brasileira. É uma obra que emociona, provoca, surpreende e encanta, pela sua força, pela sua beleza e pela sua autenticidade. É um livro que merece ser lido, relido e compartilhado, pois é um testemunho vivo de uma época, de uma cultura e de uma arte.

[RESENHA #762] Triângulo das águas, de Caio Fernando Abreu


"Triângulo das águas", publicado originalmente em 1983 e há anos fora de catálogo, é um dos melhores livros de Caio Fernando Abreu (1948-1996). Reconhecido com o Prêmio Jabuti – a naior honraria literária brasileira –, Triângulo é também um título exemplar do ponto de vista do estilo do autor: nas linhas das novelas que o compõem – "Dodecaedro", "O marinheiro" e "Pela noite" – encontram-se cristalizadas algumas constantes na obra de Caio. A alma perdida em busca de alguma coisa (às vezes afeto), a verborragia e as referências que, longe de afetadas, exalam sinceridadee aproximam os leitores, a vida sob o signo da madrugada, as boas-vindas aos mistérios da existência, concretizados, neste livro, pela presença da astrologia (inclusive no título), e o tom confessional-desesperado.

RESENHA

Triângulo das águas é um livro de Caio Fernando Abreu, escritor, jornalista e dramaturgo brasileiro, considerado um dos expoentes da literatura brasileira dos anos 80. Publicado originalmente em 1983, o livro reúne três novelas que têm como elemento comum a água, simbolizando as emoções, as transformações e as memórias dos personagens. As novelas são: Dodecaedro, O marinheiro e Pela noite.

Dodecaedro narra a história de um homem que, após uma decepção amorosa, se isola em um apartamento e passa a receber cartas misteriosas de uma mulher que diz ser sua amante. A cada carta, ele recebe um fragmento de um dodecaedro, um sólido geométrico de doze faces, que representa o universo e a complexidade humana. A narrativa é marcada pela angústia, pela solidão e pelo erotismo, em um clima de suspense e mistério.

O marinheiro conta a trajetória de um jovem que embarca em um navio rumo à Europa, em busca de aventura e liberdade. No entanto, ele se depara com uma realidade hostil e violenta, que o faz questionar seus sonhos e sua identidade. O mar é o cenário e o símbolo da viagem existencial do protagonista, que enfrenta o medo, a morte e o amor.

Pela noite é a novela mais autobiográfica do livro, na qual o autor relata suas experiências durante o exílio na Europa, nos anos 70, fugindo da ditadura militar brasileira. O narrador é um escritor que vive em Paris, mas que sente saudades de sua terra natal e de seu passado. A noite é o tempo e o espaço da nostalgia, da reflexão e da criação, em que o narrador se comunica com seus fantasmas e seus desejos.

O estilo de Caio Fernando Abreu é caracterizado pela economia de palavras, pela fluência e pela musicalidade. O autor utiliza recursos como a metáfora, a aliteração, a repetição e a intertextualidade, criando textos densos e poéticos. Além disso, o autor explora temas como a homossexualidade, a marginalidade, a violência, a política e a espiritualidade, retratando a sociedade e a cultura de sua época.

Algumas citações marcantes do livro são:

  • "A vida é um dodecaedro, pensei. Doze faces, doze vértices, trinta arestas. E cada face é um mistério." (Dodecaedro)
  • "O mar é o meu lugar. O mar é o meu destino. O mar é o meu amor." (O marinheiro)
  • "Pela noite, eu me lembro. Pela noite, eu escrevo. Pela noite, eu existo." (Pela noite)

Triângulo das águas é uma obra que revela a sensibilidade, a criatividade e a originalidade de Caio Fernando Abreu, um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea. O livro é uma leitura envolvente, emocionante e instigante, que convida o leitor a mergulhar nas águas profundas da alma humana.

[RESENHA #761] Os dragões não conhecem o paraíso, de Caio Fernando Abreu


Numa espécie de boas-vindas a Os dragões não conhecem o paraíso, Caio Fernando Abreu nos fornece um leque de possibilidades de leitura para este livro vencedor do prêmio Jabuti em 1988: “Se o leitor quiser, este pode ser um livro de contos. Um livro com 13 histórias independentes, girando sempre em torno de um mesmo tema: amor. Amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura. Mas se o leitor também quiser, este pode ser uma espécie de romance-móbile. Um romance desmontável, onde essas 13 peças talvez possam completar-se, esclarecer-se, ampliar-se ou remeter-se de muitas maneiras umas às outras, para formarem uma espécie de todo. Aparentemente fragmentado, mas de algum modo ― suponho ― completo.”

RESENHA

Os dragões não conhecem o paraíso é um livro de contos do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, publicado em 1988 e vencedor do prêmio Jabuti no mesmo an¹. O livro reúne treze histórias que giram em torno do tema do amor, em suas diversas formas e manifestações: amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura. Os contos são narrados em primeira ou terceira pessoa, com um estilo marcado pela linguagem coloquial, pela ironia, pelo lirismo e pela sensibilidade do autor, que explora as angústias, os desejos, as frustrações e as esperanças dos personagens.

Os personagens de Caio Fernando Abreu são, em sua maioria, pessoas comuns, que vivem em grandes cidades, que sofrem com a solidão, a violência, a falta de sentido, a busca por si mesmos. São homens e mulheres, jovens e adultos, heterossexuais e homossexuais, que se relacionam de forma intensa, conflituosa, apaixonada, desesperada ou resignada com o outro e consigo mesmos. Alguns dos personagens são recorrentes em outros livros do autor, como o jornalista Pedro, o escritor Caio, o fotógrafo Júlio, o poeta João, o ator Marcelo, entre outros. Eles formam uma espécie de rede afetiva, que se entrelaça e se desfaz ao longo das histórias.

Os contos de Os dragões não conhecem o paraíso se alimentam do que está presente em nossos cotidianos, isto é, a fragmentação da realidade, com suas ambiguidades, em que os indivíduos representam o seu papel sem muitas preocupações com o texto, a identidade se perde e os personagens se assemelham a embalagens vazias. No entanto, o autor também recorre a elementos fantásticos, míticos, simbólicos, que conferem uma dimensão poética e metafórica às narrativas. Assim, os dragões, que dão título ao livro, são uma metáfora para os seres humanos, que não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia. Outros símbolos que aparecem nos contos são os anjos, as borboletas, as flores, os espelhos, os sonhos, os fantasmas, os vampiros, os lobisomens, os unicórnios, que revelam aspectos da alma humana, como a inocência, a beleza, a fragilidade, a duplicidade, o desejo, o medo, a morte, a transcendência.

O livro é um retrato da sociedade brasileira dos anos 1980, marcada pela redemocratização, pela epidemia da AIDS, pela violência urbana, pelo consumismo, pela crise de valores, pela busca de novas formas de expressão e de identidade. O autor, que viveu nessa época, foi um dos expoentes da chamada literatura marginal, que se caracterizou pela ruptura com os padrões estéticos e ideológicos vigentes, pela experimentação formal e temática, pela abordagem de questões existenciais, sociais e políticas, pela valorização da subjetividade, da diversidade, da marginalidade. Caio Fernando Abreu nasceu em 1948, em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul, e morreu em 1996, em Porto Alegre, vítima de complicações decorrentes da AIDS. Foi jornalista, dramaturgo, tradutor e escritor, autor de romances, novelas, contos, crônicas, cartas e poemas. Sua obra é considerada uma das mais importantes e influentes da literatura brasileira contemporânea, tendo sido traduzida para vários idiomas e adaptada para o cinema, o teatro, a televisão e a música.

Os dragões não conhecem o paraíso é um livro que nos convida a mergulhar no universo de Caio Fernando Abreu, um universo de intensidade, de contradição, de beleza, de dor, de amor. Um universo que nos faz refletir sobre a nossa própria condição humana, sobre os nossos sentimentos, sobre as nossas escolhas, sobre os nossos limites, sobre os nossos sonhos. Um universo que nos faz sentir, que nos faz viver, que nos faz voar. Um universo que nos faz conhecer os dragões que habitam em nós.

[RESENHA #759] Limite branco, de Caio Fernando Abreu


O romance de estreia de um dos autores mais marcantes da literatura brasileira.

Escrito quando Caio Fernando Abreu tinha apenas dezenove anos e publicado poucos tempo depois, em 1971, Limite branco inaugura a trajetória de uma das vozes mais apaixonantes da nossa literatura. Ao longo da trama, acompanhamos as descobertas, os anseios e os temores de Maurício num período intenso e angustiante, quando a infância fica para trás e o caminho que leva à vida adulta não passa de uma incógnita.

Para a escritora Natalia Borges Polesso, que assina o posfácio da presente edição, neste livro “há um limite branco, que uma pessoa cruza para amadurecer, no qual as emoções se borram e se sobrepõem e não se tem muito uma ideia de onde começa um sentimento e o outro termina.”

RESENHA

Limite branco é o primeiro romance do escritor brasileiro Caio Fernando Abreu, publicado em 1970. A obra narra as angústias e os questionamentos de Maurício, um jovem que se muda do interior para a capital e se depara com as dificuldades e as tentações da vida adulta. O livro é dividido em três partes: Alfa, Beta e Gama, que correspondem às fases de transformação do protagonista.

O estilo de Caio Fernando Abreu é marcado pela economia de palavras, pela linguagem coloquial e pela intensidade emocional. O autor explora temas como sexo, drogas, violência, solidão, morte e existencialismo, retratando a geração que viveu sob a ditadura militar no Brasil. O livro também apresenta elementos autobiográficos, já que o autor escreveu a obra quando tinha apenas 19 anos e passou por experiências semelhantes às de Maurício.


Os principais personagens do livro são:

- Maurício: o protagonista, um rapaz sensível e inquieto que busca seu lugar no mundo e se envolve em situações de risco e de prazer.

- Ana: a namorada de Maurício, uma moça bonita e inteligente que o ama, mas não consegue compreender sua angústia e sua rebeldia.

- Pedro: o melhor amigo de Maurício, um rapaz extrovertido e aventureiro que o acompanha em suas viagens e escapadas.

- Mãe: a mãe de Maurício, uma mulher religiosa e conservadora que se preocupa com o filho, mas não consegue se comunicar com ele.

- Pai: o pai de Maurício, um homem ausente e autoritário que exige que o filho siga seus passos e se torne um advogado.

O livro também aborda e ensina sobre:

- A importância de se conhecer a si mesmo e de buscar o seu próprio caminho, sem se deixar levar pelas imposições da sociedade ou pelas expectativas dos outros.

- A necessidade de se enfrentar os medos e as incertezas da vida, sem se entregar ao desespero ou à alienação.

- A valorização da amizade, do amor e da arte como formas de expressão e de resistência diante das adversidades e das injustiças.

Algumas citações marcantes do livro são:

- "Eu não quero ser igual a todo mundo. Eu quero ser eu mesmo." (Maurício, p. 23)

- "A vida é uma coisa muito estranha. Às vezes, a gente pensa que está tudo bem, que está tudo certo, e de repente tudo muda, tudo vira do avesso." (Ana, p. 47)

- "O que é que você quer da vida, afinal? Você quer viver ou morrer? Você quer ser feliz ou infeliz? Você quer ser livre ou escravo?" (Pedro, p. 72)

- "Eu sei que Deus existe, meu filho. Mas Ele não pode fazer tudo por nós. Nós também temos que fazer a nossa parte. Nós também temos que lutar." (Mãe, p. 95)

- "Você tem que ser forte, Maurício. Você tem que ser um homem. Você tem que seguir a tradição da família. Você tem que ser um advogado." (Pai, p. 118)

A simbologia do livro está relacionada ao título, que remete à ideia de um limite entre a infância e a maturidade, entre a inocência e a experiência, entre o sonho e a realidade. O branco é uma cor que representa a pureza, mas também a ausência, a indiferença, a frieza. O limite branco é, portanto, um espaço de transição, de conflito, de indefinição, de desafio.

A importância e a relevância cultural do livro se devem ao fato de que ele retrata uma época marcante da história do Brasil, em que a juventude enfrentava a repressão, a censura, a violência e a falta de perspectivas. O livro também se destaca por abordar temas universais, como a busca de identidade, a descoberta do amor, a rebelião contra o sistema, a crise existencial, a morte. O livro é considerado um clássico da literatura brasileira contemporânea e uma obra-prima de Caio Fernando Abreu.

Caio Fernando Abreu nasceu em Santiago, no Rio Grande do Sul, em 1948. Desde pequeno, demonstrou interesse pela literatura e publicou seu primeiro conto aos 18 anos. Estudou letras e artes cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas não concluiu os cursos. Trabalhou como jornalista em diversas revistas e jornais, como Veja, Manchete, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Foi perseguido pela ditadura militar e se exilou na Europa por um ano. Voltou ao Brasil em 1974 e recomeçou sua carreira literária. Escreveu contos, romances, peças de teatro e crônicas. Recebeu três vezes o Prêmio Jabuti e uma vez o Prêmio Molière. Foi um dos principais representantes da geração que marcou a cena cultural brasileira nos anos 80. Era homossexual assumido e abordou em sua obra temas como sexo, drogas, violência, solidão, morte e existencialismo. Descobriu-se portador de HIV em 1994 e voltou a morar com seus pais em Porto Alegre. Morreu em 1996, aos 47 anos, vítima de complicações decorrentes da AIDS.

Limite branco é um livro que impressiona pela força e pela beleza de sua escrita. Caio Fernando Abreu consegue captar com sensibilidade e talento as emoções e os dilemas de uma geração que viveu em um período turbulento e desafiador da história do Brasil. O livro é um retrato fiel e ao mesmo tempo poético da juventude que buscou sua identidade, seu espaço, seu sentido, sua liberdade. O livro é uma obra que merece ser lida e relida, pois toca o leitor em sua essência, em sua humanidade, em sua fragilidade. O livro é um convite à reflexão, à emoção, à arte. O livro é um limite branco que se abre em um universo de cores.

[RESENHA #758] Ovelhas negras, de Caio Fernando Abreu

"Nunca pertenci àquele tipo histérico de escritor que rasga e joga fora. Ao contrário, guardo sempre as várias versões de um texto, da frase em guardanapo de bar à impressão no computador. Será falta de rigor? Pouco me importa. Graças a essa obsessão foi que nasceu 'Ovelhas negras', livro que se fez por si durante 33 anos. (...) Uma espécie de autobiografia ficcional, uma seleta de textos que acabaram ficando fora de livros individuais. Eram e são textos marginais, bastardos, deserdados. (...) Afinal, como Rita Lee, sempre dediquei um carinho todo especial pelas mais negras das ovelhas."

RESENHA

Ovelhas negras é um livro de contos do escritor e jornalista brasileiro Caio Fernando Abreu, publicado em 1995. O livro reúne 25 textos que o autor considerava marginais, bastardos ou deserdados, por terem ficado fora de suas obras anteriores ou por terem sido censurados pela ditadura militar. São contos que revelam a trajetória literária de Caio, desde sua infância até sua maturidade, passando por diferentes lugares, épocas e estilos.

O estilo de Caio Fernando Abreu é marcado pela economia de palavras, pela linguagem coloquial, pela ironia, pelo erotismo e pela angústia existencial. Seus personagens são, em sua maioria, jovens urbanos, marginalizados, solitários, que vivem à procura de amor, sentido e identidade. Eles refletem as inquietações, os medos, as esperanças e as frustrações de uma geração que testemunhou as transformações políticas, sociais e culturais do Brasil e do mundo nas décadas de 70, 80 e 90.

O livro é dividido em três partes: Alfa, Beta e Gama. Cada parte é precedida por uma introdução do autor, que conta a história por trás de cada conto, revelando aspectos autobiográficos, curiosidades, influências e referências. Alguns dos contos mais conhecidos são: "O príncipe sapo", "O amor de Pedro por João", "Aqueles dois", "Sargento Garcia", "Dama da noite" e "Ovelhas negras".

O livro é uma obra que ensina sobre a diversidade, a tolerância, a solidariedade e a resistência. Caio Fernando Abreu aborda temas como a homossexualidade, a AIDS, a violência, a ditadura, a droga, a morte, o amor, a amizade, a arte e a literatura, com sensibilidade, humor e coragem. Suas histórias são como retratos de uma época, mas também são atemporais, pois tocam em questões universais da condição humana.

Algumas citações marcantes do livro são:

- "Eu queria que você me amasse como eu te amo. Mas isso é impossível. Porque eu te amo demais. E você não me ama. Você só me quer." ("O príncipe sapo")

- "Eles não sabiam muito bem o que fazer com aquilo. Não era exatamente amor. Talvez porque amor fosse uma palavra gasta, e o que eles sentiam não estava gasto. Era novo e brilhante como uma moeda que tivesse acabado de ser cunhada." ("O amor de Pedro por João")

- "Eles eram muitos, mas não sabiam. No quartel, na repartição, no escritório, na escola, na fábrica, eles estavam lá, mas não se conheciam. Eram invisíveis. Eram ovelhas negras, mas não sabiam." ("Ovelhas negras")

A simbologia do livro está relacionada ao título, que remete à ideia de exclusão, rebeldia, diferença e transgressão. As ovelhas negras são aqueles que não se encaixam nos padrões impostos pela sociedade, que são discriminados, perseguidos, silenciados ou ignorados. Mas são também aqueles que têm algo de especial, de único, de original, de criativo, de surpreendente. São aqueles que, apesar de tudo, não desistem de buscar sua própria voz, seu próprio caminho, sua própria felicidade.

A importância e a relevância cultural do livro estão ligadas à sua capacidade de retratar e questionar a realidade brasileira, de dialogar com outras obras e autores, de influenciar e inspirar novos escritores e leitores, de provocar reflexão e emoção, de contribuir para a formação de uma literatura nacional de qualidade, de valorizar a diversidade e a liberdade de expressão.

A biografia do autor pode ser resumida da seguinte forma: Caio Fernando Abreu nasceu em Santiago, no Rio Grande do Sul, em 1948. Desde pequeno já demonstrava interesse pela literatura. Estudou letras e artes cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas não se formou. Trabalhou como jornalista em diversas revistas e jornais. Foi perseguido pela ditadura militar e se exilou na Europa por um ano. Voltou ao Brasil e publicou vários livros de contos, romances e peças de teatro. Recebeu três vezes o Prêmio Jabuti e uma vez o Prêmio Molière. Descobriu ser portador do vírus HIV em 1994 e voltou a morar com seus pais em Porto Alegre. Morreu em 1996, aos 47 anos.

A crítica positiva acerca da obra pode ser expressa da seguinte forma: Ovelhas negras é um livro que merece ser lido, relido e apreciado por todos aqueles que gostam de literatura de qualidade, que se interessam pela história e pela cultura brasileiras, que se identificam com os personagens e os temas abordados pelo autor, que se emocionam com as histórias e as palavras de Caio Fernando Abreu. É um livro que mostra a genialidade, a originalidade, a sensibilidade e a coragem de um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. É um livro que não deixa ninguém indiferente. É um livro que faz a diferença.

[RESENHA #723] Humilhados e ofendidos, de Dostoiévski

Publicado em 1861, após dez anos de exílio na Sibéria, Humilhados e ofendidos ocupa uma posição-chave na produção de Fiódor Dostoiévski. Por um lado, é sua obra mais ambiciosa até o momento, na qual revisita e leva ao limite as suas concepções de literatura e sua visão dos males da sociedade. Por outro, suas páginas abrem o caminho para uma forma de romance que vai ganhar corpo nos grandes livros de sua maturidade, e não por acaso o leitor encontra nesta obra conflitos e personagens que parecem prefigurar suas criações posteriores. Para compor a trama de Humilhados e ofendidos, romance no qual deposita enormes esperanças, Dostoiévski coloca no centro da ação a figura do escritor Ivan Petróvitch, que é também o narrador do livro, e cuja vida guarda tantas semelhanças com a sua que não é equivocado ler certas passagens como um ensaio de autoficção avant la lettre ― gesto arriscado, que não foi plenamente compreendido pela crítica da época. Os leitores, porém, não tiveram dúvidas. Desde sua primeira aparição como folhetim no número inicial da revista O Tempo, o romance fascinou o público, que reconheceu ali um modo inédito de narrar, capaz de trazer à luz os sentimentos mais obscuros com uma intensidade nunca vista ― intensidade que encontrou sua equivalência precisa na tradução de Fátima Bianchi e nas gravuras de Oswaldo Goeldi.

RESENHA


A obra de Fiódor Mikhailovich Dostoiévski é geralmente dividida em duas fases pelos críticos literários e estudiosos do escritor russo. A primeira fase ocorreu antes de sua prisão na Sibéria no início da década de 50 do século XIX, quando escreveu os romances: Gente pobre, O duplo, Noites brancas e Niétotchka, além de alguns contos e novelas. A segunda fase começou após seu retorno para São Petersburgo em 1859, após ter passado aproximadamente cinco anos preso na Sibéria, submetido a trabalhos forçados por ter supostamente feito parte de um grupo que pretendia depor o Czar Nicolau I. Após esse período, cumpriu mais quatro anos de serviço militar compulsório no Cazaquistão. Essa fase é considerada sua fase mais criativa e madura, com a publicação de suas obras-primas, os romances: Crimes e Castigo, O idiota, Os demônios e Os irmãos Karamazov. Contudo, é importante salientar uma fase que poderíamos considerar de transição em sua obra, que inclui um livro autobiográfico - narrando suas experiências e impressões da prisão -, Recordação da casa dos mortos (com seus primeiros capítulos sendo publicados em forma de folhetim, entre os anos de 1860 e 1861), e os romances: Humilhados e Ofendidos (também publicado em folhetim no ano de 1861) e Notas do subterrâneo (1864 – este, inclusive já é considerado por muitos críticos como a obra que inaugura a brilhante segunda fase do autor, que publicaria dois anos depois seu primeiro grande sucesso literário após o retorno a São Petersburgo, o livro Crime e Castigo).

O romance Humilhados e Ofendidos, que também recebeu uma ótima acolhida de crítica e público, possui uma forte conotação autobiográfica (como alguns outros romances de Dostoiévski, citando como exemplo O jogador). Seu personagem principal e narrador da história, Ivan Petrovich, vulgo Vania, é um escritor pobre, que teve sua primeira obra bem recepcionada pela crítica (no romance o narrador cita B, clara alusão a Belinski, grande crítico da época.

Neste romance, já podemos notar, de forma embrionária, vários dos principais elementos que imortalizaram a obra de Dostoiévski. Os primeiros passos de sua narrativa polifônica, onde as vozes dos personagens rivalizam com a do narrador para construir a trama e apresentar ao leitor o íntimo de suas almas, já são perceptíveis. A análise psicológica que tanto caracterizou a obra do autor russo também se faz presente. Nesta obra, Dostoiévski utiliza, assim como na maioria de seus livros, como modelo o romance realista da primeira metade do século XIX, para criar uma base para suas análises psicológico-dialéticas do íntimo de suas personagens, contraditórias e atormentadas por natureza. A crítica social, porém, ainda é o ponto principal do romance, resgatando, de uma certa maneira, suas preocupações já demonstradas em Gente Pobre. Contudo, em Humilhados e Ofendidos, a crítica social é permeada por personagens que não se contentam em apenas fazer os papéis de humilhados, de ofendidos, ou de algozes e prepotentes senhores aristocráticos. A narrativa dostoievskiana nos coloca a descoberto os dramas, as contradições, os desesperos e as angústias dos personagens. A diferença é que neste romance Dostoiévski ainda não dá o protagonismo à sua psicologia-dialética, sua preocupação maior ainda é com a denúncia das humilhações e ofensas sofridas pelas pobres gentes, por parte de uma aristocracia decadente, mas ainda poderosa, opressora, e arrogante.

De um lado, temos os humilhados e ofendidos: o casal Ikhmeniev, que devido à ingenuidade e bondade de Nikolai Serguievich Ikhmeniev, se vêm destituídos de sua propriedade, através de um processo jurídico pernicioso e repleto de falsas acusações; Natália Nikolaievna Ikhmeniev, que para os padrões da época havia desonrado sua família, abandona o lar por amor a um homem que, por fraqueza de caráter, a submete a situações de profundas humilhações; Ivan Petrovich, o narrador, que percebe que ser um escritor conhecido e elogiado, não o faz superar as barreiras sociais, apesar de frequentar, esporadicamente, o meio aristocrático que despreza. Sua fama não lhe trouxe riqueza e tampouco o privou das humilhações e ofensas dos poderosos, como veremos em suas relações com o príncipe Valkovskii; Nelly, a órfã maltrapilha, que apesar de ser levada a pedir esmolas na rua, traz em si uma altivez quase nobre (e o motivo disso só descobriremos nas páginas finais); e até mesmo Masloboiev, que através de sua esperteza, golpes e arranjos, consegue transitar em um universo diferente daquele a que pertence por origem, mas que também, ao final, é humilhado e ofendido pela nobreza aristocrática que tanto menospreza. Por outro lado, temos os opressores, os que se utilizam de sua posição, de direito e de herança, para humilhar e tripudiar dos menos favorecidos de berço e de fortuna: o príncipe Piotr Alexandrovich Valkovskii; seu filho Aliosha; e todo um séquito de condessas, condes e princesas que gravitam em torno de uma elite aristocrática restrita e decadente, na qual, não raramente, os casamentos por interesses financeiros são a única forma de manterem seu “status quo”.

A história de "Humilhados e Ofendidos" oscila entre dois eixos centrais. O primeiro é o drama de amor entre Natasha e Aliosha, e consequentemente as tentativas do príncipe Valkovskii de desestabilizar o casal e convencer seu filho a se casar com Kátia, enteada da condessa - velha amiga do príncipe - e herdeira de grande fortuna. O segundo eixo é a história de Nelly, órfã que se liga afetuosamente a Vania. Durante a narrativa, nos compadecemos com a dupla humilhação de Ikhmeniev, que além de ver sua filha desonrada e ameaçada pelo príncipe, é vítima de um terrível e injusto processo jurídico perpetrado pelo mesmo príncipe. Também nos tocamos com a doença e abandono da pequena Nelly, e finalmente com a estoica abnegação de Natasha. Mas é nos diálogos e no sutil escrutínio das complexas almas dos personagens que o romance ganha seu valor literário. O personagem Aliosha é sem dúvida um dos mais repulsivos da história da literatura. O escritor russo conseguiu criar um personagem execrável, sem caráter e abjeto, mas que contudo possui uma alma boa, pura, um coração ingênuo. Entretanto, sua pureza e ingenuidade são levadas ao paroxismo, tornando o personagem odioso, mimado e irresponsável aos olhos do leitor. Ser bom, ter um bom coração, não faz sentido algum se o indivíduo não tem força de vontade e caráter para fazer a coisa certa e moralmente correta. É o que se

Mas é o pai de Aliosha, o príncipe Valkovskii, o grande personagem do livro. Nele vemos antecipado grandes temas que Dostoiévski irá discutir mais aprofundadamente em seus futuros romances. O príncipe reúne em si todas as características deletérias que o escritor russo vê no estereótipo da decadente aristocracia russa: a dissimulação, o egoísmo, a hipocrisia, o cinismo. O príncipe encarna a antítese cristã. Todos os seus atos são premeditados e encobertam interesses pessoais. O perfil de sua personalidade vai sendo desvendado aos poucos, através do brilhante uso que Dostoiévski já faz da polifonia. Isso se dá através dos longos diálogos do príncipe e Natasha; dos diálogos entre Aliosha e Natacha, onde Aliosha reproduz as conversas que tem com o pai que ele admira e venera, e devido à sua ingenuidade que beira a estupidez, mas que em momento algum suplanta sua arrogância nobiliárquica, ele se deixa enganar pela argúcia maldosa do príncipe; mas é principalmente nos diálogos do príncipe com Vania que percebemos, ou melhor, que entrevemos a alma negra do príncipe, até que finalmente ele retira teatralmente sua máscara ao convidar o narrador para jantar, assim que saem de uma visita à casa da condessa. Depois de beber bastante, o príncipe vai aos poucos colocando as cartas na mesa.

"Humilhados e Ofendidos" é uma obra-prima da literatura russa. Dostoiévski, com sua narrativa polifônica, consegue criar personagens complexos e profundos, que nos fazem refletir sobre a natureza humana e a sociedade em que vivemos. O romance é uma crítica contundente à aristocracia russa decadente, que oprime e humilha os menos favorecidos. A história é envolvente e emocionante, e os diálogos são brilhantes. O livro é uma leitura obrigatória para quem aprecia a boa literatura.

[RESENHA #722] O duplo, de Dostoiévski



Sobre O duplo, seu segundo romance, publicado em 1846, Dostoiévski declararia: "nunca dei uma contribuição mais séria para a literatura do que essa". De fato, ao retratar o drama de um pequeno funcionário de personalidade cindida, que passa a enxergar e conviver com seu próprio duplo, o autor russo antecipa aqui seus grandes romances de maturidade, como Crime e castigo e O idiota. Influenciada por Hoffmann e Gógol, esta surpreendente história ganha aqui sua primeira tradução direta do russo, que busca preservar toda a radicalidade e o humor do texto original, e vem acompanhada de uma seleção das belas ilustrações do artista expressionista austríaco Alfred Kubin.

RESENHA


O Duplo é um romance do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1846. A história gira em torno de Iákov Petróvitch Goliádkin, um funcionário público sem grande expressão social, que começa a ser atormentado por um duplo, que é uma cópia exata dele mesmo. O livro é uma obra-prima da literatura russa e é considerado um dos primeiros trabalhos de Dostoiévski. A obra é uma crítica à sociedade da época, que muitas vezes se baseava em preconceitos e estereótipos para julgar as pessoas. O livro é repleto de humor e ironia, e o narrador onisciente revela a dedicação do protagonista que, na verdade, fica obcecado com seus estudos na área de psiquiatria. Além disso, ele aborda os temas da identidade, da loucura e da alienação. O Duplo é uma leitura obrigatória para quem quer conhecer a literatura russa e a obra de Dostoiévski.

Dostoiévski é um dos maiores escritores russos de todos os tempos e é frequentemente comparado a Freud e Nietzsche por sua exploração das bases irracionais e inconscientes da psiquê humana. A Rússia na década de 1840 era um mundo em mudança, resistindo freneticamente à pressão por mudanças, que vinha tanto de dentro da Rússia, quanto da Europa Ocidental. O próprio Czar insinuou a abolição da servidão, e o círculo de debates do qual Dostoiévski participou foi ignorado pelas autoridades durante anos. No entanto, o advento das revoluções europeias de 1848 pôs fim a toda conversa e tolerância. Assim, a interrupção da carreira de Dostoiévski em 1849 coincidiu com a ruptura brusca na vida política e cultural russa, quando ele foi preso acusado de conspiração contra o Czar. Dez anos depois (1859), foi solto, o que coincidiu com um período com menos censura e com a relativa liberdade política. Tudo isso mudou a forma de pensar de Dostoiévski. O Duplo é um romance do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1846. A história gira em torno de Iákov Petróvitch Goliádkin, um funcionário público sem grande expressão social, que começa a ser atormentado por um duplo, que é uma cópia exata dele mesmo. O livro é uma obra-prima da literatura russa e é considerado um dos primeiros trabalhos de Dostoiévski. A obra é uma crítica à sociedade da época, que muitas vezes se baseava em preconceitos e estereótipos para julgar as pessoas. O livro é repleto de humor e ironia, e o narrador onisciente revela a dedicação do protagonista que, na verdade, fica obcecado com seus estudos na área de psiquiatria. Além disso, ele aborda os temas da identidade, da loucura e da alienação. O personagem principal, Iákov Petróvitch Goliádkin, é um homem solitário e inseguro que se sente deslocado na sociedade em que vive. Ele é um funcionário público sem grande expressão social, que começa a ser atormentado por um duplo, que é uma cópia exata dele mesmo. O duplo é uma representação da parte sombria e reprimida da personalidade de Goliádkin, e o livro explora a luta interna do personagem para lidar com essa dualidade. O livro é importante por ser uma das primeiras obras de Dostoiévski e por abordar temas que seriam recorrentes em sua obra posterior. Além disso, é uma obra-prima da literatura russa e é considerado um dos melhores trabalhos de Dostoiévski.

Joseph Frank, o maior biógrafo de Dostoiévski, afirmou que “O Duplo” é uma confissão do próprio autor. Como Golyadkin, Dostoiévski também sofria de “alucinações”, que podiam muito bem incluir delírios parecidos com Golyadkin; e era de uma timidez que beirava a anormalidade. Esses aspectos de autorretrato que estão contidos em “O Duplo” constituem apenas um elemento de sua composição; outros provêm de suas influências literárias externas. Era (nas palavras de Joseph Frank) um hoffmanista russo. Os primeiros capítulos de “O Duplo” contêm uma brilhante descrição da personalidade dividida de Goliátkin antes de sua completa dissociação em duas entidades independentes. De um lado, há o evidente desejo de aparentar uma posição elevada e uma imagem mais lisonjeira de si mesmo – daí a carruagem e o libré, as orgias consumistas, como a compra de móveis elegantes, como se fosse um noivo prestes a casar, até mesmo o detalhe de trocar seu dinheiro em notas menores para dar a impressão de ter um bolso mais recheado de dinheiro. Suas pretensões de amor por Clara Olsúfievna não é causa, mas a expressão de um afã de subir na escala social e de salvar o próprio ego.

O Duplo é uma obra-prima da literatura russa e é considerado um dos melhores trabalhos de Dostoiévski. O livro é uma crítica à sociedade da época, que muitas vezes se baseava em preconceitos e estereótipos para julgar as pessoas. Além disso, é uma obra que explora temas como a identidade, a loucura e a alienação de forma brilhante. A descrição da personalidade dividida de Goliátkin é um dos pontos altos do livro, e a obra é uma leitura obrigatória para quem quer conhecer a literatura russa e a obra de Dostoiévski. A influência literária externa de Dostoiévski é evidente em “O Duplo”, e o livro é um exemplo da habilidade do autor em criar personagens complexos e intrigantes. Em resumo, “O Duplo” é uma obra-prima da literatura russa e uma das melhores obras de Dostoiévski.

[RESENHA #715] O idiota, de Dostoiévski


Nova edição, revista pelo tradutor, de O idiota, um dos grandes romances de Dostoiévski, trazendo a série completa de ilustrações de Oswaldo Goeldi. Publicado originalmente em 1868, este é um desses livros em que o leitor reconhece de imediato a marca do gênio. Nele, o autor russo constrói um dos personagens mais impressionantes de toda a literatura mundial ― o humanista e epilético príncipe Míchkin, mescla de Cristo e Dom Quixote, cuja compaixão sem limites vai se chocar com o desregramento mundano de Rogójin e a beleza enlouquecedora de Nastácia Filíppovna. Entre os três se agita uma galeria de personagens de extrema complexidade, impulsionados pelos sentimentos mais contraditórios ― do amor desinteressado à canalhice despudorada ―, conferindo a cada cena uma intensidade alucinante que nunca se dissipa nem perde o foco. A tradução de Paulo Bezerra, a primeira realizada diretamente do russo em nosso país, traz para o leitor brasileiro toda a força da narrativa original.

RESENHA


O Idiota é um dos principais romances de Fiódor Dostoiévski, um dos maiores escritores russos de todos os tempos. Escrito entre 1867 e 1869, o livro retrata a sociedade russa do século XIX, em meio a transformações políticas, sociais e culturais. O autor, que viveu uma vida conturbada, marcada por problemas financeiros, doenças, prisões e exílios, reflete em sua obra questões existenciais, morais, religiosas e psicológicas, com uma profunda análise dos personagens e de seus conflitos.

O protagonista do romance é o príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin, um jovem nobre que retorna à Rússia depois de passar vários anos em um sanatório na Suíça, tratando de sua epilepsia. Míchkin é um homem puro, bondoso, sincero e compassivo, que se choca com a corrupção, a hipocrisia, a violência e a ambição que dominam a sociedade em que vive. Ele é chamado de idiota pelos que o cercam, por não se adaptar às convenções e aos interesses mundanos. Sua inocência e sua generosidade são vistas como fraquezas e loucura, e ele acaba sendo vítima de intrigas, calúnias e explorações.

Míchkin se envolve em um triângulo amoroso com duas mulheres muito diferentes: Nastácia Filíppovna, uma bela e sofrida jovem que foi abusada na infância e que busca vingança contra seus algozes, e Aglaia Ivánovna, uma moça rica, orgulhosa e caprichosa, que se sente atraída pelo príncipe, mas que também o despreza. Além delas, Míchkin tem como rival o ardiloso e apaixonado Rogójin, um homem rico e violento, que disputa o amor de Nastácia e que nutre uma obsessão doentia por ela. O destino dos quatro personagens principais será trágico, marcado por desencontros, ciúmes, crimes e mortes.

O Idiota é uma obra-prima da literatura universal, que aborda temas universais e atemporais, como o bem e o mal, a culpa e o perdão, a fé e a dúvida, a razão e a emoção, a liberdade e o destino. O livro é também uma crítica à sociedade russa da época, que estava em crise de valores e de identidade, dividida entre a tradição e a modernidade, entre o Oriente e o Ocidente. Dostoiévski, que era um cristão ortodoxo e um patriota, defende em sua obra a necessidade de uma renovação espiritual e moral da Rússia, baseada no ideal evangélico do amor ao próximo e na valorização da cultura nacional.

O livro contém frases memoráveis, que expressam o pensamento e o sentimento dos personagens, bem como a visão de mundo do autor. Algumas delas são:

- "É melhor ser infeliz, porém estar inteirado disso, do que ser feliz e viver sendo feito de idiota." ¹
- "Os criadores e os génios, no início da sua carreira, quase sempre, e muitas vezes até no fim, sempre foram considerados pela sociedade como uns parvos e uns malucos — é esta uma das observações mais triviais e sabidas." 
- "De fato, não existe nada mais deplorável do que, por exemplo, ser rico, de boa família, de boa aparência, de instrução regular, não tolo, até bom, e ao mesmo tempo não ter nenhum talento, nenhuma peculiaridade, inclusive nenhuma esquisitice, nenhuma idéia própria, ser terminantemente como todo mundo." 
- "Quando a gente mente, ou seja, coloca com astúcia alguma coisa que acontece com excessiva raridade ou nunca acontece, aí a mentira se torna muito mais verossímil." 
- "A delicadeza e a dignidade é o próprio coração que ensina e não um mestre de dança." 

O Idiota é um livro que ensina muito sobre a natureza humana, sobre suas contradições, suas grandezas e suas misérias. É um livro que mostra como o amor pode ser fonte de salvação ou de perdição, de alegria ou de sofrimento, de vida ou de morte. É um livro que revela como a sociedade pode ser cruel e injusta com aqueles que são diferentes, que não se enquadram em seus padrões e que não seguem suas regras. É um livro que nos faz pensar sobre o que é ser idiota e o que é ser sábio, sobre o que é ser humano e o que é ser divino.

O Idiota é um livro de grande importância para a literatura mundial, pois influenciou vários escritores e artistas, que se inspiraram em seus personagens, em seu estilo e em seus temas. Entre eles, podemos citar Albert Camus, Franz Kafka, Marcel Proust, James Joyce, Virginia Woolf, Thomas Mann, Hermann Hesse, André Gide, Ernest Hemingway, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, José Saramago, Woody Allen, Akira Kurosawa, entre outros. O livro também foi adaptado para o cinema, o teatro, a ópera, a música e as artes plásticas, demonstrando sua riqueza e sua atualidade.

O AUTOR
Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi um escritor russo autor de Os Irmãos Karamázov e Crime e Castigo, obras-primas da literatura universal. Seus romances abordam questões existenciais e temas ligados à humilhação, culpa, suicídio, loucura e estados patológicos do ser humano.

[RESENHA #714] Noites brancas, de Dostoiévski



No lançamento da Nano, a coleção de bolso da Antofágica, apresentamos a melhor opção para aqueles que desejam conhecer a obra de Dostoiévski – e de quebra, um passeio pela mente de um apaixonado e por uma cidade histórica. Noites brancas é a história do encontro entre uma jovem desiludida e um sonhador, aquele que narra os eventos ocorridos ao longo de poucas noites, durante um período muito especial do ano em São Petersburgo, quando as noites não escurecem. Perambulando pela cidade, e por vezes até conversando com seus prédios, o Sonhador conhece Nástienka, uma melancólica jovem de coração partido. A partir deste encontro, os personagens desenvolvem uma conexão arrebatadora, aquele momento em que todos sentimos que nossos destinos podem mudar. E para o Sonhador não é diferente: ele tem a sensação de que finalmente coisas incríveis podem acontecer em sua vida. Mas será que ele está certo? Livro mais romântico da obra de Dostoiévski, Noites brancas é também uma ótima porta de entrada para começar a ler este grandioso autor da literatura russa. Como apoio e contextualização para a leitura, este livro e toda a coleção Nano apresenta um QR Code que, ao ser escaneado, direciona para um portal de leitura dos textos extras. Neste livro, disponibilizamos um texto de apresentação da cantora e compositora Letrux, posfácios do tradutor Lucas Simone e da professora doutora em Literatura e Cultura Russa pela USP Priscila Nascimento Marques, e também com um ensaio da autora Natalia Timerman.

RESENHA


Um rapaz de São Petersburgo se encanta por uma moça que já tem coração ocupado por outra pessoa. Durante quatro noites, eles conversam e sonham juntos. O rapaz sabe que a mulher não o ama da mesma forma, mas está satisfeito em ser apenas seu amigo. Na quarta noite, a moça sai de São Petersburgo para visitar a avó. O jovem está com o coração partido, mas tem a certeza de que nunca a esquecerá.

O narrador se vê sozinho, porém, ainda carrega a esperança. Ele compreende que, mesmo que seu amor por Nastenka não seja correspondido, ele conseguiu descobrir algo valioso em seu breve encontro. Ele constatou que, apesar da solidão, ainda é capaz de encontrar o amor e uma conexão profunda.

Na história central, temos o Sonhador como protagonista, que se apaixona por Nástenka em uma das noites brancas de São Petersburgo. Nesta obra, ao contrário de outras, em que a preocupação social guia a trama, encontramos um Dostoiévski romântico e brincalhão. O personagem principal, diferente das versões teatrais e cinematográficas, perambula sem rumo pela "noite branca" de São Petersburgo sem ter um nome. 

A expressão "noite branca" se refere a um fenômeno comum na Europa, onde, mesmo com o sol se pondo, ele permanece um pouco abaixo da linha do horizonte, iluminando a noite e criando uma atmosfera onírica. O encontro casual transforma completamente a vida do protagonista solitário até então: ele conhece Nástenka, ingênua e também sonhadora, que, em lágrimas, espera aquele a quem havia prometido seu amor um ano antes.

Noites Brancas é um livro de Fiódor Dostoiévski, publicado em 1848, que narra o encontro e o romance entre um sonhador solitário e uma jovem órfã em São Petersburgo. O livro é considerado uma obra-prima da literatura russa, que explora os temas da solidão, do amor, da esperança e da desilusão.

Noites Brancas é um livro que encanta pela sua beleza poética e pela sua profundidade psicológica. Dostoiévski cria personagens que são ao mesmo tempo reais e idealizados, que sofrem e sonham com um amor impossível. O autor mostra a sua habilidade em retratar as emoções humanas, as angústias existenciais e as contradições da alma. O livro é um convite à reflexão sobre o sentido da vida, o valor da amizade e a busca pela felicidade.

Noites Brancas conta a história de um homem sem nome, que vive isolado em seu quarto, mergulhado em seus devaneios. Em uma noite de inverno, ele conhece Nástienka, uma jovem órfã que espera pelo retorno de seu amado. Os dois iniciam uma amizade e passam a se encontrar todas as noites, compartilhando suas histórias, seus sentimentos e seus sonhos. O homem se apaixona por Nástienka, mas sabe que ela pertence a outro. Ele se contenta em ser seu amigo e seu conselheiro, mas também nutre a esperança de que ela o escolha. No entanto, o destino reserva uma surpresa para os dois, que terão que enfrentar a realidade e o desfecho de sua relação.

Noites Brancas é um livro que emociona e cativa o leitor, que se identifica com os personagens e suas aspirações. É uma obra que revela o talento e a sensibilidade de Dostoiévski, um dos maiores escritores da história.

O AUTOR
Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi um escritor russo autor de Os Irmãos Karamázov e Crime e Castigo, obras-primas da literatura universal. Seus romances abordam questões existenciais e temas ligados à humilhação, culpa, suicídio, loucura e estados patológicos do ser humano.

[RESENHA #713] Notas do subsolo, de Dostoiévski


Nesta obra-prima da literatura mundial, o genial Dostoiévski, um dos maiores autores de todos os tempos, traz uma narrativa intensa que nos convida a embarcar em uma viagem pelas memórias de um ex-funcionário público que, no auge de seus quarenta anos, vive no seu subsolo da repartição em que trabalhava. Dividida em duas partes, Memórias do subsolo, traz as confissões mentais do personagem, revelando seus pensamentos mais íntimos e sua visão sobre si mesmo e de alguns episódios de sua juventude, em muitos dos quais se sentiu humilhado, revelando-se decisivos para a formação de sua personalidade mordaz. Por vezes definido com anti-herói, o narrador desta obra articula monólogos sobre sua vida sombria, solitária, sem amizades, amarga e repleta de problemas de autoimagem – reflexos de seu profundo rancor e de perturbações das mais variadas naturezas. Tais características o tornam incapaz de tomar decisões ou agir com confiança, imerso em dúvidas e questões mal resolvidas sobre si mesmo e sobre o ambiente ao seu redor.

RESENHA

“Manuscritos do Abismo”, um trabalho literário de Dostoiévski lançado em 1864, é uma pedra angular do existencialismo literário. Neste livro, Dostoiévski defende a liberdade individual como um elemento inerente à essência humana.

A história é dividida em duas partes. A primeira, simplesmente chamada de “Abismo”, é narrada por um personagem sem nome. Esta seção oferece um vislumbre da mente do personagem. Ele é um homem de 40 anos, amargurado, que vive em um apartamento em ruínas e se aposentou do serviço público após receber uma herança. Ele é um niilista e misantropo que vive “no abismo”, ou seja, em sua própria consciência reflexiva, há muitos anos e escreveu estes “Manuscritos do Abismo”, sem intenção de publicá-los.

A segunda parte da obra é intitulada “A propósito da neve úmida”. No final da primeira parte, a queda de neve úmida traz à tona memórias do passado do personagem e o perturba. Por tédio, ele começa a relatar suas experiências passadas tumultuadas quando tinha 24 anos. Sua incapacidade de se relacionar com os outros resulta em tentativas fracassadas de estabelecer relações e participar da vida, levando-o às profundezas do isolamento.


Parte I. Subterrâneo

Eu sou um indivíduo enfermo… um indivíduo amargurado. Sou um indivíduo de aparência desagradável […] Tenho formação suficiente para não ser supersticioso, mas sou […] Não, recuso-me a procurar um médico por pura obstinação. Isso você provavelmente não vai entender […] Meu fígado está ruim, bom – que piore!

Desde o início, somos introduzidos à mente peculiar do personagem. Ele é o anti-herói por excelência. Ele sente uma inveja intensa do “homem de ação”, aquele que possui pouca capacidade intelectual e está livre das dúvidas, questionamentos e ressentimentos que fazem parte de sua consciência abissal.

Mas, por outro lado, ele encontra conforto em seu sentimento de superioridade intelectual, embora isso o impeça de participar da “vida” como as outras pessoas, ele está constantemente analisando demais tudo e, portanto, é incapaz de tomar decisões.

Ele passa por uma vida cheia de auto-repulsa. Como órfão, ele nunca teve relacionamentos normais e amorosos com outras pessoas. Costuma passar o tempo lendo literatura, mas refletindo sobre a realidade, tem consciência de seu absurdo e esse contraste o afasta ainda mais da sociedade.

A tensão entre sua superioridade intelectual e sua profunda auto-repulsa é um tema psicológico recorrente ao longo do romance.

O personagem tem um repertório limitado de emoções, que incluem raiva, amargura, vingança e humilhação. Ele descreve ouvir as pessoas como “ouvir através de uma fenda sob o chão”. A palavra “abismo”, na verdade, vem de uma má tradução para o inglês. Uma tradução melhor seria um espaço para rastejar: um espaço sob o chão que não é grande o suficiente para um ser humano, mas onde vivem roedores e insetos.

Dostoiévski enfatiza no início que personagens como o personagem “não só podem como devem existir em nossa sociedade, quando levamos em conta as circunstâncias nas quais nossa sociedade foi formada”.

O personagem observa o surgimento de uma sociedade utópica que busca eliminar o sofrimento e a dor. Ele argumenta que o homem anseia por ambas as coisas e precisa delas para ser feliz.

Buscamos a felicidade, mas temos um talento especial para nos tornarmos infelizes.

“O homem às vezes é extraordinariamente e apaixonadamente apaixonado pelo sofrimento: isso é um fato.”

O personagem critica o utilitarismo do século XIX, uma corrente de pensamento que tentou usar fórmulas matemáticas para alinhar os desejos do homem com seus melhores interesses. Ele afirma que o indivíduo sempre se rebelará contra uma ideia de paraíso imposta coletivamente, por causa da irracionalidade subjacente da humanidade.

Como indivíduos, às vezes não agimos em nosso próprio interesse, simplesmente para validar nossa existência como indivíduos, para exercer nosso livre arbítrio. O personagem ataca esse tipo de interesse próprio esclarecido. Ele despreza a ideia de sistemas culturais e legislativos que se baseiam neste egoísmo racional.

Uma vida utilitária e previsível restringiria a liberdade do homem, a vida seria tão extraordinariamente racional que tudo se tornaria monótono. Esta afirmação explica a insistência do protagonista em que pode encontrar prazer em suas dores de dente ou de fígado, é uma forma de ir contra a confortável previsibilidade da vida. Embora ele não se orgulhe desse comportamento inútil. Em outras palavras, a regra de que dois mais dois são quatro o irrita, ele quer a liberdade de dizer que dois mais dois são cinco.

Ele se culpa por não ser mau o suficiente para ser um canalha ou insignificante o suficiente para ser um inseto.

O indivíduo não busca o que é prejudicial para ele, mas o indivíduo anseia mais pela liberdade do que pela felicidade, a capacidade de realizar o que deseja, mesmo quando isso lhe causa dano. No entanto, não há garantia de que os seres humanos usarão a liberdade de maneira construtiva. A evidência histórica sugere o contrário, que os seres humanos buscam a destruição dos outros e de si mesmos. Pode-se dizer qualquer coisa sobre a história do mundo, a única coisa que não se pode dizer é que ela é racional.

“Dê ao homem todas as bênçãos terrenas, afogue-o em um mar de felicidade, de modo que nada além de bolhas de felicidade possam ser vistas na superfície, dê-lhe prosperidade econômica tal que ele não tenha mais nada para fazer além de dormir, comer bolos e se preocupar com a continuação de sua espécie, e mesmo por pura ingratidão, puro despeito, o homem pregaria alguma peça desagradável a você.”

O homem não é razoável; e mesmo que fosse razoável, ele sairia do seu caminho para fazer algo perverso.

O homem gosta de abrir estradas e de criar, mas também tem um amor apaixonado pela destruição e pelo caos. Talvez o homem só ame aquele edifício à distância e não o ame de perto, talvez apenas ame construí-lo e não queira viver nele. Em outras palavras, ele ama a jornada, mas não o fim.

Parte II. A propósito da neve molhada

Nesta seção, o autor usa exemplos concretos para ilustrar as teorias abstratas da seção anterior, narrando eventos específicos da vida do protagonista aos 24 anos.

A seção é dividida em três partes. Na primeira, o personagem desenvolve uma obsessão por um policial que o humilhou em um bar. Ele sempre cruza com ele na rua, mas o policial nunca o reconhece. Ele acaba pegando dinheiro emprestado para comprar um casaco caro e esbarra no policial para mostrar sua igualdade. Mas, para sua surpresa, o policial não reage e continua andando sem notá-lo.

O personagem  preferiria ser humilhado, o que na verdade lhe dá uma sensação de prazer e poder, pois ele mesmo provocou a humilhação. Ele não se importa com o resultado, desde que possa exercer sua vontade.

A segunda parte gira em torno de um jantar com alguns antigos colegas de escola, pois ele deseja sua atenção e amizade. Porém, eles chegam uma hora atrasados ​​​​e ele já fica irritado e magoado e logo começa a brigar com eles, expressando todo o seu ódio à sociedade e usando-os como representantes dela. No final, todos saem sem ele para um prostíbulo secreto. O personagem principal, ainda irritado, os segue. Lá ele encontra Liza, uma jovem prostituta, com quem se deita.

“O que é melhor: felicidade barata ou sofrimento sublime? Bem, vamos lá, qual é o melhor?

O sofrimento faz parte da condição humana e ficamos muito mais felizes em aceitá-lo como é. No final do romance, o rapaz diz:

"Na minha vida Eu estava apenas suportando pela metade o que ela não se atreveu a fazer.”

O homem do subsolo decidiu terminar a sua nota aqui. Numa nota de rodapé no final do romance, Dostoiévski revelou que, embora subsistisse mais nesta história, “parece que podemos parar por aqui”. Embora deixe a trama no final sem uma conclusão definitiva, o final ambíguo e amargo é na verdade o melhor, pois reforça – mas não resolve – os temas introduzidos no livro, destacando o profundo sofrimento psicológico do rapaz.

O AUTOR
Fiódor Dostoiévski (1821-1881) foi um escritor russo autor de Os Irmãos Karamázov e Crime e Castigo, obras-primas da literatura universal. Seus romances abordam questões existenciais e temas ligados à humilhação, culpa, suicídio, loucura e estados patológicos do ser humano.
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